(Carlos Matos Gomes, in Facebook, 30/10/2022)

Pergunta-me o agora Meta o que estou a pensar. Na hora que ganhei, pensei no génio. Quantos génios produziu Portugal? Concluí que Herman José é um dos génios portugueses a rever, em programas de TV que tinha deixado para melhor ocasião.
Não existe um consenso mínimo para definir o génio. Existe a ideia que cada um de nós faz do que é génio. O génio é alguém com uma aptidão fora da norma para uma qualquer atividade, conjugar notas de música, sons, cores, movimentos, dados abstratos. Alguém que vê o mundo de um ponto de vista único, que, em vez de “captar” conceitos corriqueiros troca as perguntas para encontrar respostas que são evidentes apenas depois de eles as apresentarem.
Karl Jaspers, um dos grande filósofos do século XX, realizou um estudo comparativo das trajetórias de vida e artísticas de vários artistas geniais, entre eles Strindberg e Van Gogh e descobriu em todos eles um caráter visionário acompanhado de interrogações sobre a realidade. O génio artístico seria, assim, associado a uma «tipología esquizofrénica», que faz dele um percursor de acontecimentos, alguém que desempenha o papel dos antigos oráculos, ou dos animais míticos como os corvos, as corujas. Portugal tem os seus génios, adequados à interpretação da realidade em cada tempo e circunstância.
Eu elaborei a minha lista particular: Gil Vicente, o padre António Vieira, Fernando Pessoa, Amália Rodrigues e Herman José. Não são muitos. Não há génios na pintura – talvez Amadeo de Souza Cardozo -, nem na música, nem na arquitetura, nem na ciência – talvez Pedro Nunes.
Talvez cause surpresa a inclusão de Herman José num tão restrito número de “génios portugueses”. Julgo que Herman José, fruto, se quisermos encontrar explicações para o que é inexplicável, do cruzamento de culturas em que nasceu e viveu, da sua educação, viu desde muito cedo a sociedade portuguesa por dentro e por fora. Adquiriu uma visão 3 D. Depois foi dotado com as aptidões excecionais para expressar essas visões, inteligência, capacidade para conjugar conhecimento com realidade, dotes físicos, coordenação motora, voz, ouvido, coragem para se exibir, arrogância quanto baste para se impor e ser o centro das atenções e a estrela do espaço em que se move. E, finalmente, o instinto do matador de mediocridades. Um pícaro aristocrata como não houve em Portugal e haverá muito poucos no mundo.
Os seus programas na TV são um retrato do Portugal do seu tempo, do nosso tempo. Ele é o grande historiador contemporâneo. Os seus programas são os autos vicentinos do Portugal pós 25 de Abril. São as farsas dos autos da Índia (adultério, dissolução de costumes e falsa moral como consequência dos Descobrimentos) e de Inês Pereira (o oportunismo e a ausência de princípios: “mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”) que descobriram os podres do que era apresentado como uma epopeia e uma luta pelo Bem. As suas personagens são as personagens de Gil Vicente, e, nalguns casos, as de Eça de Queiroz. São as figuras refinadas do subversivo Vilhena e do pícaro Luiz Pacheco. Herman José reúne todas essas personagens e constrói com elas um painel genial, o que o tríptico de Nuno Gonçalves não consegue ser, porque a Gonçalves lhe faltava o humor, a inteligência e a perversidade de Herman.
A mais recente obra da genialidade de Herman José consistiu na transformação em esfregões de limpar o chão dos típicos comentadores arregimentados pelas TVs para fazer a propaganda da guerra na Ucrânia.
É como capachos que ele reencarna o comentador da bola José Esteves, agora de barba e cabelo branco a perorar, a babar-se e asneirar num lar da terceira idade, com um olhar desconfiado, a dar as deixas para o excelente Manuel Marques recuperar a personagem de Zé Manel, o taxista que sabe tudo e fala pelos cotovelos, agora com ar de polidor de esquinas a quem saiu a raspadinha, ou que coloca a Maria Rueff no trono da pivôa Beleza de Sousa.
Herman José conseguiu em menos de um quarto de hora esfrangalhar a manipulação que tem sido a informação das TVs sobre a guerra da Ucrânia. Tudo ficou a nu, reduzido à farsa que se esconde sob o nome de informação. E, por último, para quem não tenha querido entender o que ele disse ao apresentar aquele genial sketch explicou no programa “Primeira Pessoa”, de Fátima Campos Ferreira, que a informação é hoje um negócio e que para dar lucro e pagar os salários aos pivôs vedetas há que vender as notícias que as audiências querem. Deu como exemplo da degradação a Fox News.
Foi delicado com os seus colegas das Tvs, um ato de misericórdia.
Ver o vídeo aqui. Ligue o som se estiver desligado.
Nas ciências conheces Antônio Damásio? Sou brasileiro e muito o admiro.
Concordo que o Herman José, no seu “departamento”, é um génio. A caricaturização das três jarras da SIC (Rogeiro, Milhazes e Clara de Sousa) a falar da Ucrânia está uma maravilha, é arte e faz-nos rir. Mas convém relativizar o potencial crítico e subversivo da coisa. Para isso, basta referir que Milhazes, o mais gozado, adorou a imitação que o Herman fez dele (com a imerecida importância que isso lhe deu), chegando ao ponto de, a propósito, dizer que a caricatura está “melhor do que o original” e que o Herman “é o maior”). No mesmo programa, e ainda a propósito da guerra na Ucrânia, ouve-se, porém, Herman José dizer que, se Putin fosse mulher, nada daquilo estaria a acontecer. Se nos lembrarmos do belicismo seguidista e acéfalo de Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, das declarações da ministra da Defesa também alemã em Kiev, da Ursula von der Lies, da Sanna Marin finlandesa, da descabeçada Lizz Truss, da psicopata Killary Klingon, do império do bem, e da ministra da Defesa cá do jardim, todas elas muito machas e ansiosas por provar que conseguem desempenhar o cargo tão bem como um homem, acreditando, estupidamente, que para isso devem ser tão ou mais belicistas e filhas-da-puta que os machos, concluímos rapidamente que a afirmação de Herman é falsa, além de burra. Aquela espécie de “feminismo” abastardado não passa de um machismo ainda mais estúpido e doentio do que o machismo original e está a contribuir de forma assustadora para tornar o mundo ainda mais perigoso do que era.
Aquela espécie de “feminismo” abastardado não passa de um machismo ainda mais estúpido e doentio do que o machismo original e está a contribuir de forma assustadora para tornar o mundo ainda mais perigoso do que era – Joaquim Camacho soube pôr o dedo na ferida!
Fui ver: tempo perdido.
Sketch só com palhaçada e nonsense, nada mais que isso, não tem qualquer substância para lá disso. E a única vez que faz rir é nas asneiras que o Herman diz como se fosse em ucraniano: “voutechuparacramalheira”, ou, como a personagem da Rueff lhe diz, uma coisa do género do Fernando Rocha. E pior, palhaçada que só faz rir as alminhas mais coitadinhas que ainda se satisfazem com a TV portuguesa. E pior, não é ele que escreve os textos. E pior, é ele quem está na tal comunicação social onde só interessa o dinheiro.
E sofre de corporacionismo: a RTP tem coisas tão más como aqueles dejectos da SIC, no que à manipulação e fakenews diz respeito, mas gozar com esses, tá quieto… Lembro só que um certo repórter, Calhau não só de nome, chegou a ir à Ucrânia, a uma zona bem longe da linha da frente, e só do lado Nazi, e a pedido das autoridades locais, fez uma peça inteira a mostrar a “nova tecnologia” quer eram os drones (como os que se compram na secção de brinquedos) e que iam mudar a guerra a favor da Ucrânia…
Esse mesmo rapaz e seu camera-yes-man, foram a certo local de bombardeamento mostrar um efeito colateral de um míssil contra um edifício civil, sem nunca se atreverem a virar a câmara para o alvo, destruído com precisão, que era um edifício militar que até tinha um avião de combate em tamanho real à sua porta. Isto só para dar dois exemplos tristes.
Herman explicou «que a informação é hoje um negócio e que para dar lucro e pagar os salários aos pivôs vedetas há que vender as notícias que as audiências querem. Deu como exemplo da degradação a Fox News.». Olhem lá se ele alguma vez iria dar como exemplo da degradação a CNN, Euronews, ou RTP. Isto numa altura em que o Tucker Carlson vai sendo o ÚNICO pivot mainstream no Ocidente a questionar a narrativa dominante (num vídeo já muito partilhado, chegou a perguntar a Zelensky: “who do you think you are?” – a propósito de um dos muitos pedidos de dinheiro feitos pelo ditador), tem muito que se lhe diga sobre as reais intenções de Herman, ou o real significado da sua crítica, e já agora do seu sketch. Pelos vistos, é Carlos Matos Gomes quem não quer entender…
Eu explico: quando alguém dá como exemplo da degradação a CNN e TAMBÉM a FOX News, a BBC e TAMBÉM a Euronews, a SIC e TAMBÉM a RTP, aí sim estamos perante um ser que, sem ser genial, é capaz de pelo menos perceber o alcance da máquina de propaganda e manipulação do mal capitalista+belicista.
Mas quando alguém só dá UM exemplo, é porque não está preocupado com a mentira, mas sim preocupado que a narrativa do seu lado possa ser posta em causa pela narrativa do outro lado.
É neste contexto que se censura a RT, se faz um “Ministério da Verdade” nos EUA, e se aceita censura feita pelo Zuckerberg e companhia.
Voltando à conversa sobre possíveis génios em Portugal, há outro bem acima de Herman, cujo humor faz mesmo rir, de forma mais consistente e mais certeiro, com análise política mais aguçada, que não só interpreta como escreve os textos. É Ricardo Araújo Pereira. Mas nem a este eu considero um génio. Quanto muito, é um palhaço de ouro. E o Herman o palhaço de bronze. A prata vai para Solnado. Lista muito subjetiva, claro, como todo o humor.
Quando penso em génios, mesmo génios, em Portugal, vem-me logo à cabeça o génio da literatura: Saramago. Na música, já que referiu Amália como génio da interpretação, eu escolho o José Mário Branco. Ou podia escolher Variações.
E o génio militar por trás daquele plano engendrado em 1974 e que correu tão bem que ainda hoje (mas já não na totalidade e sem se saber até quando) usufruímos dos seus resultados: Otelo. Foi só um momento, mas é só de um momento que a genialidade precisa para se revelar. E não se pode julgar a genialidade militar com a observação do total falhanço político. Também ninguém julga Da Vinci pelos seus falhanços noutras áreas, mas sim pela sua genialidade na ponta do lápis e do pincel, e só em relação a limitado número de obras.
E quando penso na análise política que Mário Soares escreveu em 2008 sobre a NATO, o perigo NeoCon dos EUA para a Europa, e em particular o que já se preparava na Ucrânia (repito: em 2008!!! num famoso artigo de opinião no Público), e que nos últimos anos de vida andava desiludido com aquilo em que a UE se estava a transformar, penso que, se não era genialidade política, andava lá perto.
Muito bem!