As modulações da paz na Ucrânia

(Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 25/11/2022)

Mais recentemente, temos assistido a intervenções de várias entidades apelando à obtenção de uma solução política para o conflito, todas admitindo a possibilidade da amputação territorial da Ucrânia.


Foram precisos nove meses de guerra, a destruição de 50% das infraestruturas energéticas da Ucrânia, a ruína do seu tecido industrial, uma crise sem precedentes de refugiados (cerca de oito milhões) e de deslocados internos, a redução de 33,4% do seu PIB, mais de cinco milhões de desempregados, e centenas de milhares de vidas humanas ceifadas para se começar a falar de paz. Importa perceber a origem desta mudança discursiva.

Não terá sido alheia a esta alteração de “dinâmica”, as consequências que a guerra está a ter na Europa, causadas pelo efeito bumerangue das sanções impostas pela União Europeia (UE) à Rússia, entre outras a inflação galopante, a recessão económica, e a deterioração das condições de vida das populações, que começam a contestar as políticas dos seus governantes.

Como salientou Kristalina Georgieva, a diretora-geral do FMI, numa entrevista ao “Washington Post”, “a guerra parece estar a desencadear uma série de desenvolvimentos que podem ficar fora de controlo”. A probabilidade de fragmentação da economia mundial tornou-se elevada: “podemos estar a caminhar como sonâmbulos para um mundo que é mais pobre e menos seguro.” Segundo ela, a construção de barreiras económicas pelos EUA e pela UE para obterem objetivos geopolíticos podem fazer mais mal do que bem, referindo apenas o campo económico.

Contudo, o fator determinante na introdução da diplomacia na ação e no discurso político deve-se ao facto de Washington ter conseguido concretizar, com esta guerra, vários objetivos geoestratégicos de longa data.

Em primeiro lugar, inviabilizar um projeto europeu dotado de autonomia estratégica, passível de competir e rivalizar no futuro com Washington. Será difícil, nos tempos mais próximos, um dirigente europeu ter a coragem de afirmar que “os europeus têm de lutar pelo seu próprio futuro e destino”, nos termos em que esta afirmação foi feita pela então Chanceler Angela Merkel.

Em segundo lugar, obter a total submissão da Alemanha, o principal polo agregador desse tão almejado projeto europeu, em risco de perder a sua competitividade industrial conseguida, em grande parte, pelo recurso aos hidrocarbonetos russos baratos. Está presente na memória de todos a célebre conferência de imprensa em que Joe Biden disse diante de Olaf Scholtz que “se a Rússia invadir a Ucrânia, o Nord Stream 2 deixará de existir”.

Em terceiro, consumar a rutura da Europa com a Rússia impedindo o aprofundamento da cooperação entre elas nos mais variados domínios, desde o económico ao tecnológico, fazendo com que Moscovo se afastasse da Europa e pivoteasse para leste e para os mercados asiáticos. Esse afastamento já se tinha iniciado há alguns anos, mas acelerou-se com a guerra. A destruição dos gasodutos ajudou a consumar esse movimento.

E, em quarto, o enfraquecimento da Rússia, através de um prolongado regime de sanções, contando para tal com o apoio incondicional da UE, objetivo menos conseguido do que os anteriores. Para além da guerra económica desencadeada à Rússia não ter tido até agora os efeitos esperados, está a ter um efeito desastroso para as economias europeias. Algumas das sanções impostas à Rússia poderão manter-se mesmo que exista um acordo de paz. Embora a Secretária do Tesouro Janet Yellen admita que o conflito está a acabar, foi muito clara sobre esta matéria.

Como escreveu Timothy Ash, “os 5,6% do orçamento norte-americano de defesa utilizados para destruir quase metade da capacidade militar convencional da Rússia foram um investimento absolutamente incrível. A análise de custo-benefício do apoio dos EUA à Ucrânia é incontestável. Está a produzir vitórias em quase todos os campos.”

As preocupações geopolíticas de Washington

A guerra na Ucrânia foi um pretexto para Washington materializar o seu projeto geopolítico, tão bem descrito por vários pensadores e think tanks norte-americanos. A designada primazia norte-americana, como lhe chamou Zbigniew Brzezinski, visa impedir a emergência na Eurásia de uma potência que possa rivalizar e competir com os EUA. Houve momentos em que se pensou que a UE podia ser essa potência, mas as conhecidas divergências internas impediram a realização desse sonho, que com a guerra na Ucrânia passou de sonho adiado a sonho irrealizável. Washington nunca esteve distraído relativamente às ambições emancipatórias europeias, nomeadamente aos seus conceitos estratégicos, em particular ao último (a bússola estratégica) aprovado já em 2022.

Conforme acima referido, um dos motores da concretização desse projeto seria a Alemanha. As preocupações geopolíticas de Washington relativamente à Alemanha alargavam-se à sua possível aproximação à Rússia. Washington teve sempre presente o pensamento de alguns setores a elite política alemã assente nas premissas da Rückversicherungspolitik abraçada pelo chanceler Otto von Bismarck, no século XIX, que defendia, para o bem da segurança da Alemanha, o estreitamento dos laços com a Rússia, respeitar os seus interesses e não alienar Moscovo. Sempre que a Alemanha abandonou esta abordagem colocou-se no caminho da derrota, como aconteceu em 1914 e 1941. Durante a Guerra Fria, essa aproximação ocorreu de forma mitigada em vários momentos e com diferentes matizes, como foi o caso da Ostpolitik promovida pelo chanceler Willy Brandt, e da cooperação energética entre a Alemanha e Rússia com mais de meio século, iniciada em 1964, com a entrada em funcionamento do pipeline “Amizade”.

É essencial para os EUA impedir essa aproximação. Foi exatamente isso que aconteceu, no final da Guerra Fria, quando Moscovo ambicionava aproximar-se da Europa e integrar as instituições europeias, nomeadamente a Comunidade Europeia e a NATO. Sentindo o perigo dessa aproximação, o presidente Bill Clinton não teve dúvidas sobre as opções a tomar. Nesta lógica de afastamento, não é de estranhar que o Parlamento Europeu tenha considerado a Rússia um “Estado terrorista”. Isto representa uma vitória de Washington em toda a linha. Uma vez alcançados os seus objetivos geopolíticos, o prolongamento da guerra torna-se um risco desnecessário.

Os sobressaltos da diplomacia

A guerra na Ucrânia podia ter sido evitada, tivesse existido pressão diplomática eficaz sobre Kiev por parte dos atores internacionais envolvidos, de modo a dar corpo ao projeto federal subjacente aos acordos de Minsk. Dada a sua história, cultura, e composição étnica, fazia todo o sentido que a Ucrânia fosse um Estado federal, dando assim expressão política a todas as sensibilidades que a integram, algo que os grupos ultranacionalistas e neonazis não toleram. A demonstração militar russa na fronteira com a Ucrânia no início de 2022 não foi suficientemente dissuasora para obrigar Kiev a ceder. Já com as forças russas na Ucrânia, ucranianos e russos estiveram em março e abril próximo de um acordo, que teria posto fim ao conflito, não tivesse sido Volodymyr Zelensky mal aconselhado.

Tal como Alija Izetbegovic, presidente dos bósnios muçulmanos, também Zelensky acreditou no canto das sereias. Acreditou que os seus patrocinadores estavam de armas e bagagens no seu comboio, esquecendo, ou desconhecendo, dada a sua impreparação para o cargo, que as grandes potências são implacáveis quando os seus interesses se desencontram com os dos seus vassalos. Que o digam, entre outros, Van Thieu, Najibullah ou Ashraf Ghani.

Uma vez atingida a maioria dos seus objetivos, mas também com receio dos efeitos políticos e económicos nefastos que o prolongamento da guerra possa vir a causar, em particular na solidariedade transatlântica, os EUA começaram a pensar na paz. Sintomaticamente, a maioria das iniciativas nesse sentido tiveram origem nos EUA. Isso começou a tornar-se evidente nas alterações do discurso, embora não exista consenso sobre esta matéria nos círculos dirigentes norte-americanos.

Essas divergências são evidentes, por exemplo, entre os Departamentos de Estado e de Defesa, mas também entre diferentes setores da elite política, onde militam os designados liberais internacionalistas e os grupos neoconservadores. Conselheiros do Presidente Joe Biden têm dito que é cedo para negociações não se encontrando a situação ainda madura para tal. Por outro lado, tem havido a preocupação de alguns responsáveis norte-americanos mostrarem que não estão a colocar pressão sobre os ucranianos, não lhes dizendo o que devem fazer, sobretudo em matéria de cedências territoriais. Foi esse o sentido das declarações de Joe Biden, a 9 de novembro, dizendo que Washington nem sequer pressionava Kiev a falar com Moscovo.

Não obstante, são vários os desenvolvimentos reveladores da existência de uma diplomacia discreta nos bastidores. De acordo com vários relatos, a Administração Biden pediu ao governo ucraniano que anunciasse a sua disponibilidade para entrar em negociações com Moscovo, e se retratasse de declarações anteriores pedindo a destituição do Presidente Vladimir Putin. O Verkovna Rada tinha aprovado em 4 de outubro uma lei que proibia as negociações com o presidente Putin.

A ida do Conselheiro Nacional de Segurança Jack Sullivan a Kiev, em 4 de novembro, visou instar Zelensky a mostrar flexibilidade a adotar uma postura de negociação “realista” em possíveis negociações com a Rússia, e avançar para conversações reconsiderando, eventualmente, o objetivo declarado de restaurar o controlo sobre a Crimeia. No rescaldo dessa reunião, Zelensky reconsiderou de facto a sua anterior posição e veio afirmar publicamente a disponibilidade para negociar com Putin, apesar da lei que o proibia de o fazer não ter sido revogada.

As discussões sobre a fórmula de Sullivan estão em andamento, tendo os contatos entre os EUA e a Rússia aumentado significativamente. Entretanto, os diretores da CIA e do Serviço russo de Inteligência Estrangeira, respetivamente, William Burns e Sergei Naryshkin reuniram-se em Ancara, no dia 14 de novembro, algo que deixou Kiev bastante incomodada, apesar de Joe Biden ter clarificado que nada seria dirimido sem a Ucrânia. Segundo ele, a decisão final seria sempre dos ucranianos, nomeadamente, em matéria de cedências territoriais. Zelensky teria provavelmente presente as negociações entre os EUA e os Talibã sobre o futuro da guerra no Afeganistão, sem o envolvimento de Cabul.

Mais recentemente, temos assistido a intervenções de várias entidades apelando à obtenção de uma solução política para o conflito, todas admitindo a possibilidade da amputação territorial da Ucrânia. Desde Charles Kupchan até altas patentes militares, algo que nunca antes tinham feito. O Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas dos EUA, general Mark Milley, veio afirmar publicamente que, por ser altamente improvável que a Ucrânia tenha capacidade para recuperar o território sob controlo russo, seria conveniente iniciar-se um processo de negociações de paz neste inverno, assinalando que a Rússia dispõe ainda de um poder de combate significativo.

Seria, portanto, improvável que Kiev consiga expulsar o Exército russo das posições que atualmente ocupa. Segundo ele, “a probabilidade de uma vitória militar ucraniana é agora extremamente baixa “. Afinal, os ataques de mísseis russos não param e a infraestrutura da Ucrânia já foi quase totalmente destruída. Outras vozes juntaram-se a Milley, como a dos antigos SACEUR Wesley Clark e James Stavridis, todas elas refletindo a necessidade de um compromisso.

Sem surpresa, as palavras de Milley foram mal recebidas em Kiev, motivando uma reação oposta ao pretendido. O CEMGFA ucraniano, general Valerii Zaluzhnyi, disse que “as forças armadas ucranianas não aceitam quaisquer negociações, acordos ou soluções de compromisso”. Para haver negociações a Rússia teria de libertar todos os territórios ocupados, o que é absolutamente irrealista. Esta abordagem esteve presente na proposta utópica de paz que Zelensky apresentou na cimeira do G20, a 15 de novembro, assente em dez pontos, a qual exigia a saída das tropas russas do território ucraniano como condição para se sentarem à mesa das negociações. Também o vice-ministro da Defesa ucraniano fez declarações semelhantes.

Independentemente dos esforços que venham a ser envidados para sentar russos e ucranianos à mesma mesa para discutir o seu futuro, ambas as partes encontram-se ainda longe de um impasse doloroso, convencidas de que conseguem ganhar militarmente a guerra. Como nada será ganho à mesa das negociações, que não tenha sido conquistado no campo de batalha, devemos preparar-nos para uma grande confrontação militar cujo resultado ditará não só o futuro de ambos os países como a futura arquitetura de segurança europeia, em particular, no que respeita à possível adesão da Ucrânia à NATO. Só depois poderemos falar de negociações e de paz.


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9 pensamentos sobre “As modulações da paz na Ucrânia

  1. Se se dissesse que António Costa é hoje Primeiro-Ministro por via do voto de um povo alienado, dado que, se assim não fosse, teria votado num outro candidato para chefe do governo, fosse ele Rui Rio, Jerónimo de Sousa, Catarina Martins, etc., ou mesmo em branco, Costa contraporia, certamente, que o povo que nele votou, ao invés, terá mostrado inteligência, maturidade política, perspicácia, sabendo distinguir o «trigo» do «joio», etc.
    Ora, sendo assim, como explicar, então, que António Costa subscreva no âmbito da UE a censura de canais de televisão russos, a propósito do conflito militar registado na Ucrânia, com o pretexto de serem meros meios de «propaganda» do regime que tem à frente Putin? Afinal, no que a Portugal, em particular, diz respeito, os mesmos portugueses que em António Costa votaram, deixaram, de um dia para o outro, de ser inteligentes, maduros, perspicazes, sabendo distinguir o «trigo» do «joio», etc. e, assim, se revelarem incapazes de perceber, por si só, tal «propaganda»? Passaram de «maduros» a «infantis», a precisar de «superior» tutela censória?
    Salazar e Marcelo, para censurarem a respetiva oposição, nomeadamente durante a guerra colonial, não recorriam à mesmo argumentação que António Costa e seus pares da UE agora utilizam para privar o acesso aos ditos canais de televisão russos por parte do povo?
    Se calhar, por isso, é que haverá por essa UE fora cada vez mais gente descrente no tipo de democracia nela vivida, que, assim, burlescamente, a trata, voltando as costas às urnas!

    • A maioria em Portugal ou não votou, ou votou num partido de oposição. Calha bem ao não-democrático A.Costa (e suas cheerleaders) que a lei eleitoral em Portugal já não é Constitucional, pois deixou de ser proporcional.

      Tudo uma negociata do PS e PSD para fazerem as regras melhor para si, para tirar voz aos outros.
      A tal “maioria absoluta” resulta de apenas 41% dos votos, e de apenas 21% dos eleitores.

      Para não saber isto, é dada ao povo palha, na forma de novelas e bola, comentariado sem real pluralismo, muita manipulação e condicionamento, de facto propaganda do regime.

      É por isso que a CNN, arma de distribuição massiva de FakeNews, é permitida, mas a RT está censurada.
      Não que a RT não tenha também as suas asneiras, mas na “democracia liberal” a mentira só é legal se for para um dos lados.

      Por isso é que o rapaz da Associated Press que fez o que lhe mandaram (noticiar o que Zelensky ou fontes anónimas da NATO lhe dizem como se fosse verdade), acabou a servir de bode expiatório e foi despedido. É que a me tira do bombardeamento da Polónia era desagradável demais cá ao “nosso” regime genocida.
      O jornalista ocidental tem o dever de mentir, mas só as mentiras que o editor-chefe (normalmente avençado da CIA) lhe manda.

      Assim “os Russos bombardeiam-se a si próprios na central nuclear de Zaporojie”, pois isso é uma mentira previamente aprovada pelo regime e fica bem na narrativa. Mas “os Russos bombardeiam a Polónia” já não pode ser…

      Com as devidas diferenças, nos “noticiários” nacionais e sobre a politiquice local, a m*rda é a mesma. Mas em vez de ser favorável aos genocidas da NATO e aos lunáticos Nazis, é favorável a quem obedeça melhor a cada momento aos donos disto tudo.

      Foi assim que, durante 3 meses de manipulação, se convenceu o povinho português que o orçamento chumbado era o “mais à Esquerda de sempre” e que tais partidos, que já quase não faziam exigências ao PS, foram “irresponsáveis” por não aprovar uma coisa má e sem qualquer proposta sua incluída.

      E por isso, para além da “maioria” dada ao PS, uns tópicos foram ainda dar um n° record de votos às extremas-direitas encostadas…

      No momento em que vi os resultados destas eleições legislativas, foi o momento em que a minha paciência esgotou, a minha esperança num Portugal melhor acabou, e percebi que este país não é para quem tem cérebro, portanto decidi emigrar. O que é demais cheira mal.
      Qualquer dia até chamam ao PS de partido “socialista” ou de “esquerda”, e colocam N economistas todos as explicar no mesmo programa muito “plural” quais os perigos de aumentar demasiado os salários em Portugal, ou ainda uma campanha de perseguição contra o partido que mais defende a paz e menos se vende a fascistas e a nazis…

      Tudo é possível aí na facholândia. Mas lá está, só é assim se se garantir que só se pode ver os canais “certos”. Ora como a maioria da carneirada acha que dá muito trabalho procurar e ler informação noutros lados, assim se explica como a esmagadora maioria acredita nas mentiras e acha que está tudo bem ou na melhor posição possível.

    • Só a lavagem cerebral a que os povos da Europa vassala são submetidos há décadas permitiria transformar o vergonhoso atentado contra as liberdades de expressão, de imprensa, de informar e ser informado que foi o silenciamento da RT (menos de uma semana depois do início da guerra) numa medida normal, justificável e justificada, aceite pacificamente, pachorrentamente, praticamente sem um pio. Só mesmo o feroz processo de alienação a que programas televisivos acéfalos e promotores de acefalia sujeitam milhões — que chegam a casa cansados do trabalho, com o jantar por fazer, o rabo dos filhos por lavar e zero de disponibilidade para pensar — conseguiria fazer passar com tanta tranquilidade e bonomia esse vergonhoso atentado contra a nossa liberdade de escolhermos livremente como e por quem queremos ser informados. Só a estupidificação maciça a que deliberadamente nos sujeitam poderia classificar, impunemente, como defesa da liberdade e da democracia uma medida que viola flagrantemente essas mesmas liberdade e democracia, esses valores que, da boca para fora e batendo furiosamente no peito, a criadagem proclama, hipocritamente, serem pilares fundadores e formadores do nosso belo “jardim” (Borrell dixit) que a selva inveja.

  2. Quando a boca lhes foge para a verdade, para lá de toda a propaganda:

    “O Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas dos EUA, general Mark Milley, veio afirmar publicamente que, por ser altamente improvável que a Ucrânia tenha capacidade para recuperar o território sob controlo russo, seria conveniente iniciar-se um processo de negociações de paz neste inverno, assinalando que a Rússia dispõe ainda de um poder de combate significativo.”

    Ele sabe que a Rússia não foi expulsa de Kherson. Evacuou civis para evitar que os lunáticos explodissem a barragem de Nova Kakhovka. E tiraram a tropas para uma zona também protegida disso.

    Não tenho dúvida que se tivesse já capacidade para tal, a Rússia teria ido até Nikolaev, mas não a tem.
    Vai agora colocar novos mobilizados a ganhar estaleca na margem esquerda do Rio Dnieper, e só em 2023, finalmente com igualdade numérica, irá mais para Oeste.

    Até lá, vai continuar como até aqui, com avanços lentos mas significativos nas zonas de alta densidade de bunkers em redor de Donetsk, e com as suas defesas a “limpar” todas as tentativas Ucranianas de avançar para Ligando a partir da frente de Kharkov, entre os rios Oskil e Zherebets.

    Vou mais longe e pego nas palavras de Scott Ritter: a razão pela qual vemos cada vez mais ataques desesperados dos Ucranianos, inclusive o de falsa bandeira em território Polaco, e este paleio todo de “paz” vindo de quem andou meio ano a prometer mais guerra e derrota total da Rússia, é porque sabem o que aí vem a seguir, sabem que a seguir serão esmagados.

    O que vem a seguir é o que acusaram a Rússia de fazer, mas está não fez, pois não estava preparada para tal: uma invasão de facto. Estamos agora a ver os dias finais da intervenção em nome do povo do Donbass e em defesa preemptiva da Crimeia. Estamos s começar a ver novos mobilizados a ganhar experiência (ou a relembrar).

    De uma situação de 250 mil Ucranianos (cerca de 1 em cada 3 ultra-naZionalistas) frescos e preparados pela NATO ao longo de 8 anos mas que perderam quase 4 oblasts mesmo tendo a Rússia apenas 150 mil tropas, vamos passar para uma situação em que o exército da Ucrânia está de rastos, o povo está insatisfeito, e do outro lado está uma Rússia finalmente preparada e mentalizada para derrotar totalmente os lunáticos.

    No resto da Europa, a inflação, o cansaço, talvez até recessão, o agravar da crise de refugiados, as mentiras cada vez mais descaradas e desmascaradas de Kiev, a hipocrisia de quem sanciona isto mas compra aquilo, e os zigue-zagues de quem (vassalos de Washington na Europa) não fala de factos nem faz o que tem sentido, apenas obedece a cada momento à vontade da oligarquia USAtlantista.

    No início de 2023 a Rússia estará novamente em Kherson e Kharkov, irá a caminho das fronteiras da República de Donetsk e a caminho de Zaporojie e de Nikolaev, de modo respetivamente a que os lunáticos deixem de estar à distância de bombardear a central nuclear de Energizar e a barragem que protege Kherson da destruição.

    É por isso que se fala agora em “paz”. Porque agora dá a sensação que a vitória geoestratégica dos EUA está no papo, que a UE deixou de ter qualquer autonomia, que a Rússia sofre muito com sanções, e que a Ucrânia tem alguma hipótese de recuperar mais territórios.
    Só mesmo lunáticos acham que faz sentido querer roubar o Donbass, a Taurida e a Crimeia a quem lá vive, gente que é esmagadoramente pró-Russa ou Russa de facto.

    A Rússia teve de facto uma derrota humilhante no oblast de Kharkov, onde perdeu território de Balakleya até Izium, e depois também até Lyman e mesmo até às fronteira da República de Lugansk, de forma muito rápida, sem conseguir proteger os seus civis pró-Russos, e deixando até muito material para trás, tal foi a pressa.
    A Ucrânia aproveitou muito bem, e o tal exército, já com menos Nazis, mas mais mercenários da NATO, deu uma lição de humildade à Rússia.

    Mas desde então muito mudou, e o erro foi tal que duvido que se atrevem a repetir. Na próxima fase terão mais 300 mil mobilizados, já com alguns meses de experiência em situação defensiva ou de combates de artilharia posicionais. Já para não falar dos milhares de voluntários para além desse número. Os referendos estão feitos, dos territórios oficialmente no mapa da Rússia. E acham os palermas que era agora, antes da hora H, e após mais umas quantas provocações em Belgorod e Sevastopol, que a Rússia ia atirar a toalha ao chão?

    Não sei se acompanham os mapas diariamente. Eu faço-o em várias fontes, algumas com o pormenor até de dizer onde está cada batalhão. Aquilo que vemos em Kharkov, após a derrota horas milhante, foi um exército Russo em inferioridade numérica a corrigir o erro e a travar os UcraNazis+NATO na linha que definiu. No Donbass é a Rússia que avança e ainda não parou de destruir naZionalistas, material e bunkers. Em Zaporojie a linha da frente está onde a Rússia a quer nesta fase.

    E nas várias grandes movimentações de Kherson, a linha da frente foi definida pela Rússia onde a Rússia muito bem entendeu. Até os lunáticos de Kiev tiveram dificuldade em chamar vitória ao seu avanço, pois este aconteceu sobre os corpos dos milhares que morreram na tal “contra-ofensiva”, e a Rússia é que foi escolhendo a seu bel-prazer onde era a linha da frente em cada momento.
    Agora, devido à questão da barragem, decidiu que passará o Inverno na margem leste do Dnieper, mas já antes tinha decidido que a linha da frente era de Oleksandrivka até Snigurivka, e de Andreevka até perto de Dudchany. A Ucrânia foi “lutando” (morrendo) onde a Rússia decidiu.

    Os EUA, em particular o senhor que citei, sabemos que eu sei. Sabem muito mais. Sabem que estes meses de Inverno são a última hipótese do regime de Kiev assinar um acordo de paz em que salve minimamente a face e em que a NATO não seja totalmente tornada inútil (na questão Ucraniana).
    E o pior é que os lunáticos também sabem, mas insistem na propaganda do “forte resistente” que ainda vai re-conquistar a Crimeia toda não tarda nada… É que é já a seguir. Prova disto é que perante a esperada invasão de facto, já colocam bunkers pré-fabricados na fronteira a Norte de Kiev, em toda a extensão desde a Polónia até às Rússia.

    Sabem o que aí vem, mas em vez de fazerem a paz, agora com o menor número de concessões territoriais possível (perante a derrota Russa de Kharkov até Lyman), e perante o recuo estratégico na cabeça-de-ponte de Kherson, em vez disso vão continuar de peito feito, a prometer derrotar a Rússia, eles nos palácios de Kiev (ou mansōes compradas aqui e ali), enquanto os desgraçados estão a morrer na linha da frente, ou já com data marcada para o enterro na fase 3…

    E aqui, confesso, tenho o coração dividido. A paz, mesmo paz, era o ideal, sempre,e evitava-se mais mortos civis e de soldados comuns. Mas só com a continuação da guerra, até às derrota total da ditadura de Kiev, é que será feita justiça, é que será possível a liberdade de todos os pró-Russos, é que será possível a desnaZificação completa (como a imposta pela URSS à Finlândia, ou pelos Aliados à Alemanha), é que será possível a humilhação da NATO, é que será possível dar início a todo o vapor à Nova Ordem Mundial Multipolar, e quiçá será possível mais alguma for à Europa de maneira que está abra os olhos e comece a deixar a droga dos EUA, e dê início ao longo e penoso caminho de normalização das relações com a restante Eurásia, Rússia e China obviamente incluídas

    A alternativa é a derrota de tudo, até da verdade dos factos e da decência, a normalização do Nazismo, e a vitória de quem só merece desaparecer do mapa: o regime autoritário imperialista genocida dos EUA. Isso, a derrota da Rússia perante a NATO, é o pior que pode acontecer ao Mundo em 2023.
    Seria usado como motivação para repetir a pouca-vergonha em Taiwan e quiçá com uma NATO Mundial, como os belicistas e corruptos USAtlantistas já se atreveram a dizer. Está gentinha já matou milhões suficientes, isto tem de acabar em Kiev. Nem mais um metro para a NATO, os assassinos do regime genocida de Washington e seus idiotas que prestam vassalagem na Europa.

    A diferença é esta, nas nossas vidas em Portugal, daqui por exemplo a 10 anos:
    – ou adormecer com medo que o nosso governo vá censurar mais alguém, e cobrar-nos impostos para ajudar os EUA a invadir mais algum país, com Nazis como aliados e ameaça de guerra nuclear permanente, e só com FakeNews na TV;
    – ou acordar com orgulho, soberania, progresso, cooperação, paz, e o dinheiro bem usado para o bem de todos e o desenvolvimento humano, preocupados só em votar em quem nos representa, com confiança renovada em jornalistas que falam dos factos sem medo de lhes acontecer uma perseguição como ao Bruno Amaral de Carvalho ou ao Julien Assange.

    É esta a escolha. Eu já fiz a minha. Quero lá saber se é com Putin ou se foi com Stalin. Interessa é não estar do lado dos Nazi originais ou dos Azov actuais.
    Mas sei que estou em minoria, e sei que a maioria está completamente manipulada, treinada como o cão de Pavlov, mas agora para abanar de alegria perante as insígnias militares dos EUA, e para se espumar de raiva perante o que não seja Ocidental, em particular o Russo e o Chinês.
    Sei ainda mais uma coisa: para que o futuro da Europa seja risonho e decente, a UE (agora revelada às claras como o braço financeiro da NATO, que por sua vez é o braço armado do império) não pode continuar a existir… Mas isso é outra conversa, e fica para outra oportunidade.

  3. No Jornal das 8 da TVI de ontem, 25-11-2022 (ao minuto 20:44), com aquele ar “inteligente” (pensa ele de que) que gosta de nos esfregar no focinho, arengou o pivot José Alberto de Carvalho a seguinte pérola:

    “As imagens [da margem esquerda do Dniepre, em frente de Kherson] que permitem o relato que apresentamos agora foram obtidas pela televisão chinesa CGTN, que tem acompanhado a ofensiva russa, onde praticamente não são autorizados jornalistas ocidentais.”

    Isto dito por um pivot (confesso a minha relutância em chamar-lhe jornalista) do único canal português que, durante algum tempo, teve um jornalista a sério junto das tropas russas, sem que o trabalho desse jornalista, tanto quanto sabemos, tenha alguma vez sido limitado pelas autoridades de facto das zonas em que trabalhou. As únicas tentativas de limitação, conhecidas, do trabalho de Bruno Amaral de Carvalho (para a CNN Portugal) vieram, por sinal, do lado de cá, de campeões e campeãs das muito proclamadas liberdades “ocidentais” de informação e de imprensa, sendo o exemplo mais vergonhoso o da ex-marxista-leninista-maoísta Ana Gomes, fazendo queixinhas à CNN International para que lhe cortasse o pio. Tendo, aliás, ao Bruno Amaral de Carvalho sido dada, inicialmente, alguma liberdade, alguma latitude, nos trabalhos que enviava do Donbass, rapidamente a coisa se modificou, com as peças por ele enviadas pesadamente editadas e castradas, acompanhadas geralmente por uma voz feminina em off que as decontextualizava e manipulava, chegando ao ponto, por exemplo, de mostrar o resultado de bombardeamentos ucranianos à cidade de Donetsk, desde 2014 em mãos pró-russas, de modo tão subliminarmente manipulado que a maior parte dos telespectadores pensava que os corpos ensanguentados de pró-russos desfeitos por bombas ucranianas e espalhados pela calçada eram de ucranianos massacrados pelos demónios da Moscóvia.

    Disse uma vez, numa entrevista a uma “revista do coração” destacada na primeira página, uma criatura quanto a mim execrável chamada Manuela Moura Guedes, ressabiada com o referido pivot por motivos que desconheço e não me interessam: “O Zé Beto é burro!” Tal como o relógio avariado que está certo duas vezes por dia, sou tentado, uma vez sem exemplo, a dar-lhe razão. Da cena que acima descrevo (que dele diz mais do que eu poderia fazer) concluo, porém, que não parece ser esse, sequer, o seu pior defeito.

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