Menos jogos e mais responsabilidade

(José Soeiro, in Expresso Diário, 03/05/2019)

José Soeiro

(A Estátua não está nada preocupada com a badalada “crise política”. António Costa resolveu fazer-nos crer que o diabo, afinal, virá mesmo aí, caso os professores vejam as carreiras descongeladas, tal como vaticinava Passos Coelho  quando nasceu a Geringonça. Ora, como nunca acreditei nas profecias de Passos, também não vejo motivos para acreditar nas profecias de Costa.

Grande parte das razões para a minha descrença estão muito bem explanadas neste texto. Costa resolveu dramatizar e apelar ao lado emocional do eleitorado, para ganhar pelo susto e pelo medo os combates eleitorais que avizinham com maioria absoluta.

Como no poker, dir-se-ia que jogou a cave. Ou ganha tudo ou perde tudo. Porque se não ganhar com maioria absoluta, dificilmente poderá reeditar os acordos à esquerda e a direita também não está em condições de lhe  dar a mão.

 Estátua de Sal, 03/05/2019)


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A reação do Governo em torno das carreiras dos professores é uma encenação irresponsável, sem fundamentos palpáveis, a não ser porventura um imediatista cálculo eleitoral. Primeiro, porque não há impacto orçamental nesta legislatura resultante da medida ontem aprovada. Ou seja, o que foi aprovado não compromete este Governo, mas os próximos. Segundo, porque não se sabe qual o impacto orçamental da medida no curto prazo, já que foi aprovado um princípio que já constava de orçamentos anteriores (o reconhecimento do tempo de carreira), cujo prazo de concretização continua dependente das negociações futuras com os sindicatos. Terceiro, porque no único Governo em que o PS dispõe atualmente de maioria absoluta (o Governo Regional dos Açores), o próprio PS escolheu aprovar a recuperação integral do tempo de serviço dos e das docentes (contra a qual Carlos César agora brada!), o que aliás criou uma discriminação entre professores que deu mais um argumento para as exigências dos docentes.

Estamos portanto no domínio de um mero jogo político por parte do Governo, com declarações inflamadas que visam dramatizar artificialmente uma decisão normal do Parlamento que, além do mais, não é nova.

Neste filme, Bloco e o PCP votaram agora em coerência com o que votaram no passado. Já PS, PSD e CDS saem bastante mal na fotografia.O PSD sai mal porque se sabe que esta suposta viragem à esquerda e o súbito amor pelo sindicalismo docente é um oportunismo de circunstância. Francamente: alguém acredita?

Se o PSD governasse, não teria havido qualquer descongelamento para os trabalhadores dos serviços públicos, nem recuperação de salários e de pensões para os trabalhadores do privado. Também por isso, o PSD esteve disponível para reafirmar um princípio geral, mas não quer comprometer-se com prazos concretos. É jogo.

O CDS fez uma figura um pouco mais ridícula quando, logo após ter aprovado o que aprovou, veio dizer, aflito, que afinal a norma aprovada não era para levar a sério, porque (e cito o comunicado do CDS) “Não é verdade que o CDS tenha hoje aprovado o pagamento do tempo integral dos professores. Essa proposta foi chumbada com o nosso voto. Aprovou-se apenas o princípio de que os professores terão direito à contagem integral do tempo congelado mediante negociação com o Governo”. Ou seja, os incautos que se desenganem: a posição do CDS é uma confusão para enganar os professores.

O PS ensaia três argumentos que, um a um, caem por terra por si próprios.

Primeiro argumento: isto é uma novidade surpreendente que viola o que estava nos Orçamentos. Mas como assim, novidade? Desde janeiro de 2018 o Governo ficou obrigado, por decisão do Parlamento (e sem o voto contra do PS, que se absteve nesta norma), a “em diálogo com os sindicatos, garantir que, nas carreiras cuja progressão depende também do tempo de serviço prestado, seja contado todo esse tempo, para efeitos de progressão na carreira e da correspondente valorização remuneratória”.

Segundo argumento: o PS não consegue governar com esta despesa extra. Qual despesa extra? Se a recuperação integral é para fazer a partir do próximo Orçamento (2020), já não diz respeito a este Governo. O que diz respeito a este Governo é o que este Governo já tinha assumido: os 2 anos 9 meses e 18 dias. Se o restante tempo (6 anos e meio) depende de negociação, pode ser faseado e até convertido noutros modos de reconhecer e compensar os anos de serviço, como a antecipação da reforma (que teria a vantagem de contribuir para criar emprego e renovar o pessoal nas escolas), assim haja vontade, abertura, capacidade e bom senso negocial. Em todo o caso, é tarefa para o próximo Governo, não para este. Na realidade, as únicas surpresas orçamentais desta legislatura foram as que vieram da banca, a última das quais representou uma garantia de mais 450 milhões de euros para o Novo Banco (e aí, Centeno não encontrou nenhum problema em acomodar a despesa…).

Terceiro argumento, mais político, estilo Santos Silva: houve uma “coligação negativa”, valha-nos Cristo! Este argumento é risível dado o contexto em que é utilizado. Nas costas dos seus parceiros de Orçamento (Bloco, PCP e Verdes), o Governo negociou um acordo com os patrões para impedir a valorização dos salários no setor privado, mantendo a caducidade dos contratos coletivos, impedindo a reposição dos 3 dias de férias cortados pela Direita ou do valor das compensações por despedimento. Tudo tranquilo para o PS. Nas costas dos seus parceiros de Orçamento (Bloco, PCP e Verdes) e até, aparentemente, da Ministra da Saúde, o PS negociou com a Direita e com o Presidente a manutenção das parcerias público-privado no Serviço Nacional de Saúde. Tudo tranquilo para o Governo. Contra a opinião dos seus parceiros, o PS juntou-se ao PSD para manter a capitalização do sistema financeiro sem assegurar o seu controlo público ou para impedir a renacionalização dos CTT (reivindicada não apenas por Bloco e PCP, mas por muitos autarcas socialistas), mesmo com o enorme impacto social e orçamental dessas decisões irresponsáveis. Tudo tranquilo, venha a coligação negativa com PSD e CDS. Aparentemente, o único momento de crise para o PS é quando Bloco e PCP são coerentes com o que sempre defenderam – e, circunstancialmente, se forma uma maioria em torno dessas posições, como aconteceu (e ainda bem) quando foi rejeitado o acordo do Governo para baixar a TSU dos patrões ou, agora, a proposta do Governo que não reconhecia o tempo de serviço de todas as carreiras.

Muita fita, muito cálculo comunicacional e eleitoral, muita inflamação postiça e pouca cabeça fria e respeito pelo parlamento. Assim está a agir o Governo e faz mal. Se empenhasse a sua energia em encontrar soluções, em vez de fabricar crises, daria um contributo muito mais responsável ao país, à estabilidade da vida de quem trabalha e à confiança que as pessoas querem depositar em quem tem responsabilidades de tão elevado nível.

Pela nossa parte, estamos cá. No mesmo lugar de sempre. Com a mesma confiabilidade, a mesma coerência e a mesma abertura de sempre para encontrar soluções. Sem desesperar. Com o mesmo bom senso.

3 pensamentos sobre “Menos jogos e mais responsabilidade

  1. Mas que raio de actitude queria o Estatuadesal que Costa fizesse? De, perante o facto tal qual o caso do PECIV, ficasse a ser o bombo de festa dos partidos e de Portugal inteiro? Um boneco de atirar bolas de trapos? Alguém sem espinha dorsal que se transformaria imediatamente na chacota do passismo, da Assunão e todo o resto da maralha incluindo os “aliados”, especialmente o Bloco e suas meninas que ficavam logo a imaginar-se dona dos votos do velho PS moribundo e lugares e poder à grande.
    E a levar com todas as classes de serviços públicos mais o gasolineiros, os dos portos, os dos TIR, os taxistas e tuti quanti a querer também ser tratados de igual forma. E os pensionistas não pagaram uma das maiores facturas devido a coligação espúria do PECIV porque têm só de pagar e calar?
    Confesso que nem me dou ao trabalho de ler o Soeiro acima pois já gastei bastante para ler as tontices do Oliveia lá mais acima e digo que o que se passa tem gravidade de vida para o PS, e só para o PS, ao contrário da análise tortuosa que faz o Oliveira completamente de cabeça enlouquecida.
    Ou o Costa se põe a pau ou fazem-lhe exactamente o mesmo que fizeram ao outro.

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