(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 01/05/2020)

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1 Vamos imaginar que, em Novembro, Trump e aquela múmia paralítica que faz de vice-presidente, Mike Pence, são dispensados pelos americanos de os continuarem a governar durante mais quatro anos; que Vladimir Putin deixa de se ocupar tanto com conspirações, perseguições aos adversários internos e exibicionismo do seu ego; que Xi Jinping e a nomenclatura chinesa reconhecem que o sistema de poder do PCC, fundado no autoritarismo, centralismo e secretismo, evitou que o mundo fosse avisado a tempo da emergência de um novo vírus letal, tornando a sua difusão planetária incontornável e as subsequentes consequências económicas devastadoras para todos. E, enfim, imaginemos ainda que alguns subfigurantes, não mais recomendáveis mas menos importantes — Bolsonaro, Duterte, das Filipinas, Orbán, da Hungria, Erdogan, da Turquia, Daniel Ortega, da Nicarágua, os Queridos Kim, da Coreia do Norte, Nicolás Maduro, da Venezuela, alguns fantoches africanos, o assassino príncipe saudita, o carniceiro sírio ou o aldrabão israelita —, saíam de cena ou eram obrigados pela comunidade internacional a portarem-se como gente decente durante uns tempos.

E, então, vamos imaginar que, sob a égide das Nações Unidas, do Banco Mundial, do FMI e de agências como a OMS, a FAO e a UNESCO, era lançado um plano de recuperação económica à escala global baseado nos seguintes pontos: apetrechamento dos serviços de saúde públicos; plano de emergência contra a fome e a escassez de água; prioridade à recuperação dos postos de trabalho perdidos; desenvolvimento económico assente no combate às alterações climáticas, privilegiando as indústrias, sectores e actividades não poluentes; investimento na diminuição significativa das desigualdades económicas regionais e sociais; apoio determinante ao sector cultural e à imprensa de referência. Acordados estes princípios, passar-se-ia às medidas concretas:
— lançamento de um imposto extraordinário sobre 50% dos lucros nos próximos três anos das mil maiores empresas do mundo. Imposto este cuja receita reverteria metade para o FMI, que a utilizaria no financiamento da recuperação económica dos países, de acordo com os critérios acima definidos, e metade ficaria nos países de origem das empresas, sendo obrigatoriamente aplicada nos sistemas de saúde, no desenvolvimento de energias limpas, agricultura sustentável e reconversão das indústrias poluentes;
— moratória de cinco anos acordada entre os dez maiores produtores e vendedores de armas, durante os quais esses países se comprometiam a não produzir ou comercializar qualquer nova arma, nuclear ou não nuclear, navio, avião, canhão ou tanque. O dinheiro poupado com essa moratória seria integralmente entregue à ONU, que, através das suas várias agências, o aplicaria no combate à fome, à distribuição de água, à eliminação das desigualdades, ao fortalecimento dos sistemas de saúde, ao fomento do combate às alterações climáticas e à promoção da cultura e da informação séria;
— ‘imposto’ particular em espécie sobre a China e a favor de África, reconhecendo quer a particular responsabilidade da China na pandemia do coronavírus quer a particular vulnerabilidade de África para a enfrentar. O imposto consistiria na doação ou financiamento de hospitais e respectivo apetrechamento, incluindo camas, salas de operações, UCI, ventiladores, etc., em quantidade minimamente suficiente;
— tributação extraordinária e à escala global sobre todas as empresas multinacionais cuja dimensão de mercado seja considerada demasiado grande, a ser efectuada em todos os países de actuação das empresas e a uma mesma taxa.
— idêntica tributação extraordinária sobre combustíveis fósseis, cuja receita os Estados só poderiam aplicar em medidas de descarbonização;
— limitação do número de voos consentidos diariamente no planeta, distribuindo os direitos de voo pelos países em proporção com a população e o grau de CO2 emitido;
— estabelecimento de uma lista de locais considerados absolutamente essenciais para a conservação da biodiversidade do planeta e para o controle do aquecimento global, elaborando uma Carta das Reservas Naturais do Planeta Terra, as quais permaneceriam intocáveis, sendo os países cujas fronteiras as integrassem compensados financeiramente todos os anos pela sua não exploração;
— medidas concertadas e eficazes contra as offshores e as empresas sediadas em offshores, começando logo pela impossibilidade de recorrerem a quaisquer apoios estatais ou outros e de participarem em concursos internos ou internacionais, e, dentro da UE, começando por pôr fim aos seus membros que funcionam como offshores: Holanda, Luxemburgo, Malta e Irlanda (não esquecendo a ilha da Madeira).
O que resultaria daqui? Desde logo, triliões de dólares, de euros, como jamais visto ou imaginado. Triliões destinados a uma causa comum e com objectivos comuns e concretos. Resgatar-nos a todos desta crise planetária de saúde e de sobrevivência económica. Deixar a Humanidade mais saudável, mais próspera, mais segura, mais justa, mais informada e menos indiferente à sorte alheia. E, simultaneamente, começar a limpar o planeta em que vivemos e que vimos paulatinamente exaurindo ano após ano.
Tenho lido textos de variada e bem-intencionada gente defendendo o contrário: que nem o vírus tem alguma coisa a ver com a forma predadora como tratamos a Natureza nem a recuperação económica, que todos desejamos seja tão rápida quanto possível, se poderá dar ao luxo de se preocupar minimamente com questões ambientais. E li até, do Henrique Raposo, aqui, uma versão intermédia e verdadeiramente possessa: a de que o vírus tinha vindo da Natureza, sim, da “natureza fascista”, a qual, segundo percebi, tinha de ser vergada e derrotada pela superioridade do Homem. Contra o fascismo, marchar, marchar!
Ora, meus caros, duas coisas: factos e oportunidade. Quanto aos factos, não há como ver para perceber. Tal como já aqui escrevi há tempos, contrariando os arautos do olival superintensivo de Alqueva, aconselho-vos, agora que vamos todos ter férias cá dentro, a darem um passeio até lá: se alguma vez viram um olival ou uma paisagem de montado alentejano, não vão reconhecer aquilo. Aquilo, que o Governo tanto apoia, não é nem agricultura nem paisagem natural e não vai acabar bem, basta ver. Mas prolonguem o passeio e vão ver os eucaliptais da serra da Ossa ou da serra de Monchique, que já são antigos: quando estiverem a olhar para aquela Natureza literalmente morta, deserta de qualquer sinal de vida, compreenderão por que razão aquilo já não tem nada a ver com serras, mas apenas com um estaleiro de incêndios. Está dito, está escrito, está provado há muitos anos que qualquer monocultura intensiva é um desastre ecológico, paisagístico e humano. Quando a terra fica exangue, quando desaparecem todos os animais e humanos, quando pega fogo, a culpa é da Natureza? Exemplos destes poderia dar dezenas, desde o que era a paisagem do fundo do mar no Algarve há 30 anos e o que é hoje, o que era voar sobre a Amazónia de noite há 30 anos e já então ver dezenas, centenas de fogos a abrirem feridas de morte no coração da mata. Dou apenas um número que, por sua vez, dá a noção das coisas: morreram de covid 4600 chineses, mas, nos dois meses em que a economia chinesa esteve quase parada, segundo um estudo da Universidade Stanford, a ausência de poluição atmosférica nos céus da China poupou quatro vezes mais vidas de chineses do que aquelas que o vírus levou.
Quanto à oportunidade, ela é simples: aproveitar ou não aproveitar este terramoto económico sem precedentes em todo o mundo para tentar regressar começando a fazer diferente. Há anos, há décadas, que se fala nisso, mas nunca houve ocasião para desacelerar, porque os governos tinham sempre eleições para ganhar e os governados tinham sempre mais para reivindicar. Agora foi mais do que uma ocasião: esbarrámos contra uma parede. Nunca mais teremos uma oportunidade como esta para fazer diferente.
Eu sei que tudo o que escrevi acima é uma utopia. Sei que raramente os grandes do mundo são gente de bem e, mesmo quando o são, há qualquer coisa no poder que parece que torna sempre mais importante conservá-lo do que exercê-lo em nome de um ideal de bem. Por vezes, o apelo para o mal vem de baixo e o poder não lhe resiste ou até aproveita para o cavalgar: é assim que gente tão desprezível como um Trump ou um Bolsonaro chegam ao poder.
Nem sequer apregoando o bem, mas ostensivamente oferecendo a patifaria e a crueldade como programa politico — e há momentos na vida dos países em que o povo gosta. Sei, pois, que a minha utopia não tem qualquer viabilidade. Mas, com muito menos ambição, alguma coisa de diferente pode e deve ser feita. Seríamos imensamente estúpidos se achássemos que tudo pode voltar a ser igual sem consequências.
2 A generalidade da imprensa adorou o discurso de Marcelo no 25 de Abril. Eu não. Se ele queria intervir na polémica levantada pelas celebrações na Assembleia (que tinha razões válidas de ambos os lados), deveria ter sido para unir o que a ridícula postura de caça-fascistas de Ferro Rodrigues tinha dividido e jamais para se colar a um presidente da Assembleia da República que tem feito tudo o que alcança para promover o Chega e desprestigiar-se a si próprio. Mas o 25 de Abril foi apenas um pretexto: o que Marcelo fez foi o discurso de lançamento da sua recandidatura. Encostando-se descaradamente ao eleitorado do PS e acenando ao do BE.
Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
«moratória de cinco anos acordada entre os dez maiores produtores e vendedores de armas» Nem pensar, um candidato provável presidente dos USA que o advogasse, seria assassinado.
MST numa de Utopia, que poderia ser lida por muito boa gente, PR e PM aqui, Bruxelas, NYC de Guterres.
O Papa não desdenharia adoptá-la.
Acaba menos bem, quando trás a lume, o Democrata Excelentíssimo, lutador de toda a vida por uma liberdade de Ferro com toque inox.
Quanto ao PR, outra injustiça, mais do que a reeleição,
a Evolução na Continuidade.
Com outro Marcelo, Marcello Caetano, saíu-nos cara.
No geral excelente artigo.
Mas entregar o controle da ajuda ao FMI ?????????!
Ó senhor Tavares, com essa idade ainda não sabe o que é, nem para que realmente serve o FMI ?
O FMI é um dos principais instrumentos da casta plutocrática ao serviço do AUMENTO DA DESIGUALDADE de que se queixa.
Entregue o controle das ajudas ao FMI e as condições que essa instituição de mafiosos ia exigir ainda provocavam mais pobreza do que aquela que supostamente esse dinheiro se destinava a combater.
Mas com certeza ia enriquecer ainda mais a elites…
Fórmula(s) complicadas e complexas, impossíveis de cumprir, jamais testadas na prática que surgem de quem nada tem contra o hediondo sistema económico social que tem sido dominante (no planeta que se pretende limpar) e que desde há mais de 400 anos invadiu (sob o pomposo manto dos “descobrimentos”); ocupou; abusou; desrespeitou; perseguiu; explorou; roubou; prendeu; escravizou; matou; deportou; dividiu países contra a vontade dos seus POVOS; fez duas guerras mundiais e tantas outras locais e provocou duas crises económico-sociais matando milhões de inocentes seres humanos, militares e civis, empurrando para o desemprego, a pobreza, a miséria e a fome milhões de famílias desprotegidas (desde há quanto tempo morrem de fome e subnutrição, em média, 15 ou mais crianças por minuto?!?!???….); produziu desigualdades sociais tais que já menos de 1% da população do planeta Terra detém tanta riqueza produzida pelo trabalho humano, quanta a detida pelos outros 99% (no Brasil 5 pessoas controlam tanta riqueza quanta a controlada por cerca de 103 milhões); vem produzindo situações terríveis em países como na Hungria, na Itália e mais recentemente no Brasil!!!….
Mas o dr MST nada tem contra um tal sistema, nem, como bom democrata que é, nada terá contra as atrocidades cometidas ao longo dos 4 séculos de domínio até porque, segundo defenderá o autor , tudo foi feito democraticamente e por ordem do Povo votante e pagante (quem não recorda a afirmação do dr Ricardo Salgado de que o DDT era o Povo português?!?!?!?…..), mas ò Senhor dr MST, por certo você sabe que existe uma outra solução para a substituição do dito sistema económico e social, ou seja, V.Exa. não desconhece que, historicamente, se pode deduzir que ao seu (abençoado) capitalismo se vai seguir um outro sistema económico e social imposto pela força e pela razão dos trabalhadores, afinal a maioria das populações de todos os países do planeta, e de que já temos exemplos práticos de que sendo um sonho desses milhões e milhões de trabalhadores em todo o planeta Terra – e V. Exa. sabe tão bem como eu “que o sonho comanda a vida….e que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”!!!…..
Deixemos então sonhar também os trabalhadores/explorados de todo o mundo, façamos alguma coisa para os unir ( e façamos o que ensinou o saudoso Zeca: [….o que faz falta é avisar a malta!!!!…..] e veremos que o planeta Terra pode ser limpo de todos esses problemas que o dr MST refere neste seu “sonhar acordado grátis”, até porque essa “tarefa de limpeza” já foi experimentada na prática em 1917 altura em que um tal Vladimir pegou numa vassoura grande e deu inicio a essa nobre tarefa de limpar o planeta correndo com todos os capitalistas!!!…
como ensinou Confúcio (552 a.C a 479 a.C.) uma imagem vale mais que mil palavras vejamos a imagem no link seguinte: [https://3.bp.blogspot.com/-0qSJssmpSQg/V5_dUX6oLAI/AAAAAAAAAso/FjmiDi_qPbg810hSDF4gkHTbK6i13anSQCLcB/s1600/historiaporimagem.jpg]!!!!!….
Também será do conhecimento geral de que os ditos explorados não estão sozinhos, porquanto nem todos os intelectuais são burgueses, pois muitos destes passaram a encarnar as necessidades do proletariado o que legitimamente lhes confere a adjectivação de Revolucionários!!!!…