A campanha de Costa

(Daniel Oliveira, in Expresso, 04/05/2019)

Daniel Oliveira

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De repente, fez-se luz. Percebeu-se o que pretendia António Costa com a mudança radical e repentina na proposta do Governo para a Lei de Bases da Saúde, que tinha resultado de uma negociação em que ele próprio participara. Havia pressões e Costa aproveitou a oportunidade. Precisava de criar o ambiente político para a campanha que tem na cabeça. Ele quer o melhor de dois mundos. Depois de ter as vantagens do apoio da esquerda, quer as vantagens de não o ter. Depois de uma maioria sem maioria, quer recuperar o voto útil que morreu quando mostrou que era possível governar com os votos do BE e do PCP sem ficar em primeiro. Um bom final de mandato da ‘geringonça’ impedia a dramatização. Com o cenário montado, era preciso fazer esquecer a lealdade por vezes dolorosa com que os “irresponsáveis” do Bloco e do PCP aprovaram quatro orçamentos que foram além das exigências europeias. E para a dinamitação da ‘geringonça’ teve de remover Pedro Nuno Santos do lugar de pivô.

O segundo ato da farsa foi-lhe oferecido por Rui Rio. Como há limites para o contorcionismo, António Costa sabia que BE e PCP não podiam mudar a sua posição de sempre quanto à reposição da carreira dos professores. Tanto o sabia que aceitou, em dois orçamentos sucessivos, a norma que estipulava que apenas o tempo e o modo da reposição dependeriam da disponibilidade orçamental. Saiu-lhe a sorte grande com a cambalhota da direita, que Rio e Cristas vão pagar cara. E veio o terceiro ato: a ameaça de demissão que, a poucos meses das eleições, é apenas um ato de campanha eleitoral. E com ela, uma aldrabice descarada: que a decisão do Parlamento significa um aumento de 800 milhões, incomportável para o Governo. À falta de um PEC IV para repetir o choradinho socrático, optou-se pela mentira. O que foi decidido não tem prazos nem calendário. O único impacto é a contagem dos dois anos, nove meses e 18 dias, até 2020, que o próprio Governo sempre mostrou disponibilidade para pagar. O que mudou foi a oportunidade de Costa arrancar com a sua campanha eleitoral.

Apesar de BE e PCP o terem deixado governar quase sem sobressaltos estes quatro anos, o velho PS quer rédea solta. Só que António Costa não vai ter maio­ria absoluta. Vai governar com quem depois deste truque de última hora a pensar, como é seu hábito, apenas nos próximos meses? Esta é a pergunta dramática que nos vai fazer na campanha para nos sacar o voto. Em nome de uma ambição pessoal demasiado pequena para as circunstâncias, Costa montou uma encenação que atira por terra uma mudança histórica na política portuguesa, que a esquerda europeia via como exemplo. Este seria o único legado decente de uma geração falhada de políticos à esquerda. Porque, infelizmente, tudo em António Costa é tática, nada em António Costa é convicção. Isso é coisa que toda a gente de dentro do PS me avisa há anos.

Foi a ‘geringonça’ que salvou o PS do destino dos restantes partidos socialistas europeus. Terá de ser uma nova geração de políticos a impedir que o calculismo continue a deitar tudo a perder. Ao apostar todas as fichas num fim triste para a ‘geringonça’, Costa semeia a desilusão e o desalento nos que apoiaram esta solução política.

Mesmo que consiga vitórias circunstanciais, a derrota é brutal. E é por isso que, esta semana, António Costa se juntou à tralha do passado.


12 pensamentos sobre “A campanha de Costa

  1. Há grande DOliveira, força no homem que é só táctica, é só truques, é só encenação, é só inconvicção, é só calculismo, é só desilusão e, e. e…
    Mas tu que já correste três partidos e três ideologias e ainda rapazola como és talvez ainda não fiques por ai és tudo ao contrário do Costa.
    Do Costa mau do PS pois que do mano Costa bom de petulância e ruindade política que até cheira mal desse, que é capataz geral do teu patrão, por omissão de qualquer opinião sobre tal peste com cara de gente, fácil é concluir que gostas do faz. E agora com tal arrazoado sobre o Costa “só truques” fica-se a saber a quem serves.
    Olha Oliveira, continua a ouvir os teus amigos do PS que te avisam contra A.Costa aí ainda podes encontrar o teu lugar. E lava a clarinha com quem te pareces cada vez mais.
    Então o Costa só truques e calculismo e os teus queridos são só ingenuidade, não!

      • Hum, …?
        «Há grande DOliveira», há mas são verdes ó José Neves!

        Hum, …?!
        «E lava a clarinha com quem te pareces cada vez mais.», credo! O Eixo do Mal é o que é, pázinho, mas agora querias que a SIC N se tornasse num canal com cenas para adultos? CMTV hoy per la noche: Daniel Oliva, solamente Dani, El Macho Lusitano Siempre Haciendo Bien?

        Ah grande DO, assim.

        eu lavo eu lavei eu lavava
        tu lavas tu lavaste tu lavavas
        ele/ela lava ele/ela lavou ele/ela lavava
        nós lavamos nós lavámos / lavamos nós lavávamos
        vós lavais vós lavastes vós laváveis
        eles/elas lavam

        #novasoportunidades

        [?]

  2. Há muitos anos que muitos amigos me avisavam que em Daniel Oliveira tudo era demagogia e desonestidade intelectual. Este “texto” comprova-o.

    • Desonestidade intelectual é dizer mal da TINA na oposição e aplica-la no poder ou defende-la quando tudo parece estável.

      • Meu caro, desonestidade intelectual é criar do nada (dum autêntico vácuo) um texto em que, por artes mágicas, um mefistélico Costa surge como o mastermind de uma crise política que foi objetivamente provocada por uma coligação negativa em sede parlamentar; e, não satisfeito com essa fantástica efabulação, vir ainda dar a a entender que a demonstração disso mesmo é a de que tem amigos no PS que há muito lhe dizem que em António Costa tudo é tática. Se não entende o carácter demagógico desta “peça” de Daniel Oliveira, então não vale a pena perder o meu latim consigo. Passar bem.

        • Uma crise política graças a uma lei de declaração de intenções de igualdade de trabalhadores. Uma coligação negativa porque chateia o sol e arco-íris das vacas voadores.
          Tá certo.

  3. Discordo. O acordo entre PSD, CDS, CDU e BE pode não implicar custos incomportáveis a curto prazo, mas significa uma hipotecação de todos os orçamentos futuros, para já não falar na Caixa de Pandora de outras corporações da função pública a exigir igual favorecimento, o que já se confirmou ontem com as tomadas de posição da CGTP e UGT. Não, a atitude de António Costa é a única certa.
    Declaração de interesses: deixei o PS há mais de um ano, mas por outras razões. Além disso, sou funcionário público e continuo a receber muito menos do que recebia em 2008.

  4. Só falta dizer que os portugueses e o Pais ainda poupam dinheiro com o “bodo” aos professores.
    O PCP e o Bloco fizeram agora exatamente o mesmo que fizeram a José Sócrates com o PEC IV.
    Sabiam, então, que iriam colocar a direita no poder mas estiveram-se borrifando para isso.

    • Hum.

      Nota. Ó Santos, olha: detentor de uma rara capacidade intelectual que exibes por aqui, aos terráqueos d’A Estátua de Sal, e com que conferes mais colorido às tangas do Valulupi e da Penélope, no Aspirina B, por mim rendo-me e considero, simplesmente, que deverias fazer parte do “núcleo duro”, em São Bento, e/ou que darias um excelente politólogo emérito em lugar do pós-Boaventura no CES da Universidade de Coimbra.

      #novasoportunidades

  5. Ao Daniel só não o avisaram para o aldrabão que nunca teve onde cair morto do Carvalho no Sporting. Se calhar porque também não era preciso. Agora o Bloco pode juntar-se ao CDS mas o António Costa não pode dizer que não está para levar com tanta demagogia… Azar. Deviam ter pensado primeiro. Até porque já não é a primeira vez que fazem isto ao país. Shame on you!

  6. A maioria parlamentar ainda existe e vai continuar na próxima legislatura. Penso que o que aconteceu foi uma pequeno grão de areia na engrenagem da gerigonça. A atitude de António Costa não passou de um gesto de propaganda eleitoral, dado que as sondagens para as europeias estavam um pouco para o fraco. Uma coisa é certa, este ano eleitoral vai ser muito interessante do ponto de vista de campanhas.

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