O preço de sermos humanos

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 11/01/2021)

Daniel Oliveira

O Governo decidiu não fechar o país no Natal e o apoio pareceu-me generalizado. Como diz Henrique Barros, “as pessoas foram visitar o pai, o velho tio ou um irmão doente ou um amigo. Fizeram-no, porque são seres humanos”. A decisão não foi tomada na ignorância. Sabíamos que o resultado seria um aumento de infetados em janeiro. Quem, como eu, a maioria das forças políticas e a maioria das pessoas, defendeu esta opção não pode vir agora bramar contra o confinamento. Assumo as minhas responsabilidades: quis a maior abertura no Natal. Isto é uma corrida demasiado longa e não é possível cortar com todos os domínios da vida em todo o momento. E sei, porque sou adulto, que isso tem um preço.


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Tomámos coletivamente uma decisão. Ou melhor, o Governo tomou-a e o apoio pareceu-me bastante alargado. Claro que não tenho qualquer sondagem, mas foi pelo menos esta a perceção que tive. Eu e as forças políticas. Não quisemos fechar no Natal. A decisão foi tomada com base no conhecimento da nossa realidade cultural e social. Na convicção de que o encerramento seria não apenas pouco viável sem um aperto de fiscalização como ainda não tivemos, mas muito difícil de aceitar pela grande maioria das pessoas. O Natal não foi apenas um momento de descompressão. Foi um momento em que muitas famílias que vivem situações dramáticas de isolamento, esgotamento psicológico ou até doença puderam lamber as feridas. Numa data muito importante na nossa cultura. Isto é uma corrida demasiado longa e temos de cuidar das vidas de quem quer estar vivo.

Presto atenção às palavras de uma pessoa que me habituei a ouvir durante esta pandemia: Henrique Barros, especialista em saúde pública e epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. Entrevistei-o em julho e aconselho a entrevista que deu recentemente ao Público: “Não é aceitável, nem moralmente, nem eticamente, não é decente dizermos que isto é culpa das pessoas. As pessoas têm de viver. O que é mais dramático e inaceitável é criarmos esta ideia de que isto foi culpa das pessoas que não ficaram sozinhas em casa. E foram visitar o pai, o velho tio ou um irmão doente ou um amigo. Fizeram-no, porque são seres humanos e tenho a certeza de que a imensa maioria teve a preocupação de se defender a si e aos outros.” E desdramatiza, na medida do possível: “É curioso verificar que, nos países onde se definiram regras muito precisas de como e quantas pessoas se podiam encontrar, o ricochete foi exatamente como nos portugueses ou, em alguns casos, pior ainda. Do ponto de vista das medidas, não havia mais nada a fazer. Quais seriam as medidas? Era impedir as pessoas de estarem umas com as outras. Não me parece bem.”

Ao contrário do que ouvi de um matemático, no sábado, na televisão, o preço de confinamentos prolongados não é apenas a crise económica. É tudo. São as outras doenças, são os dramas sociais, é o isolamento e os seus efeitos profundos, são os problemas psicólogos e psiquiátricos. É a saúde pública que não cabe em alguns cálculos pouco interdisciplinares. Repito o que tenho dito: defendo a ponderação de valores. Por isso, evito tanto os negacionistas como os engenheiros das almas, que julgam ser possível anular a vida das pessoas durante mais de um ano e as coisas não cederem por algum lado. Felizmente, não decidem eles. A muitos, falta a humildade que também se lê na entrevista de Henrique Barros: “Eu sou um cientista, epidemiologista e médico. Se a pergunta for ‘se nós confinarmos a infecção diminui?’ Sim. E deve-se fazer? Não me pergunte a mim. Como técnico, tenho de dizer aquilo que, no estado actual do conhecimento, se sabe que funciona. Mas há uma parte de ciência e uma parte de arte na tomada de decisões em termos de saúde pública. Do ponto de vista da saúde pública, o confinamento resolve o problema, naquele momento diminui a infeção, mas cria toda uma série de outros problemas, nomeadamente de natureza social. Se confinarmos todos, a sociedade pára. O balanço destas coisas é que tem de ser feito.”

A decisão em vésperas de Natal não foi tomada na ignorância. Estamos nisto há um ano. Foi dito expressamente que o resultado seria um aumento de infetados em janeiro. Até foi dito que uma pequena abertura teria logo um efeito de mola. Veremos, com mais tempo, como se compara com o que está a acontecer no resto da Europa, incluindo nos países que impuseram restrições maiores. Só há uma coisa que ninguém pode dizer: que não sabia que isto sucederia. Sabíamos todos e todos os que tinham espaço no espaço público o disseram e escreveram. Incluindo os que, como eu, defenderam esta opção. Poderão dizer que o Governo tinha o dever de nos contrariar. Isso seria verdade se nos faltasse informação. Não era o caso.

Esta escolha tem um preço: estarmos disponíveis para um aperto mais severo das próximas semanas. Quem defendeu este caminho, como eu, a maioria das forças políticas e, estou convencido, a maioria das pessoas, não pode vir agora bramar contra o confinamento – que espero que ainda possa excluir escolas. Por mim, assumo as minhas responsabilidades: quis a maior abertura no Natal, estou disponível para limitar a minha liberdade nos próximos tempos. Não é possível cortar com todos os domínios da vida em todo o momento. E sei, porque sou adulto, que isso tem um preço.


10 pensamentos sobre “O preço de sermos humanos

  1. Não sabia que para ser adulto é preciso ser estúpido.

    Se isto já era previsível é óbvio que não devia ter sido permitido.

    Ah, como gosto muito do avôzinho então vou matá-lo por doença asfixiante – porque sou muito adulto e tal.

    Ah, como gosto muito do meu netinho vou espalhar isto até o puto morrer de fome quando a sociedade paralisar com níveis de pandemia astronómicos. Porque sou muito adulto e tal.

    Já era tempo de outras soluções, como por exemplo repartir as festas por dias diferentes, habituar as pessoas ao uso da teleconferência etc.

    Mas como são muito “adultos” é preciso morrerem uns milhões primeiro antes que qualquer alteração social seja feita.

    Este Oliveira cada vez diz mais asneiras.

    Isto aplica-se a todos os quadrantes politicos e até em especial à direita como os anormais do Chega e do IL que estão sempre contra todas as medidas de contenção da doença.

      • É que já são 8.35 e se não for chamado de fascista antes do almoço fico com o dia todo estragado.

        Vá lá, não custa nada vocês encontrarem provas de fascismo, machismo e racismo no meu texto a favor das medidas de contenção de pandemia.

        Vocês encontram-nas em TODO o lado.

  2. O Oliveira não passa de um energúmeno com a mania que é engraçado, muito “humanista” e que fala pelos cotovelos (principalmente sobre ele próprio). Lamento imenso que tenha direito a tanto direito de antena, mas é a vida.

  3. Eu odeio a comparação que vou fazer, mas a ira que este arrazoado, fruto de uma mente sobre-educada e ideologicamente cega me provoca, obriga-me a fazê-la:

    “Na Alemanha nazi, foi decidido (também, aparentemente, com apoio alargado) culpar os judeus de todos os males da nação, para garantir um melhor futuro ao povo alemão ariano.”

    É verdade, as consequências a médio e longo prazo de um confinamento são graves, pois impedem o relacionamento social normal entre seres humanos. Mas também é verdade que este vírus se aproveita, com grande eficácia, deste mesmo relacionamento; e mata os mais frágeis através disso.

    Por isso, quem deliberadamente pôs em risco vidas em troca de alguns breves momentos de “humanidade”, tem agora sofrimento e mortes na consciência: espero que, de forma “adulta”, consiga conviver com o fardo (mas o mais provável é que nem o sinta).

  4. A politização e o cariz mediático destes assuntos da pandemia deixa -me os poucos cabelos que já tenho em pé. Estou farto da política sobrepor -se ao conhecimento científico, e todos os dias o que vejo são as ideologias partidárias tentar tirar dividendos com isto. Quero ver são os que sabem da matéria, falar e aconselhar as pessoas, quero acreditar que a ciência e a medicina darão o seu melhor para arranjar soluções para uma possível resolução. O resto são interesses que a mim não me dizem nada. A política deve obviamente orientar o País e tomar decisões independentemente das suas ideologias tendo em conta o superior interesse das populações.

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