Um triste exemplo de pobreza política

(José Soeiro, in Expresso Diário, 03/08/2019)

José Soeiro

(É por estas e por outras que o PS irá ficar a ver a maioria absoluta por um canudo… É falta de coerência política, de previsibilidade e de clareza no projecto político. Depois do grande embuste que foram as promessas do Passos para ganhar as eleições de 2011, os eleitores com dois dedos de testa aprenderam a “cheirar” o tacticismo charlatão a dez quilómetros de distância e punem-no. E ainda bem que o fazem.

Comentário da Estátua, 04/08/2019)


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O caso passou quase despercebido no meio da maratona de votações do último plenário desta legislatura. Mas não foi menos indecoroso por isso. Em outubro de 2018, a Rede Europeia Anti-Pobreza apresentou no Parlamento um “Compromisso para uma Estratégia Nacional de Erradicação da Pobreza”, do qual fazia parte a ideia de que “nenhuma política sectorial deverá ser aprovada sem a prévia avaliação sobre os seus impactos na produção, manutenção ou agravamento da pobreza e da exclusão social”. Todos os partidos se manifestaram então sensíveis e abertos a acolher a proposta.

Em janeiro deste ano, foi apresentado um projeto de lei para criar esse mecanismo. O “regime jurídico de avaliação do impacto sobre a pobreza dos atos normativos”, proposto pelo Bloco, tinha sobretudo o mérito de dar centralidade ao tema, num país que tem ainda 1 milhão e 700 mil pessoas em situação de pobreza, obrigando a que se olhasse para o combate à pobreza não apenas como uma questão de “apoio aos pobres” ou de políticas sociais, mas sim como uma questão transversal a todas as escolhas políticas.

Quando a proposta do Bloco foi apresentada, o Presidente da República elogiou-a de imediato, manifestando-se “sensibilizado para ela” e o Governo, pela voz do Ministro Vieira da Silva, declarou que via “como interessante a proposta anunciada pela coordenadora do BE, ainda que seja necessário analisar a sua operacionalização”. A 22 de fevereiro, fez-se o debate e a votação no Parlamento. Nenhum partido votou contra. A proposta foi por isso aprovada e passou-se ao debate na especialidade.

Como é comum nestes casos, quando se aprova uma proposta, é porque se quer que ela dê origem a uma lei, feita com o contributo dos vários deputados na Comissão respetiva. Passou-se o mês de março, abril, maio e nada. Em junho, o presidente da Comissão parlamentar agendou o debate na especialidade, que foi adiado por três vezes, para que os partidos tivessem tempo de apresentar as suas propostas de alteração ao projeto. O prazo esgotou-se e, surpresa, nenhum partido propôs nenhuma alteração, nenhuma sugestão de aperfeiçoamento, nenhuma achega crítica. Nada.

No dia do debate na especialidade, PS, PSD e CDS anunciam que não têm nada a dizer e que dispensam a discussão na especialidade da proposta. Passa-se à votação. Ponto por ponto, juntam-se para chumbar, um a um, todos os artigos do projeto de lei que tinha sido aprovado na generalidade.

Chumbaram a avaliação prévia do impacto sobre a pobreza, chumbaram a existência de um relatório bianual sobre o progresso no combate à pobreza, chumbaram a possibilidade de o Parlamento solicitar a entidades externas a avaliação sucessiva de impacto sobre a pobreza de determinadas leis e até a possibilidade de o Parlamento receber anualmente uma delegação de pessoas em situação de pobreza para ouvir, na primeira pessoa, o que se está a passar no país, ideia relativamente à qual o Presidente da Assembleia tinha manifestado simpatia. Tudo chumbado sem debate público, sem propostas alternativas, sem contributos e com a tentativa de que esta mudança de posição passasse entre os pingos da chuva no turbilhão de matérias que foram votadas na última sessão.

O processo foi insólito e lamentável. Mas o que aconteceu nas 24 horas seguintes tornou tudo isto mais surreal se não mesmo relativamente obsceno. No dia seguinte aos deputados do PS terem chumbado a proposta que antes haviam viabilizado, o PS apresentou, no seu programa, a seguinte proposta (página 100): “Consolidar e desenvolver a experiência, já em curso, de avaliação do impacto das leis quanto ao combate à pobreza (poverty proofing), consagrando a obrigatoriedade de avaliação fundamentada das medidas de política e dos orçamentos na ótica dos impactos sobre a pobreza”.

Ou seja, o PS, que impediu que esta avaliação existisse por ter votado contra, propõe-se continuar no futuro o que não existe porque o PS se juntou à direita para chumbar.

Dá para acreditar?

24 pensamentos sobre “Um triste exemplo de pobreza política

  1. A estátua a tomar partido finalmente:anti PS! Já aqui tinha escrito que a estátua é o jornal Expresso nos blogues. Cirurgicamente vai comentando e publicando textos anti PS. Não tem no entanto tanta subtileza. O seu Ricardo F. Costa (RFC), não se compara ao Ricardo Costa do jornal Expresso! Mas o comentário inacreditável da estátua neste artigo do Soeiro do BE, tem uma virtude: deixa de haver duvidas! A estátua de Sal assume se como anti PS! E neste aspecto reconheço que é mais honesto que o jornal Expresso. O Jornal Expresso é anti PS mas não assume. A estátua assumiu. Deixa de enganar incautos. É assumiu sem recorrer ao seu pseudónimo RFC. Deu a cara. A estátua de Sal já dava a entender de que lado estava. Mas agora tirou resolveu esclarecer tudo. Assumiu se contra o Antonio Costa e contra o PS! Transparência que deve ser elogiada!

    • Há quem prefira ser constantemente encornado porque acha que a política é um jogo de futebol. Estão no seu direito.

    • Ó remanso, que grande bezana… A Estátua é contra a maioria absoluta do PS – não é preciso dizer porquê porque está tudo cada vez mais claro -, e a favor do PS contra a Direita. É difícil de perceber ou queres um desenho? Sobre o RFC ser o Ricardo Costa, já é mania. Há uns que também se julgam o Napoleão e andam à solta… 🙂

    • Gostava que substanciasse a sua critica com alguma matéria de facto.

      É que, se o que está no texto é verdade, o PS é um partido de escroques.

  2. #carregaBenfica

    🙂
    🙂
    🙂
    🙂
    🙂
    – zero!

    Nota. São 23:07 e os passarinhos e passarinhas chilreiam no meu telhado: Maria Rita, dona Lídia, senhora Mendes, Guidinha, Vassalo, Dieter, Daniel, Pernalta, Rebravo, Paulinho, José Neves, Virgínia, Valulupi, dondoca d’Um Jeito Manso, ó da Estátua e ó Arthur… o mundo é belo!!!!!

        • Ó remanso. Já me estás a dar muito trabalho e não mereces tanto. Mas vou fazer uma obra de misericórdia. Aí vai, vê se te ilustras:

          Há no PS muita gente séria e também gente oportunista como se tem visto pelas negociatas que tem vindo a lume. Há no PS muita gente que usa a cabeça para pensar e muita outra que usa a cabeça para colocar lá um barrete cor de rosa e mais nada. Eu, mesmo os meus, não os poupo quando erram e a crítica é uma qualidade dos que usam a cabeça para pensar e a voz para emitir opiniões livres.
          Parece que não é o teu caso, tens pouco a ver com meninges pensantes, mas eu faço-te um desenho. Sou contra a maioria absoluta do PS mas sou a favor do PS contra a direita, sempre fui e peço-te meças na prática política e numa postura “à esquerda”. Percebeste?
          Sabes, pareces um adepto faccioso da bola que acha que os árbitros só devem marcar penalties contra as equipas adversárias. A clubite tolda-te o raciocínio. E já agora, discute o texto e o que lá vem descrito se fores capaz. Achas que o PS andou bem levando avante as práticas que lá vêm descritas? Se achas, fico esclarecido com o teu nível de lisura política e de ética democrática. Vai para o PSD que o Rui Rio recebe-te de braços abertos, pois precisa lá de tipos do teu jaez.

      • Vou tentar repetir a resposta que dei ontem á estátua e que não encontro nem neste artigo nem noutros. Não digo que tenha sido censurado mas algo se passou. Em traços gerais critiquei a estátua por tentar dividir o PS entre bons e maus com acusações gravíssimas ao PS, não fundamentadas e expliquei porque acho que a proposta do BE foi bem recusada no parlamento. Um assunto tão delicado não pode ser votado em cima do joelho á última hora e o PS faz bem, em evitar as precipitações dos jovens bloquistas e anunciar que na próxima legislatura vai tratar o assunto com a profundidade que a sua importância exige. No fundo afirmei que o país precisa de ser governado com responsabilidade e não por quem por filosofia libertária acha que tudo é fácil de fazer, que tudo é permitido e tudo é possível!
        Infelizmente não é assim e os que pensam que os frutos amadurecem todos ao mesmo tempo não percebem nada de agricultura.

      • O Ricardo F. Costa (RFC), acordou mal disposto e às 8,57 desta manhã resolveu desabafar as tristezas que atravessa na vida política e descarregar em cima de mim chamando me “bronco”.
        Eu ao contrário dele ando bem com a vida e não desço ao seu nível de má educação! Vou apenas revelar o que acho ser o seu nome completo e descodificar o “F.” que utiliza na sua não identificação. “F.” é abreviatura de Fátuo! O seu nome completo é Ricardo Fátuo Costa!
        Nota:
        Significado de “Fátuo” no dicionário de língua portuguesa é: “inexistente, temporário, incompetente e outras palavras mais duras” que aqui não vou transcrever porque não quero estragar com palavras feias este dia lindo!
        Um bom dia a todos!

    • […] Depois do grande embuste que foram as promessas do Passos para ganhar as eleições de 2011, os eleitores com dois dedos de testa aprenderam a “cheirar” o tacticismo charlatão a dez quilómetros de distância e punem-no. E ainda bem que o fazem.», cito.

      Nota. José Cruz: se estás de boa-fé e dizes isto é porque andas nas nuvens, pá, o que o José Soeiro denuncia não é tacticismo charlatão pré-eleitoral? É disto que ele fala, de mais um esquema do PS sobre o “regime jurídico de avaliação do impacto sobre a pobreza dos atos normativos”. É claro que é:,e é tanto mais que até os tipos do programa eleitoral, João Tiago Silveira se bem me lembro, devem corar agora de vergonha. Se achas que não é, paciênicia, herdaste umas palas.

      #ComPrimos e outros familiares no governo:

      https://images.impresa.pt/expresso/2019-08-06-ps-iniciativa-liberal-il/original/mw-860

      • Economia
        Governo fixa serviços mínimos para a greve dos motoristas de 50% a 100%

        18h15

        Hugo Franco e Miguel Santos Carrapatoso

        Nota. Então, o Pedro Nuno Santos está do lado do patronato?! Era uma esperança da esquerda do PS, e afinal… diálogo, nós? Eleiçoeiros, nós?

        19h04 Pardal Henriques critica serviços mínimos decretados pelo Governo: “Não vivemos numa democracia, vivemos numa ditadura”

        versus

        20h56 Motoristas. Antram considera “correta” declaração de estado de emergência energética e serviços mínimos

        No Expresso, tudo.

      • Ó RFC o PS claro que quer avaliar o impacto sobre a pobreza dos actos normativos. Mas quer fazer uma lei a sério, bem pensada, com responsabilidade. Nao vai aprovar a lei dos miúdos do BE só para ganhar votos. Compromete se na próxima legislatura a fazer isso com responsabilidade. Acho que a generalidade dos portugueses concorda com este sentido de estado.
        E o que o PS promete vai cumprindo como sabes.
        Mas a minha pequena nota, a que te referes, nem tem nada a ver com isto que é uma evidência. Tem a ver com o facto da estátua de sal querer dividir o PS. Não sei se és do tempo em que o PS com a manifestação da Fonte luminosa (estive lá) salvou o país da ditadura goncalvista. O PS é o maior pilar da democracia. É por causa dele que tens liberdade para escrever o que escreves. Quando a estátua de sal quer acabar com esta forca democrática e dividi la está ao serviço de quem? Quem a financia? A caixa de esmolas em que pede ajuda para a estátua lembra me os peditórios da igreja a abarrotar de dinheiro. É só para disfarçar. Mas a pergunta pertinente é “quem está por detrás da estátua? Quem a financia para dividir o PS?”
        Faco te estas perguntas a ti porque tu és o porta voz da estátua para as questões mais difíceis. A ti quem te paga para estares a tempo inteiro a dizer mal da democracia, do PS, do António Costa, da Esquerda e para defenderes os direitolas?
        Pedir desculpa ao PS já é pouco. A estátua deveria dizer quem lhe paga e quem te paga para denegrirem o maior pilar da democracia, dividi lo e abrir caminho aos populismos de extrema direita que graças ao trabalho responsável do PS e do presidente da República não tem conseguido ganhar espaço em Portugal.
        Desculpa qualquer gralha tipo falta de acento ou de cedilha. Já sei que são coisas que te incomodam mas a culpa é do teclado. São coisas a que te agarras quando não queres responder às questões incómodas que cada vez mais leitores desta página aqui colocam.

        • Você é mais um daqueles tipos com palas que se dizem “xuxalistas” da mesma forma que se dizem benfiquistas, sportinguistas ou afins. A Estátua pensa livremente pela sua cabeça e “bate” no PS sempre que ele “vai para a cama” com a direita, e vai vezes demais para o meu gosto. Também o aplaude quando ele se mostra a favor dos trabalhadores e vira as costas à direita. Mas claro, para si, quem critica o PS quando se alia à direita é divisionista e anda a ser subsidiado por poderes obscuros.
          Vou admitir que você sabe ler. Leia este texto (no link abaixo) que escrevi e publiquei – e há muitos mais -, sobre o PS e António Costa. Você acha que quem assim escreve e assina por baixo tem algum pejo em apoiar o PS quando ele toma medidas de esquerda?!

          https://estatuadesal.com/2017/11/02/orcamento-de-estado-antonio-costa-retoma-a-iniciativa-politica/

          Não é verosímil ou só o será para facciosos da sua estirpe.

          Finalmente, ninguém me financia: faço este trabalho por satisfação pessoal e para defender as ideias em que acredito, tomando posição ou dando voz àqueles que muito bem entendo. Mas claro, como ninguém me financia, você pode contribuir com algum para a nossa caixa de esmolas. Acredite que a Estátua lhe fica agradecida… 🙂

        • «Desculpa qualquer gralha tipo falta de acento ou de cedilha. Já sei que são coisas que te incomodam mas a culpa é do teclado. São coisas a que te agarras quando não queres responder às questões incómodas que cada vez mais leitores desta página aqui colocam.». cito

          Nota. Não são “cada vez mais leitores”, pá! Eu, que ando nesta vindima há anos, sei exactamente quem se esconde por detrás de nicks e mais nicks por mais exóticos que eles sejam. Aliás, bastaria que os tipos que são visitantes d’A Estátua de Sal fizessem o exercício contrário… (o IP é cena para a bófia, se necessário). Ou seja, que os leitores façam uma leitura “qualitativa” sobre o argumentário de algibeira, uff!, que anda por aqui a exibir os seus ilustres palitos, a marrar ia a dizer!, sobre a deriva de um alegado e destrambelhado ataque movido contra o António Costa, coitadinho, quando este atola o Partido Socialista em m. (dentro da tradição dos seus líderes antecessores, aliás). Querias palmadinhas nas costas, que por aqui fizessem apenas figuras ridículas? Vai para a bicha do Aspirina B, ide tomar chá com a dondoca d’Um Jeito Manso ou, então, lê o Twitter infantilizado da Estrela Serrano e outros congéneres… (tudo gente do São José, o que só por si deveria ser um cadastro criminal suficiente… acho eu). Ah, esquecia-me: lê o Tornado, vai à Fonte Luminosa transformada em botellón pelo Fernando Medina ou consulta a caderneta de cromos com os velhinhos da A25A (e , já agora, combina com o Vassalo visitar o Vasco-mor nestes dias difíceis… dias-TINTOS, pois) Tens várias saídas, como vês, mas dá sossego aos senhores e poupa-me às tuas parvoíces.

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