(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 09/05/2020)

O primeiro-ministro sabe tudo. Sabe de cor os apoios a sócios-gerentes e a recibos verdes, o número de disciplinas nas escolas e de máscaras nos transportes públicos, o que vai acontecer nas praias e nos festivais de música, o primeiro-ministro nunca é apanhado em falso numa entrevista. Só não sabe uma coisa: que foram transferidos mil milhões para o Novo Banco.
O mesmo primeiro-ministro que não diz gastar um cêntimo na TAP sem controlar não controla cem mil milhões de cêntimos para o Novo Banco.
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Está tudo errado. É chocante saber que nem António Costa abriu os olhos para o dinheiro nem o ministro das Finanças pestanejou em transferi-los. É claro que a oposição vai pôr em causa a justiça na repartição de sacrifícios na pandemia. E é previsível que agora se diga e sublinhe e repita que “para os bancos há sempre dinheiro”. Até porque é verdade. Como verdade é o seguinte: já não podia ser de outra forma, porque todo o sistema de apoios ao Novo Banco foi assim montado.
Chamar ‘banco bom’ ao Novo Banco foi como chamar ‘Pai Natal’ a quem dá presentes. Ambos não existem. O ex-BES carregou milhares de milhões em créditos maus que foi vendendo ao preço da uva mijona, pois era mesmo uva que não poderia dar vinho. Fê-lo porque era preciso. E fê-lo porque pôde: havia capital garantido no Fundo de Resolução (outro nome ‘Pai Natal’, aliás, para dizer que o dinheiro financiado pelo Estado não é do Estado) para cobrir os prejuízos daí resultantes. E como eles se têm empilhado nos últimos anos.
O acordo foi feito com Bruxelas e só tinha, em geral, duas alternativas: ou se deixava o banco falir ou se fazia um aumento de capital gigante à cabeça. Optou-se por garantir o capital ao longo de alguns anos, na esperança, aliás, de que ele fosse vendido. Foi, é verdade; a Lone Star ficou com 75% de mil milhões de euros, que hoje o banco não vale. E nós fomos enchendo a vala às pazadas de mil milhões. É quase tudo dinheiro do Estado, tirando as contribuições de outros bancos, contrariados em subsidiar um concorrente que se aniquilou enquanto BES. Acredita que os bancos vão pagar ao Estado o dinheiro agora emprestado durante 30 anos? Eu não, mas espero estar cá para ver.
No acordo desenhado em 2017 com o BCE, o Novo Banco conseguiu o que provavelmente nenhum banco do mundo tem: que injeções futuras de capital, por estarem garantidas pelo Estado, já contem como capital. Foi assim que os rácios em 2019 foram cumpridos, já incluíam a injeção de mil milhões que fantasmagoricamente foi processada esta semana. E se não tivesse sido feita? Bom, então o banco entrava instantaneamente em processo de recuperação. Percebe a armadilha?
O Novo Banco está a ser salvo por uma máquina comercial com grande força nas empresas e com vendas de ativos tóxicos que supostamente não existiam, que causam prejuízos, que forçam aumentos de capital. Em tempos de pandemia, esperar-se-ia que o Governo pelo menos reduzisse a fatura, diluindo-a por mais anos. O ministro das Finanças percebeu que estava de mãos atadas e o primeiro-ministro de olhos vendados. E como não sabe como há de explicar isto aos portugueses que estão a sofrer na pele a crise económica brutal, há de fazer piruetas políticas.
Os bancos são essenciais nesta crise, porque por eles passa o dinheiro para as empresas, eles decidem quais vivem e quais morrem. Que não morram eles, o que começa por reconhecer que este ano vão ter prejuízos, em vez de mascararem as perdas futuras atrás das moratórias de crédito que o Governo aprovou. Porque de pagar prejuízos futuros estamos fartos. E, no caso do Novo Banco, até os prejuízos passados. Para o ano isto acaba, na última transferência. Ponham um lembrete na agenda do primeiro-ministro, por favor.
Ressalve-se uma verdade,para a direita roer:
Este-te dinheiro sabe-se de onde veio,o prazo de empréstimo e que juros vencerá.
Não foi doado pelo sra. Maria Gustava dos Prazeres e Morais !!!
Se,no futuro,tudo se resolver como no BPN, cá estaremos para julgar,…, se ainda houver Justiça…
Não se percebe nada de tão trôpego discurso, as usual, mas toma lá o João Pereira Coutinho.
O que achas, nada?
Falar pró
boneco
ESTAVA EU POSTO EM SOSSEGO
quando uma amiga, indignada, me
perguntou: “Viste o Guedes de Carvalho na SIC?” Não tinha visto, confesso,
porque aproveitei o último fim-de-semana de estado de emergência para
fazer uma viagem há muito programada: entre o quarto e o sótão da casa,
com paragem obrigatória na cozinha
para jantar. É o preço que pago por
não ser sindicalizado.
Mas o tom era tão alarmante que
cheguei a temer que o nosso Rodrigo
tivesse contaminado alguém em estú-
dio, tossindo ferozmente para cima de
um convidado. Regressei imediatamente à sala.
Falso alarme. Pelos vistos, o jornalista limitou-se a entrevistar a ministra da
Saúde, o que também não deixa de ser
uma imprudência. Em Portugal, ninguém entrevista ninguém. A função de
muitos profissionais é simplesmente
dar as deixas para que o político de
ocasião possa fazer o seu comício.
Aliás, nem sei por que motivo existem jornalistas. Era mais fácil e barato
que ministros ou secretários de Estado
se entrevistassem a si próprios. Se fizessem muita questão, podiam sempre usar um boneco de ventríloquo.
Exagero?
Não creio. Do uso das máscaras aos
abusos do 1º de Maio, sem esquecer a
calamidade dos lares, os doentes oncológicos que foram enxotados do
SNS ou os números duvidosos da DGS,
contam-se pelos dedos de uma mão
os jornalistas que importunaram o poder com essas minudências.
Fatalmente, e como jornalista que é,
Rodrigo Guedes de Carvalho perdeu
algum tempo a fazer o seu trabalho. E
a ministra, estupefacta com a evidência de que não estava na presença de
um espantalho, lá confirmou o que se
suspeitava: a CGTP está acima do português comum; a recomendação para
o uso de máscaras obedeceu aos mais
rigorosos critérios do “vamos indo e
vamos vendo”; e o que vem a seguir,
com o regresso à normalidade, será o
que Deus quiser.
Eu, se fosse a direcção da SIC, corrigia esta desfeita. E convidava novamente a dra. Marta Temido para que
ela pudesse entrevistar a ministra da
Saúde sobre o estado do tempo ou as
tendências mais marcantes para o
próximo Outono/Inverno. Os portugueses agradeciam.
[…]
Fonte: Sábado, 7.5.2020, p. 114.
O que vale é que o 25 de Abril e o 1º de Maio já foram há mais de um mês, para não aguentarmos tanta sobrecarga do SNS. O chato é que os padrecos assustaram-se todos com tanta comunhão e desistiram da sua.
Não foi doado…
Claro que não, foi emprestadado.