(Vladimir Putin, in Resistir, 23/08/2022)

Senhoras e senhores,
Estimados convidados estrangeiros,
Deixe-me dar-lhes as boas-vindas ao 10º Congresso de Moscou sobre Segurança Internacional. Durante a última década, seu fórum representativo tornou-se um importante local para discutir os problemas político-militares mais urgentes.
Ler artigo completo em: Discurso aos participantes e convidados da 10ª Conferência de Moscou sobre Segurança Internacional
Será que uma terceira guerra mundial poderia acontecer sem querer? Será que os governantes e conselheiros militares poderiam subestimar as conseqüências de suas ações, causando a perda de milhões de vidas?
NÃO sei. Mas se acontecesse, isso não seria a primeira vez. 108 anos atrás, líderes europeus levaram suas nações à Grande Guerra, mais tarde chamada de Primeira Guerra Mundial, sem se dar conta da dimensão dos horrores que estavam por vir. “A confusão os levou à guerra”, confessou David Lloyd George, primeiro-ministro britânico de 1916-1922.
“Nenhum dos governantes queria uma guerra dessa proporção”, escreveu o historiador A. J. P. Taylor, mas tudo que “queriam era ameaçar e ganhar”. O czar da Rússia achava que a paz devia ser mantida a qualquer custo. Ele não queria ser o responsável por nenhuma carnificina. Mas dois tiros disparados às 11h15 da manhã do dia 28 de junho de 1914, fizeram com que tudo fugisse ao controle.
Quando chegou 1914, rivalidades antigas entre países europeus criaram uma tensa situaçao, resultando em duas alianças opostas: A Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália) e a Tríplice Entente (França, Grã-Bretanha e Rússia). Estes países também tinham acordos políticos e econômicos com outras nações, incluindo as da região dos Balcãs.
Nessa época, os Balcãs eram uma zona de instabilidade política que sofria sob a soberania de países mais fortes, e havia ali muitas sociedades secretas que tramavam conseguir independência. Um pequeno grupo de jovens planeou assassinar o arquiduque austríaco Francisco Ferdinando em 28 de junho durante a visita a Sarajevo. A falta de proteção adequada facilitou o trabalho deles. Mas os jovens conspiradores não estavam bem preparados. Um deles jogou uma bomba pequena, mas errou o alvo, e os outros não conseguiram agir na hora certa.
Gavrilo Princip foi o conspirador que cumpriu a missão, mas por mero acaso. Como assim?
Quando Princip viu o arquiduque a passar de carro ainda ileso, ele tentou chegar perto, mas não conseguiu. Frustrado, atravessou a rua e entrou num café. Nesse meio-tempo, Ferdinando, irritado com o atentado, decidiu mudar o trajeto. No entanto, o motorista, sem saber dessa mudança, entrou pelo caminho errado e precisou dar meia-volta. Nesse momento, Principe saiu do café e viu-se literalmente de frente com seu alvo — o arquiduque no seu carro aberto a menos de 3 metros de distância. Ele se aproximou do carro e deu dois tiros, matando o arquiduque e sua esposa. O assassino, um ingênuo sérvio nacionalista, provavelmente não tinha idéia da repercussão que isso teria. Mas não cabe a ele toda a culpa pelos horrores que se seguiriam.
O cenário estava montado.
Antes de 1914, a maioria dos europeus tinha um conceito ilusório da guerra. Para eles a guerra era benéfica, nobre e gloriosa — isso apesar de se dizerem cristãos. Alguns governantes chegaram a acreditar que a guerra promoveria a união nacional e fortaleceria o povo. Além disso, alguns generais garantiram aos seus governantes que poderiam vencer a guerra com facilidade, num só golpe. “Derrotaremos a França em duas semanas”, gabou-se um general alemão. Ninguém imaginou que milhões de homens ficariam confinados em trincheiras por anos.
Além do mais, nos anos anteriores à guerra, “uma grande onda de nacionalismo se espalhou pela Europa”, diz o livro Cooperation Under Anarchy (Cooperação sob Anarquia). “Escolas, universidades, políticos e a imprensa uniram-se para incentivar o nacionalismo exagerado e a glória.”
Os líderes religiosos pouco fizeram para controlar esta febre destrutiva. O historiador Paul Johnson disse: “De um lado enfileiravam-se a Alemanha protestante, a Áustria católica, a Bulgária ortodoxa e a Turquia muçulmana. Do outro, a Inglaterra protestante, a Itália e a França católicas e a Rússia ortodoxa.” Ele acrescentou que a maioria dos clérigos “estabeleceu uma equivalência entre cristianismo e patriotismo. Soldados cristãos de todas as denominações foram exortados a matar uns aos outros em nome de seu Salvador”. Até mesmo freiras e padres foram mobilizados, e milhares destes morreram mais tarde em combate.
As alianças européias, que deveriam evitar uma grande guerra, talvez tenham contribuído para que ela ocorresse. De que modo? “A segurança das potências européias era interdependentes”, diz Cooperation Under Anarchy. “Cada potência sabia que a sua própria segurança estava ligada à segurança dos seus aliados, e assim se sentia compelida a agir rapidamente para defendê-los, mesmo que fossem eles os instigadores.”
Outro fator de perigo foi o plano Schlieffen da Alemanha, chamado assim por causa do ex-chefe do estado-maior alemão General Alfred von Schlieffen. O plano, envolvia um ataque inicial rápido, foi preparado na suposição de que a Alemanha teria de lutar contra a França e a Rússia. Assim, o objetivo era uma vitória rápida sobre a França e daí um ataque contra a Rússia, que ainda não teria tido tempo de se mobilizar. “Uma vez que o plano [Schlieffen] entrou em ação, o sistema de alianças militares praticamente forçou a Europa a entrar numa guerra geral”, diz a World Book Encyclopedia.
Antes da guerra, o cenário mundial era dominado por impérios, a maioria deles desenvolvidos por poderosas potências européias. A guerra causou o colapso destes impérios, e hoje a estabilidade do mundo não mais é mantida por alguns poderosos países europeus. Em vez disso, vemos algo que ameaça até mesmo a sobrevivência da humanidade: a incessante luta pela superioridade entre duas superpotências, a Rússia e os Estados Unidos capitalista. Isto também tem suas raízes na Primeira Guerra Mundial.
Antes da guerra, a Rússia era um país enorme e atrasado, dominado pela Igreja Ortodoxa Russa e governado pelo czar. Os Estados Unidos, embora fortes, de modo algum eram encarados como rivais das potências européias. A Primeira Guerra Mundial alterou tudo isso.O poder dos Estados Unidos no fim da guerra, em todos os sentidos, ultrapassava em muito ao de todos os outros. A vasta riqueza dos Estados Unidos, comparada com o esgotamento econômico das potências européias, proporcionou-lhes seu atual domínio mundial.
Na Rússia, antes da guerra já havia prenúncios de rebelião. Durante a guerra, a Rússia tomou posição contra a Alemanha, de modo que a Alemanha soltou do exílio na Suíça o revolucionário russo Lênine e o enviou de volta à sua terra natal, na esperança de aumentar problemas internos ali. A estratégia teve sucesso e a Rússia saiu da guerra. O partido de Lênine, os bolcheviques, assumiram o controle da revolução russa, e o resultado direto desse acontecimento é a Rússia que vemos hoje.
Independente da rivalidade existente entre as superpotências, há hoje agitação e instabilidade sem precedentes entre as nações e dentro delas. Como parte dessa herança ele alistou “a ascensão de Hitler, a Segunda Guerra Mundial, os levantes e as revoluções que grassam num mundo sem disciplina política”. Ainda se lê nos jornais a respeito de derramamento de sangue e sofrimento. E lembrem-se de que a Segunda Guerra Mundial incitou o desenvolvimento das bombas nucleares, que ameaçam a própria existência da vida na terra.
Antes de 1914, a maioria das nações eram governadas por uma aristocracia privilegiada e hereditária. As estruturas de classes eram rígidas. A Primeira Guerra Mundial acelerou o colapso desse sistema. Foi a Primeira Guerra Mundial que rompeu com a estrutura social do século 19; as reivindicações de reconhecimento do Homem Comum não mais podiam ser negadas. Hoje é difícil imaginar o poder que as antigas classes dominantes possuíam.
A SEGUNDA Guerra Mundial rebentou em setembro de 1939. 2 anos depois, os exércitos de Hitler invadiram a Polônia ocidental, a França e vários outros países europeus e grande parte dos Balcãs. Daí, em 1941, os vitoriosos nazistas voltaram a atenção para o leste.
Em junho daquele ano, os exércitos alemães invadiram a União Soviética. Por volta de dezembro, já haviam tomado toda a parte ocidental do país e tinham chegado aos arredores de Moscovo. A sobrevivência daquela nação pendia na balança.
No entanto, o rigoroso inverno e a resistência determinada das tropas e dos guerrilheiros soviéticos estancaram a onda alemã no fim do ano. Mas, era óbvio que, na primavera setentrional seguinte, mais ataques seriam efetuados. O governo soviético sabia que seu povo tinha de ser estimulado para o que estava à frente. Era necessário um esforço máximo.
Algo que tornou mais fácil esta tarefa foi a perversidade dos invasores alemães. A devastação que causaram, a matança de milhões de pessoas, suas pretensões de superioridade racial e sua clara intenção de exterminar muitos dos eslavos, enfureceu os soviéticos.
Muitos países foram tão massacrados pela Segunda Guerra Mundial que sua principal prioridade tinha de ser a recuperação econômica. A falta de alimentos perdurou na Europa por vários anos depois da guerra. A Espanha, embora oficialmente neutra na Segunda Guerra Mundial, havia sido profundamente afetada pela sua própria guerra civil (1936-39) e por embargos comerciais — cupons de racionamento de alimentos ainda eram usados em junho de 1952.
No Extremo Oriente, a lembrança das atrocidades dos japoneses ainda estava viva na memória de vítimas na Birmânia, China, Filipinas e outros países orientais. Os Estados Unidos, embora se saíssem como nação vitoriosa, sofreram a perda de uns 300.000 militares, cerca da metade destes nas zonas de guerra do Pacífico. No Japão, a pobreza, a tuberculose e longas filas de distribuição de alimento racionado foi o que restou para a população civil.
Embora a Alemanha e a União Soviética tivessem assinado um Tratado de Amizade, de Cooperação , Hitler invadiu território soviético em 22 de junho de 1941. Essa ação levou a União Soviética para o lado da Grã-Bretanha. O exército soviético ofereceu forte resistência, apesar dos espetaculares avanços iniciais das forças alemãs. A 6 de dezembro de 1941, o exército alemão foi realmente derrotado em Moscovo. No dia seguinte, o aliado da Alemanha, o Japão, bombardeou Pearl Harbor, no Havaí. Sabendo disso, Hitler disse aos seus ajudantes: “Agora é impossível que percamos a guerra.” A 11 de dezembro, ele declarou guerra aos Estados Unidos. Mas subestimou a força da União Soviética .
Por fim, em 1945, os exércitos alemães recuaram. As tropas soviéticas invadiram a Alemanha..
A Rússia, chamada oficialmente “Federação Russa”, não é um país de uma só nação ou de um só povo. Como o nome indica, é uma federação de nações, um mosaico de tribos, línguas e povos, cada um com sua própria cultura.
Após a Primeira Guerra Mundial, a Ucrânia foi dividida entre quatro países vizinhos. Os territórios do centro e do leste da Ucrânia foram tomados pela Rússia comunista e incorporados à União Soviética. A Ucrânia ocidental foi dividida entre três outros países. As regiões da Galícia e da Volínia foram anexadas à Polônia; a Bucovina, à Romênia e a Transcarpática, à Tchecoslováquia.
No fim de 1917, a Revolução Russa acabou com os 370 anos de domínio dos czares.Os novos governantes da Rússia, os bolcheviques, tinham planos ambiciosos: estabelecer um novo tipo de governo humano, diferente de todos os anteriores. Assim, em poucos anos foi formada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou URSS. Com o tempo, ela abrangeria um sexto da superfície terrestre.
Excelente fresco da História. Vou usar para artigo.