Às armas cidadãos: dissecando as eleições francesas encenadas

(Pepe Escobar, in The Cradle, Trad. Estátua de Sal, 26/04/2022)

A segunda presidência de Macron foi tão calculadamente gerida pela elite liberal da França quanto a primeira. À medida que as fraturas económicas e geográficas do país se forem ampliando ainda mais, os protestos passados dos Coletes Amarelos parecerão, por comparação, uma festa do chá.


No final, aconteceu exatamente como o establishment francês projetou. Antecipei isso mesmo em dezembro passado num artigo aqui no The Cradle .

Estes são os tópicos essenciais: Eric Zemmour, um árabe-fóbico certificado, de origem argelina, foi fabricado por vários importantes atores do establishment do Institut Montaigne para eliminar a candidatura populista de direita de Marine Le Pen. No final, o desempenho eleitoral de Zemmour foi desanimador, como era esperado. Ainda outro candidato teve uma intervenção miraculosa e foi ainda mais útil: o ambicioso oportunista egomaníaco e dito progressista Jean-Luc Melenchon.

‘Le Petit Roi’ Emmanuel Macron gera menos que zero empatia em toda a França. Isso explica a enorme abstenção de 28% dos eleitores na segunda volta.

Os números contam a história: há 48.803.175 cidadãos franceses registados para votar. Macron obteve 18.779.809 votos. Marine Le Pen obteve 13.297.728 votos. No entanto, o desempenho mais surpreendente foi do candidato Abstenção/Anulação/Em branco: 16.674.963 votos.

Assim, o presidente da França foi reeleito por 38,5% dos eleitores, enquanto o segundo lugar real, Abstenção/Anulação/Em branco obteve 34,2%.

Isso implica que cerca de 42% dos eleitores franceses registados se preocuparam em ir às urnas basicamente para barrar Le Pen: uma figura ainda tóxica em vastas áreas da França urbana – mas dificilmente não tanto quanto já foi – mesmo com todo o peso da grande mídia oligárquica envolvida numa campanha do tipo Two Minute Hate. As cinco oligarquias que dirigem a chamada ‘paisagem audiovisual francesa’ (PAF, segundo a sigla francesa) são todas macronistas.

Madame Guilhotine encontra as classes trabalhadoras

Quem, de fato, é esse Petit Roi ilusionista que se qualifica, na melhor das hipóteses, como um mensageiro da plutocracia transnacional?

Das entranhas do sistema, sem dúvida o veredicto mais contundente vem de Mathieu Pigasse, informalmente referido em Paris como “o banqueiro punk” por causa de sua paixão pela banda britânica de punk-rock The Clash.

Quando Macron era um banqueiro de fusões e aquisições na Rothschild & Company, Pigasse trabalhava para a concorrência, para Lazard Freres. Foi Macron quem convenceu os interesses da Nestlé a serem administrados por Rothschild, enquanto Pigasse representava a Danone.

Pigasse também é um dos principais acionistas do Le Monde – que foi um grande jornal até à década de 1980 e agora é a sombra de uma cópia rasca do New York Times. O Le Monde é macronista até ao âmago.

Pigasse define Macron como “o produto mais puro do elitismo francês, em termos do microcosmos parisiense”. Embora Macron seja um provinciano de Amiens, ele encaixa-se perfeitamente no beau monde parisiense , que é em si um universo bastante rarefeito, e sim, igualmente provinciano, como uma aldeia onde todo mundo ‘que importa’ conhece todo mundo.

Pigasse também identifica os personagens do establishment que inventaram Macron e o colocaram no topo da pirâmide – desde o eugenista declarado Jacques Attali a Serge Weinberg (ex-CEO da Sanofi), François Roussely (ex-presidente da EDF) e Jean-Pierre Jouyet , um ex-ministro do desonrado ex-presidente Nicolas Sarkozy e, em seguida, número dois no Palácio do Eliseu sob o pontificado do superiormente incompetente François Hollande.

Attali, aliás, descreve o macronismo como uma “modernização pró-europeia, comprometida, liberal e otimista. Isso corresponde a um centro-direita da França moderna” – mas o próprio Attali abre o jogo – “que não é necessariamente toda a França”.

“Não necessariamente toda a França” na verdade significa a maioria da França, se nos preocuparmos em deixar alguns bairros de Paris para falar com pessoas em Pas-de-Calais, Bourgogne ou Var. Essa França ‘real’ identifica a “economia social de mercado” exaltada por Attali e promovida por Macron como uma gigantesca farsa.

Seria muito fácil pintar a atual divisão nacional entre, de um lado, os idosos e os muito jovens com diploma, vivendo com conforto; e, do outro lado, os de 25 a 60 anos, sem ensino superior e mal conseguindo sobreviver. Ou seja, a maioria da classe trabalhadora.

É mais complexo do que isso. Ainda assim, os dois fatores mais importantes nesta eleição foram que cerca de um terço dos eleitores nem se deu ao trabalho de aparecer – ou anulou seu voto (mesmo aqui em Paris). E que a horda crédula de Mélenchon se entregou a Le Petit Roi, assumindo que seu líder virá a ser um ‘primeiro-ministro’ de fato.

As classes trabalhadoras serão literalmente exterminadas ao longo de mais cinco anos de neoliberalismo hardcore. O sistema de bem-estar social da França, até recentemente exemplar, será dizimado. A idade da reforma será aumentada para os 65 anos. Pensões menores mal darão para viver. Os super-ricos pagarão impostos muito mais baixos, enquanto o trabalhador comum pagará impostos muito mais altos. A educação e a saúde serão privatizadas.

A França alegremente alcançará o capitalismo de casino em rápida decadência dos EUA e do Reino Unido. E não esquecer outras restrições de percurso como a escassez de alimentos e combustível.

A islamofobia não se dissolverá como na desaparição de um arco-íris suave. Pelo contrário: será instrumentalizada como o bode expiatório perfeito para a incompetência e a corrupção macronistas em série.

Enquanto isso, em Azovstal…

Se somarmos o desempenho espetacular do candidato Abstenção/Anulação/Em branco, mais as pessoas que nem se deram ao trabalho de votar, temos algo como uma maioria silenciosa de 30 milhões de pessoas que instintivamente sentem que todo o sistema está manipulado.

Os vencedores, é claro, são os suspeitos de sempre: o eixo BlackRock/McKinsey/Great Reset/indústria de armas/euroNazicrat. A McKinsey praticamente administra a política do governo francês – nos limites da fraude fiscal  – um escândalo que a mídia corporativa fez de tudo para enterrar. Por sua vez, o CEO da Blackrock, Larry Fink, um ‘consultor’ muito próximo do Palácio do Eliseu, deve ter aberto algumas garrafas extras de Krug.

E então, há a França como Grande Potência. Líder de grandes porções da África (em vias de receber um soco nos dentes do Mali); Líder da Ásia Ocidental (pergunte aos sírios e libaneses sobre isso); Líder da Grande Reinicialização da UE; E profundamente enraizada na máquina de guerra da NATO.

O que nos leva ao topo da história invisível antes desta eleição, totalmente soterrada pela mídia corporativa. No entanto, a inteligência turca  pegou nela. Os russos, por sua vez, mantiveram-se deliciosamente mudos, em seu modo de ‘ambiguidade estratégica’, uma das suas imagens de marca.

Denis Pushilin, chefe da República Popular de Donetsk, confirmou mais uma vez no início desta semana que há cerca de 400 ‘instrutores’ estrangeiros e mercenários – da OTAN – amontoados nas entranhas da siderúrgica Azovstal em Mariupol, sem saída.

A inteligência turca sustenta que 50 deles são franceses, alguns deles de alta patente. Isso explica o que foi afirmado por várias fontes russas – mas não reconhecido por Paris: Macron fez uma enxurrada de telefonemas frenéticos para Putin para criar um “corredor humanitário” para libertar os seus valiosos ativos.

A resposta da Rússia foi – mais uma vez – a marca registrada do judo geopolítico. Nenhum “corredor humanitário” para ninguém em Azovstal, sejam neonazistas Azov ou os seus manipuladores estrangeiros da NATO, e nenhum bombardeamento. Deixá-los morrer à fome – e no final eles serão forçados a render-se.

E temos então a diretiva Macron ainda não confirmada, mas plausível: nenhuma rendição por qualquer meio. Porque render-se significa entregar a Moscou numa bandeja de prata uma série de confissões e todos os fatos de uma operação ilegal e secreta conduzida pelo ‘líder da Europa’ em nome dos neonazistas.

Todas as apostas do establishment podem desabar quando – e se – a história completa for conhecida em França. Tal também pode acontecer durante o próximo tribunal de crimes de guerra a ser criado provavelmente em Donetsk.

Às armas cidadãos? Bem, eles têm cinco anos pela frente para atacar as barricadas. Mas pode acontecer mais cedo do que seria expetável.

Fonte aqui


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11 pensamentos sobre “Às armas cidadãos: dissecando as eleições francesas encenadas

    • É dar uma boa overdose de heroína a este Pepe Escobar que, decerto, é filho do Pablo Escobar, de saudosa memória.

  1. O tom (um pouco enervado, informal e populista) e a alguma falta de rigor (nas citações por exemplo) na análise à política interna francesa, a meu ver são elementos que tornam este artigo de opinião menos interessante do que poderia ser. Atentamente.

    • O artigo poderia ser muito mais interessante se o Pepe Escobar dissesse o que realmente lhe vai na alma: está despedaçado por a Put(inist)a Marine le Pen não ter ganho. Alguma dúvida ?

      • O mais provável é isso mesmo, Amaral de Almeida: o autor do artigo está frustrado porque a agente putinista em França não conseguiu os seus objectivos.
        Este blogue selecciona criteriosamente tudo o que é conducente à causa putinista. A mim já não me engana. Razão teve uma jovem que desfilou na avenida da Liberdade no passado dia 25 de Abril para afirmar que muita extrema-direita anda disfarçada em comunista.

      • A Le Pen é tão “Putinista” quanto a Esquerda Portuguesa é “extremista”.
        Este paleio aldrabão que o extremo-centro usa na sua propaganda para impor um pensamento único, uma TINA eurofanática e pró-NATO permanente, já cheira mal.

        Olhe, vá lá dar mais armas aos nazis de.Azov, que pelos vistos só assim é que fica feliz.
        E não se esqueça de culpar Putin quando no próxi.o Inverno se estiver a passar frio nos países aos quas o gás será cortado por falta de pagamento em Rublos (para já Polónia e Bulgária).

        O extremo-centro eurofanático e pró-NATO (aka cúmplice dos crimes de guerra e contr a humanidade perpretados pelos EUA) são assim.
        Se não gostam do que ouvem ou lêem, passam logo ao insulto com base nas directivas da cartilha do Pentágono.

        É “putinista” para ali se alguém se atrever a referir a guerra do Donbass, é “extrema” Esquerda para acolá se alguém se atrever a defender trabalhadores, e “populista” sempre que alguém coloca os interesses da oligarquia ocidental em causa, como por exemplo criticar os offshore e inequidade fiscal NeoLiberal.

        Tratem-se!

    • Não é delirante. É a verdade inconveniente resultante da análise da realidade. Custa a ler, custa ainda mais a aceitar, mas a nossa discordância ou ceticismo não muda a realidade.

      E, tirando alguns excessos de linguagem de facto usados (como aquela descrição indigna contra Mélenchon), este texto tem a explicação mais plausível e perto da unanimidade (entre as pessoas de Esquerda atentas a este assunto) para a assustadora curva de crescimento da extrema-direita:
      – regime NeoLiberal cada vez mais autoritário (aka “democracia liberal”) cujos ataques ao trabalho, ao estado social, e à distribuição de riqueza, nos fizeram andar para trás (ao ponto de na Europa existirem coisas que agradariam a Pinochet ou Salazar);
      – fanatismo europeísta (com integração feita de forma anti-democrática), que obriga países perdedores do euro (França incluída) a irem além da troika de forma permanente, mas sempre sem tocar nos interesses dos 1%
      – esquerda moderada (família do PS, do SPD, ou do Labor), que se demitiu de representar os trabalhadores e os perdedores da globalização NeoLiberal, deixando esse eleitorado na mão da extrema-direita (porque a Esquerda à sua esquerda foi diabolizada de forma irreversível nos subconsciente de muito eleitor, após tantas décadas de propaganda com anti-esquerdismo primário)

      Ora mais uns pormenores aqui, menos umas diferenças acolá, é esta a base comum da explicação do crescimento da extrema-direita em todo o ocidente, que foi catalizado pelas crises de refugiados (todos vítimas directa ou indiretamente de intervenções militares da NATO/EUA ou intervenções políticas da CIA/Mi6).

      De facto, olhando ao que Macron tem feito (até arranca olhos de quem protesta), chegámos a um momento em que já não dá mais para aceitar a lenga-lenga do “mal menor”.
      Como disse um francês à Euronews, esta segunda volta era a “escolha” entre duas doenças (se bem me lembro ele falou na peste negra e na cólera).
      Portanto, neste momento histórico, o ideal é que alternativas como Mélenchon (França), Sinn Féin (Irlanda), ou o novo líder do Chile, comecem a chegar ao poder e a dar forma a uma onda rosa avermelhada (socialismo democrático), caso contrário, entre ter de escolher a continuação da peste e o novo surto de cólera, mais vale ser abstencionista ou em desespero ir votar na doença nova (NeoFascista) que acaba com a doença velha (regimes NeoLiberais autoritários que estão a morrer de podres, e só funcionam para os 1%).

      Fale com eleitores desempregados e/ou empobrecidos na Rust Belt dos EUA, que eles explicam-lhe porque é que, mesmo sendo pessoas decentes, tiveram de votar em Trump, em vez de em quem lhes destruíu os empregos e lhes chamou “deploráveis” e quer impor um pensamento único para a sociedade.
      Quando o grupo mais radicalizado dessa gente invadiu o Capitólio, isso não foi um ataque à Democracia (até porque para isso era preciso primeiro os EUA serem uma Democracia…), mas sim um grito de revolta justificado contra um regime que, tal como o Francês, está a cair de podre.

      E repare com os tentáculos de tal regime sebesticam agora que sentem o seu próprio apodrecimento: o pluralismo na TV é uma memórua do passado, e pessoas tão decentes como Sanders, Corbyn, ou Mélenchon são apelidadas dr “extrema” esquerda, e equiparadas à extrema-direita, convencendo assim milhões de pessoas a votar contra os seus próprios interesses, em nome da defesa do status quo da desigualdade pornográfica para bel-prazel da oligarquia ocidental.

      E acabo com isto: Bush e Obama ainda estão soltos. Mas Assange está preso.
      Os directores da NSA estão soltos, mas Snowden não voltará vivo aos EUA (promessa de Obama).
      Os ladrões milionários apanhados nos Panama Papers (Zelensky incluído) estão soltos, ou até idolatrados (Bezos, Musk, etc), mas “ai ai ai o Robles que quis vender uma casa.ao preço de mercado).

      Peço desculpa se te choco, mas perante um sistema assim, também eu ponderarei votar em breve em que me fizer a promessa mais convincente de destruição do sistema.
      Moderação só è uma opção quando há Democracia plena!
      Perder tempo a votar em quem só pede mais uns cêntimos diários de salário mínimo, mas mesmo assim é acusado de “criar crise política” e é insultado de “extrema” esquerda?
      Ai é? Então toma lá uma guilhotina…

  2. Esta retórica repetitiva que, a pretexto do desgosto pelo neo-liberalismo e pela sua influência conjuntural nas democracias ocidentais, tenta fazer uma equivalência entre a actual conjuntura neo-liberal das democracias e o fascismo (representado aqui por Le Pen) é absolutamente risível. Recomendar-se-ia o estudo da História se o autor escrevesse de boa fé , mas estamos cientes de que ele escreveria algo equivalente mesmo que o governo francês adoptasse uma estratégia de planificação ecológica e social. Em particular, recomendaríamos para começar a distinção que Fernand Braudel introduziu entre acontecimentos, conjuntura e tempo longo.

    Entre Le Pen e Macron não vale a pena tropeçar nos atacadores: vota-se Macron e continua-se a luta começando por votar FI nas legislativas. Chomsky explica isto, estúpido!

    • Tinha tanta razão no seu último parágrafo, e até falou no excelente Chomsky… Para quê acabar com um insulto infantil?

      Respeite o contraditório. Insulte menos, e tente compreender mais. Se os outros são “estúpidos” e “deploráveis”, e não vale a pena ouvir o seu grito de revolta contra o regime (porque nós estamos confortáveis, logo a sua revolta é para nós incompreensível e inaceitável), depois Os Trumps ganham eleições e as Le Pens chegam aos 42%, e vocês ficam a olhar sem perceber o que aconteceu…

      Quem destruiu olhos de manifestantes, não foi Le Pen, foi o regime de Macron.
      Quem estava a morrer de frio e morreu com falta de oxigénio, foi um português a morar na “democracia plena”, não foi uma história da longínqua “outra senhora”…

      Há pessoas tão mal tratadas no Ocidente, que para elas passou a ser inaceitável, insultuoso até, ouvir pessoas privilegiadas (ou pelo menos não tão prejudicadas) a dizer que só o voto nos Macrons é aceitável.

      Essas pessoas estão fartas. Se não são ouvidas, se são insultadas pela “imprensa independente” que assim que pode chama “extrema” a alternativas como Mélenchon, e convida sempre os mesmos tudólogos para dizer barbaridades como “os extremos tocam-se”, então a sua revolta é justificada.

      Não temos que insultar quem vota nas alternativas (Mélencho lá, BE cá, Sinn Féin na Irlanda, Corbyn no UK, Sanders nos EUA), nem temos já qualquer argumento válido para insultar quem vota em desespero nos que prometem destruir o sistema (Trumps, Le Pens, Bolsonaros, etc). Atenção, eu tenho nojo destes 3 referidos, mas pelo menos tento perceber a revolta de quem neles votou, para evitar repetir os erros e para os corrigir se possível.

      Neste momento, se eu estivesse em França não votaria em Macron, e se estivesse nos EUA não votaria nos “Democractas”. Assim como não votaria em Marcelo Rebelo de Sousa numa hipotética segunda volta contra André Ventura. Recuso continuar a ter de escolher entre o vírus e a bactéria, ainda para mais depois da “imprensa livre” dinamitar qualquer hipótese das alternativas decentes chegarem longe.

      Sinceramente, o que os Campos Eliseus precisam neste momento, não é de mais tiros nos pés dos próprios eleitores em nome da lenga-lenga da “defesa da democracia liberal”, pois ela nem é Liberal, nem Democrática! É NeoLiberal e é cada vez mais autoritária. E entre isso e os NeoCon ou NeoFascistas, escolham vocês, pois se tiver de sair de casa numa situação dessas, saio com uma guilhotina na parte de trás da carrinha…

      É que quando o regime apodrece e se torna irreformável, quando só serve os mesmos de sempre e pede cada vez mais sacrifício a quem sempre teve pouco, quando as eleições já não mudam nada, ou quando os países são liderados por uma oligarquia corrupta que vive nos offshore à margem da lei, então já não há mais nada para o povo decente defender.

      Foi assim, convulsão social após convulsão social, que o Mundo evoluiu, que os regimes anteriores caíram. Não foi com paz social, união, e usando o poder popular de cada momento. Foi indo contra o que já existia, para construir algo melhor por cima das ruínas do regime anterior, e por cima dos corpos dos que não queriam mudar e que chamavam “criminosos” e “terroristas” a quem queria dar liberdade a negros, votos a mulheres, ou direitos a trabalhadores.

      A excepção foi o Modelo Nórdico. Mas só porque teve condições excepcionais, quiçá irrepetíveis, e só porque tinha de dar o exemplo contra o lado de lá da cortina de ferro, do tipo: “estão a ver que conseguimos o mesmo ou mais do que vocês, sem ter de fazer a revolução contra a burguesia?”.
      Mas agora que a “história acabou” e já não há Sovietes do lado de lá, estamos a comparar com quem? Com os EUA. Ou seja, as mudanças que se vão fazendo são no sentido oposto: de agravamento do NeoLiberalismo e da Americanização.

      Do lado de lá, a revolta já é tanta, que houve uma maioria disposta a eleger um Trump. E aqui, vamos esperar que em França (e noutros países) passem a haver maiorias revoltadas a eleger Le Pens e companhia?
      Desculpe, mas eu já estou desiludido o suficiente, já deixei de acreditar na “democracia liberal”. Quando se faz uma crise política em nome da defesa da lei laboral da Troika e de Passos Coelho, e se dá uma “maioria” de 42% a um partido que defende essa e tantas outras asneiras ao mesmo tempo que nos começa a enganar logo no nome “socialista”, confesso que o voto em quem promete destruir o sistema começa a ser cada vez mais apetitoso.
      Ou isso ou, lá está, fazer como no Capitólio em 2020 ou na Bastilha há mais tempo atrás…

      É que o 25-Abril está mais que morto, e Lisboa está infestada de cangalheiros, todos capatazes dos seus donos em Bruxelas, Frankfurt, e Washington. Nós morremos de frio e contamos os cêntimos ao final do mês, eles vivem em mansões e contam os milhões em offshore. E como cereja no topo do bolo, a propaganda está de tal forma entranhada, que a chamada “classe média” ou “o eleitor do centro moderado” aprendeu a votar nos interesses do dono e a cuspir em quem é vítima do sistema. BASTA!

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