Portugal precisa do Totoloto, mas não conta para o Totobola

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 19/05/2020)

Pedro Santos Guerreiro

A Alemanha e a França vão quebrar o lacre que proibia dívidas conjuntas para subsídios a fundo perdido com esta dimensão. Porque a Itália é “grande de mais para falir”. Mas se pensa que 500 mil milhões de euros é dinheiro a rodos, faça as contas, porque não chega para combater a crise.


Merkel e Macron mostraram esta segunda-feira garrafas magnum sem dizer ainda se lá dentro está champanhe ou água. Um número é um número, 500 mil milhões de euros a fundo perdido impressiona, até porque é difícil apreender a escala real de números com tantos algarismos. O anúncio do pacote para a recuperação carece de muitos detalhes, mas comecemos pelo número. Parece grande? E é. Mas calcule a percentagem que cabe a Portugal e divida por sete anos. Dá menos de 1% do PIB anual.

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O Governo está a esconder o pânico com os cenários económicos atrás do sorriso para projetar confiança. O maior sinal é ver o primeiro-ministro às compras na Baixa de Lisboa para as câmaras de televisão e o Presidente da República fotografado numa fila de supermercado. Nesses exemplos está uma súplica: depois do feche-se em casa, o abra-se a carteira. Gaste à francesa e, se necessário, viva afinal à sueca. Porque a destruição económica, as falências, o desemprego, as dívidas, a pobreza, a fome não se extinguem no segundo trimestre maldito: começam nele.

Os primeiros indicadores económicos não são os mais relevantes. Março trouxe uma recessão a pique (provavelmente próxima de 10% na segunda quinzena) e abril será uma tragédia de dois dígitos. Isso não surpreende. A depressão será funda como um poço até junho, mas o Governo já percebeu que a destruição não será um desamor de primavera, que se enterre na areia quando formos para a praia. O turismo, que aguentava o país, no terceiro trimestre estará de maré rasa. E mesmo com todas as ajudas ao lay-off, linhas de liquidez e moratórias de créditos e de impostos, o que os números ainda não registam os olhos já veem.

A recessão será pesada, os riscos financeiros estão ao virar da esquina, as filas de desemprego e dos apoios alimentares estão a abarrotar; e o Estado terá de continuar a gastar em apoios à economia e sobretudo em apoios sociais, não se sabe durante quanto tempo, mesmo se não houver segundas vagas. Não ficar tudo bem e ainda pode ficar tudo mal. Por isso, “gastem”. Por isso, “SOS Europa”.

Portugal não tem peso político na UE, precisa de um Totoloto mas não conta para o Totobola. Paradoxalmente, a nossa salvação está na Itália, que é “grande de mais para falir”, da mesma maneira que dizíamos dos grandes bancos quer eram “too big to fail”. Trata-se de uma das maiores economias da Europa e tem uma das maiores dívidas públicas do mundo. Estás de rastos com a pandemia, que tudo agravou. Não salvar a Itália é agendar uma crise de dívidas soberanas no sul da Europa, no coração da UEM e na cabeça da UE. E se ajudas houver para Itália (como para Espanha), para outros países haverá. Incluindo Portugal.

Daí que o anúncio esta segunda-feira feito por Merkel e Macron avance até onde a UE nunca avançou, sobretudo por causa de Itália mas também de Espanha. Falta conhecer detalhes e a articulação com outros planos já anunciados (incluindo o programa SURE e o papel do BCE), mas já parece possível dizer o que de melhor e de pior se prepara.

A proposta de Merkel e Macron passa pela criação de um pacote de 500 mil milhões de euros, em dívida conjunta da UE e paga mais tarde pela UE, dinheiro que será distribuído a fundo perdido pelos Estados-membros, supostamente em proporção das suas contribuições para o orçamento comunitário, que por sua vez crescerá com a cobrança de novos impostos, designadamente de negócios digitais.

O modelo parece correto. Isso é o melhor deste plano: contemplar não apenas dinheiro a fundo perdido, “pedido” por todos em conjunto e “pago” por todos em conjunto, mas também um aumento do orçamento comunitário. A Europa perderá a virgindade nos financiamentos conjuntos desta monta. E como o que custa sempre é quebrar o tabu, depois será mais fácil aprofundar este tipo de mecanismos.

O pior do plano é que é pouco dinheiro. Sim, pouco. Veja o caso português: se for à proporção das contribuições para o orçamento comunitário, mesmo que Portugal receba 2%, serão dez mil milhões de euros. Ao longo de sete anos (2021-2027), o que dá uma média (que provavelmente será distribuída com mais dinheiro no principio do que no fim) de 1,4 mil milhões de euros por ano. É menos de 1% do PIB. 140 euros por português por ano. Não, não é muito. Para o que precisamos, não é muito.

Os subsídios deveriam ter em conta não apenas a proporção no orçamento mas também o impacto da pandemia e o ponto de partida da dívida pública de cada país. Se assim não for, Alemanha, França, Itália e Espanha (quatro países) receberão quase dois terços dos 500 mil milhões, dividindo-se o pouco mais de um terço final pelos outros 23 países, entre os quais Portugal.

Falta saber mais para fechar conclusões, incluindo as decisões finais do Conselho Europeu daqui a poucas semanas. Este anúncio prévio de programa de recuperação significa que se está a preparar terreno político, comunicação com as opiniões públicas e tranquilização dos mercados, que estão de dedo nervoso no gatilho. A dimensão, repartição e contrapartidas nunca serão politicamente fáceis, até porque as instituições europeias não pensam todas da mesma maneira, e repito que as medidas desbravam os muros que eram invioláveis. Mas não se encandeie com a grandeza do número. Para que tudo não se resuma a um “toma lá 140 euros e não digas que vais daqui”. Para que o “a fundo perdido” não se seja na verdade um fundo perdido.


Um pensamento sobre “Portugal precisa do Totoloto, mas não conta para o Totobola

  1. Vo isto ali ao lado, e gostei muito.

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    O PCP existe?
    No PÚBLICO,
    parece que não

    Basta uma semana de análise de
    conteúdos, neste caso, entre 11 e 17
    de Maio, para se perceber a
    exclusão a que é sujeito um partido
    com representação parlamentar e
    com uma activa e reconhecida
    intervenção na vida do país, dos
    trabalhadores e do povo português.
    Durante a semana analisada, a
    acção do PCP mereceu do PÚBLICO
    cinco breves parágrafos, dois
    retirados da entrevista de Jerónimo
    de Sousa ao Porto Canal sobre a
    Festa do Avante! (11/5/20), um sobre
    o direito à nacionalidade
    portuguesa (11/5/20), um sobre a
    transferência de 850 milhões para o
    Novo Banco (14/5/20) e um sobre a
    insuÆciente acção do Governo no
    combate à crise económica
    (15/5/20). Nos dias 13, 16 e 17,
    nenhuma referência foi feita. Tudo
    junto, aposto, não daria mais do que
    uma brevíssima nota de rodapé.

    Por oposição, o Partido Socialista
    é rei e senhor das atenções e
    deferências do jornal, páginas
    inteiras a que se associam as
    notícias sobre a acção do Governo,
    abonecadas com inúmeras fotos do
    primeiro-ministro e do ministro das
    Finanças. Dos restantes partidos, o
    BE (por que será?) também tem
    espaço garantido, mesmo que o
    assunto sejam “as bicicletas no
    pós-covid-19”. E “assim se vê” a
    isenção, a integridade, a pluralidade
    que norteia a linha editorial do
    PÚBLICO, propriedade do grupo
    Sonae. Duas notas finais: a primeira,
    em contraponto ao que escrevi
    anteriormente, para valorizar a
    qualidade dos trabalhos
    jornalísticos apresentados nos
    suplementos, cadernos e diversas
    áreas do jornal, a segunda, a
    indesmentível e indisfarçável
    coerência ideológica entre a equipa
    directiva e o dono do jornal.
    – Rui Manuel F. Oliveira, Lisboa.

    Fonte: P., 20.5.2020, p. 12.

    Eremita, Eremita, Eremita.

    Eu não sei se é azelhice política, ou a defesa de algum dos teis Hirschmanianos interesses já que a paixão garantiste que não é, mas desancares no André Ventura que mereceria carinhos, e logo outro alguém chamou à pedra o Octávio Ribeiro, cujo crime maior é ter dirigido o CM durante a caça a São José, o Sócrates?, dizia, sem tocares por mais suavemente que seja na tua Graça Fonseca!, ou é azelhice ou mais uma prova de nabice política. Sucede que tens o DN-que-vende-umas-centenas-de-jornais-em-banca-e-no-digital (!) e cujos trabalhadores, digamos assim, estão abrangidos neste escandaloso decreto sobre o lay-off da tonta ministra doTrabalho que saiu na rifa e do sabichão Siza Vieira (escândalo sobre o qual não se ouviu de ti um zumbido, hello!), grupo do DN que, segundo as contas da Graça Fonseca e do Costismo, se prepara para sacar, cumulativamente, um milhão de euros em “apoios” e “ajudinhas” exactamente a quê não se diz… Ora, isto é roubar dinheiro do OE dos Zés portugueses quando, basta pensares, os canais são múltiplos se tens um governo do PS cuja patine é, toda ela, permeável às mais diversas influências, compadrios e jogos do Monopólio… «Por oposição, o Partido Socialista é rei e senhor das atenções e deferências do jornal, páginas inteiras a que se associam as notícias sobre a acção do Governo, abonecadas com inúmeras fotos do primeiro-ministro e do ministro das Finanças.», pois é, é pois, ó pá! Um milhão pró-DN saiba-se lá porquê, um prémio para a Impresa da SIC e do Expresso, outro para a Cofina do CM e da CMTV, Media Capital da TVI, Global Notícias do DN e da TSF marchando sob a batuta do Afonso Camões capacho do Daniel Proença de Carvalho que vive há anos sob uma nebulosa sobre quem são os seus accionistas, Renascença e quê, isto está tudo na mão, perdão, no punho do PS.

    Dito isto, André Ventura? O quê exactamente?

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