Moneyland

(Paul de Grauwe, in Expresso, 03/08/2019)

Uma vez que o dinheiro roubado pode ser tão habilmente escondido nos paraísos do Ocidente, não existe um limite para o roubo e a pilhagem.


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Férias de verão são sinónimo de leitura. Pelo menos para um leitor ávido como eu. Eu não me deito na praia e, se o fizesse, seria com um livro. Ontem terminei de ler “Moneyland”, de Oliver Bullough. O subtítulo é: “Why Thieves and Crooks Now Rule the World and How to Take it Back” (porque é que ladrões e criminosos dominam agora o mundo e como o podemos reaver). É uma linguagem forte. Provavelmente um exagero, mas existem, ainda assim, motivos para preocupações.

É sobre o quê? Desde a década de 1980 que os movimentos de capitais entre países foram liberalizados. O dinheiro pode mover-se mais ou menos livremente de um país para outro. Antigamente, não era assim. Não era possível transferir dinheiro de um banco num país para um banco noutro país. A maioria dos países utilizava diferentes formas de controlo cambial para fazer tais movimentações de dinheiro, e, se não era impossível, era muito difícil. Impulsionados pela ideia de que os mercados livres eram mais capazes de decidir para onde o dinheiro deveria ir do que os governos e os burocratas, os sistemas de controlo de câmbio foram sendo gradualmente abolidos.

Esta liberdade de movimentação de capitais tornou-se um elemento da globalização da economia mundial, em que bens, serviços e capitais podem mover-se livremente entre a maioria dos países. Por si só, não há nada de errado nisso. Mas agora parece que devem ser impostos limites a essa liberdade. Porquê?

Uma parte importante dos movimentos de capitais resulta de considerações económicas legítimas. O capital flui para onde o retorno é mais elevado. O que acontece, normalmente, em países com um nível de desenvolvimento relativamente baixo. Como resultado, o capital circula dos países desenvolvidos para os menos desenvolvidos e contribui para um desenvolvimento económico mais rápido dos últimos.

Até aqui, tudo bem. O problema, porém, é que os fluxos de capitais também se movimentam intensamente na outra direção: dos países menos desenvolvidos para os países ricos. E isso tem tudo a ver com a corrupção. Nos países do Leste europeu, tais como a Rússia e a Ucrânia, em alguns países africanos, asiáticos e do Médio Oriente, a corrupção é uma epidemia. Estas são as regiões do mundo onde as elites políticas e económicas pilham os seus próprios países.

O principal problema com essa pilhagem maciça é que o dinheiro roubado tem de ser escondido. Quando a riqueza acumulada pelos líderes/ladrões locais se torna muito visível, desencadeia a resistência social e até mesmo revoluções.

Como é que estes saqueadores resolvem esse problema? Mudando o dinheiro para o que Oliver Bullough chama de “Moneyland” (paraíso do dinheiro). Que é todo o sistema financeiro ocidental que fica fora do controlo das autoridades. Consiste em bancos e outras instituições financeiras ocidentais que usam as inúmeras lacunas nas legislações nacionais para ocultar e redirecionar o dinheiro roubado.

Um exército de banqueiros e advogados, que ficam com uma parte do dinheiro, limpa o dinheiro de todos os vestígios de fraude e corrupção, para que possa ser branqueado. O dinheiro acaba transformado em casas e apartamentos de luxo em Londres e Nova Iorque e numa série de outros produtos e serviços extravagantes. Ou fica apenas nos bancos para ser usado no dia em que os líderes/ladrões são expulsos dos seus tronos.

O problema destes movimentos maciços de capitais é duplo. Em primeiro lugar, a existência de um “Moneyland” tornou possível aumentar drasticamente o nível de corrupção em muitos países. Uma vez que o dinheiro roubado pode ser tão habilmente escondido no Ocidente, não existe um limite para o roubo e a pilhagem. O “Moneyland” elevou o saque a outro nível.

Isto também significa que os países ricos são culpados de cumplicidade da enorme corrupção que existe na Europa de Leste, em países asiáticos e africanos e no Médio Oriente. Pior, alimentam essa corrupção.

O que leva a um segundo problema. Todo o dinheiro roubado que está em contas no sistema financeiro ocidental é usado para disseminar o cancro da corrupção no Ocidente. O dinheiro é usado pelos ladrões para subornar políticos ocidentais. Estes, esperam os ladrões, irão garantir que os seus interesses são protegidos. É também utilizado para disseminar informações falsas e criar confusão na opinião pública ocidental, minando as instituições democráticas. Quanto menos democracia houver, mais a corrupção se pode propagar.

É tempo de verificar e controlar o “Moneyland”. Isso é possível, mas exige a cooperação internacional. Infelizmente, esta é dificultada pelo aumento do nacionalismo.

Professor da London School of Economics, Reino Unido


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