(António Guerreiro, in Público, 28/04/2023)

Estão confrontados com a sua impotência (e quanto mais impotentes mais entram na bipolarização perigosa do discurso, sabotando o debate) e já nem conseguem responder às antigas funções democráticas.
Este nosso tempo tão distante das vanguardas históricas e das neovanguardas viu, no entanto, surgir um novo “-ismo”: o activismo. Um pouco por todo o lado, movimentos e formas de mobilização social abrem frentes de combate e encenam gestos susceptíveis de mobilizar um número considerável de cidadãos, capazes de agregar novas subjectivações e de instaurar frentes de conflito publicamente identificados.
Esses gestos de combate a que se dá o nome de “activismo”, uma das palavras do novo léxico político do nosso tempo, podem ir da simples intenção de provocar um abalo na indiferença do poder político em relação a um determinado problema até à desobediência civil, pode ganhar a forma de um movimento cívico que defende o direito à habitação ou ser uma organização com vocação mais reactiva, preparada para entrar nos terrenos de luta recentes (por exemplo, o militantismo ecológico e climático e as causas LGBT). O activismo conhece a lógica e o tempo da revolta, mas sabe que passou o tempo da revolução. Por vezes, esses movimentos assemelham-se mais a jam sessions do que a manifestações que guardam a memória das grandes palavras de ordem que se julgavam performativas.
Se há hoje tanto activismo, e se muito dele tem um âmbito transnacional (ainda recentemente, os “activistas” contra a construção de megarreservatórios de água para alimentar a agro-indústria de Sainte-Soline, em França, vieram de muitas zonas da Europa), é porque os partidos políticos já não servem para acolher o entusiasmo e a energia destas iniciativas, destas formas de cidadania, tanto no âmbito das novas causas como no mundo sindical. O definhamento da forma partido é visível em todo o lado, de tal modo que na área da teoria política a crise dos partidos já é vista como o fim de um ciclo histórico.
É verdade que o partido de massa que dominou amplamente o cenário das democracias do pós-Segunda Guerra, isto é, o partido herdeiro do sufrágio universal, estruturado em torno de ideias, isto é, de uma ideologia, e enquanto resultado da irrupção das massas no campo político, já entrou em crise há mais tempo, mas foi sobrevivendo em perda progressiva, acompanhando a crise da democracia representativa, da qual ele é a instituição estruturante, pelo seu papel de representação e de organização do debate democrático. Agora já estamos na fase em que se tornou legítimo e pertinente perguntar se a forma partido tem ainda actualidade e se a sua função representativa não passa de uma pretensão que já só pode reclamar velhos pergaminhos.
Desmentindo aparentemente esta hipótese, temos a instalação progressiva de partidos atípicos (mas, ainda assim, partidos), muitas vezes dominados por chefes que instauram um poder grotesco e se exibem como “palhaços carismáticos” (uma categoria que foi definida pela primeira vez por Max Weber). Esses partidos atípicos não devem ser confundidos com os movimentos e as formas actuais de activismo, mas têm um significado semelhante enquanto sintomas da enorme debilidade dos partidos na sua forma tradicional.
Este estado de coisas não resulta apenas, nem sequer maioritariamente, de uma degradação interna, de uma autodestruição. Essa existe, de facto, mas é em parte consequência de vários factores externos: em primeiro lugar, há hoje uma fragmentação dos posicionamentos políticos que torna difícil “tomar partido” – uma fragmentação própria de uma sociedade marcada pela atomização e pelo individualismo crescentes; em segundo lugar, os partidos, enfraquecidos e sem poder de atracção, já não são produtores de ideias; em terceiro lugar, o fenómeno da globalização (ou a Europa como união política e económica) reduziu drasticamente o perímetro de acção dos partidos quando chegam ao poder governamental. Todos se confrontam com os mesmos constrangimentos e por isso é tão difícil distinguir uns dos outros. Daí a imagem de que são todos feitos do mesmo e a política é sempre a mesma.
Para marcar a diferença, os partidos extremistas só têm uma receita: o regresso às fronteiras e à soberania nacional (ou até à preservação de uma mitológica pureza étnica, como defendia há dias um ministro italiano que convidava os seus compatriotas a procriar mais para não serem substituídos por outras “raças”).
Em suma: os partidos, hoje, estão confrontados com a sua impotência (e quanto mais impotentes mais entram na lógica da bipolarização perigosa do discurso, sabotando todo o debate) e já nem conseguem responder às antigas funções democráticas. Que fazer?
Parece que o negócio da imprensa escrita, radio, tv e até multimédia não atrai a confiança dos “consumidores” nos dias que correm.Este é o lado não explicitado no artigo deste jornalista brasileiro. O resto do artigo é uma projecção mental freudiana, tendente a descridibilizar de a resistência social organizada contra os ataques ferozes a que os trabalhadores têm dido sujeitos, deixando-os sem perspectiva de alteração das suas condições de vida cada dia mais difíceis. Fica claro ao que António Guerreiro vem, assim como o esgotamento ideológico dos seus patrões, a parte da sociedade que o autor toma como se fosse a totalidade. Não se pode dizer que tenha descoberto algo de novo. Argumentos destes já eram usados – e desmascarados – há mais de 150 anos. Enfim, vira o disco e toca o mesmo.
Um comentário interessante, com uma ressalva:
António Guerreiro é português (de Santiago do Cacém) e não brasileiro, como diz.
já conhecemos essa ladaínha, obrigado
É provável que a situação reflita o estado da tecnologia e o da escola.
A tecnologia estabelece a simplificação e a repetição da mensagem, desde a linguagem à imagem quase tudo se reduz a ‘caixas’ repetidas à exaustão nos mais variados meios.
A escola, ao embarcar em modelos similares, não requerendo a capacidade de enfrentar e exprimir complexidades e incertezas, cria como que o horror à dialética, opondo o bem-estar à dúvida.
O activismo é no essencial alimentado por ignorantes que se apresentam confiantes em certezas que têm por irrecusáveis por nunca terem explorado os seus limites.
A adesão a um partido político, se suscitada por activismo ou oportunismo, sempre contribuirá para que não cumpra o seu desígnio, caso este se configure às complexidades de uma ideologia.
João Paulo Guerra é jornalista.
Iniciou a carreira no Serviço de Noticiários do antigo Rádio Clube Português, foi correspondente da Rádio Nacional de Angola, co-fundador da Telefonia de Lisboa e repórter e editor da TSF. Na imprensa, escreveu na Mosca, do Diário de Lisboa e na Memória do Elefante. Foi redactor de O Diário colaborador permanente do Público e de O Jornal e ainda editor e redactor principal do Diário Económico.
Actualmente assina no Diário Económico a Coluna Vertrebral e edita a Revista de Imprensa na Antena 1.
Publicou, entre outras, as obras Memórias das Guerras Coloniais, Savimbi – Vida e Morte , Diz que é uma espécie de democracia e Descolonização Portuguesa – O regresso das caravelas. Romance de uma conspiração é a sua estreia na ficção.
Humor de mau gosto, com sabor a comunismo fanático.