Marques Mendes e a judicialização populista

(Paulo Baldaia, in Jornal de Notícias, 18/12/2018)

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Quanto é que Luís Marques Mendes (LMM) tem de estar zangado com Rui Rio para dizer dele o que disse na SIC? Tem de estar muito zangado, tem de haver alguma coisa pessoal, para que o ex-líder do PSD, agora comentador de televisão, rasgue de alto a baixo o atual líder do PSD. Ao ouvir LMM, como faço habitualmente, não queria acreditar, foi como se estivesse a navegar na net, numa qualquer rede social, a assistir a um facebookiano desancar um “amigo” com quem perdeu a paciência. Seria de esperar que o imenso poder de um comentário semanal em canal de televisão generalista exigisse mais responsabilidade. O número que LMM montou na SIC não ataca apenas Rui Rio, é um contributo inestimável para o populismo que cresce em Portugal. Aquele que leva uma parte significativa do eleitorado a admitir votar num partido que tenha como bandeira o combate aos políticos corruptos, que é como quem diz: a todos os políticos.

Faço uma declaração de interesses. Conheço bem Rui Rio e inúmeras vezes defendi a sua conduta política, mas este texto não é sobre o líder do PSD. É sobre o perigo de uma deriva populista que, em Portugal, irá passar pelo combate cego à imigração e à corrupção. Recordo o que escrevi aqui no JN nos primeiros dias de dezembro: “Em Portugal não temos ainda terreno fértil para semear e colher rapidamente conflitos anti-imigração ou conflitos raciais, mas o potencial existe. O que garantidamente seria um êxito eleitoral era um partido anticorrupção, liderado, por exemplo, pelo juiz Carlos Alexandre. Sem outra agenda que não fosse o combate a esta chaga, que os portugueses acreditam ser generalizada na elite política e económica, um partido com Carlos Alexandre como cabeça de cartaz estaria em condições de ganhar as eleições. Se não já em 2019, na seguinte. Sem uma liderança forte, podem ambicionar, ainda assim, eleger vários deputados e formar um grupo parlamentar”.

É uma coincidência divina que o jornal (“Negócios”) que publica em papel a prestação de LMM na televisão tenha trazido, também ontem, uma sondagem da Aximagem em que 27% do eleitorado se mostra disponível para votar num partido que apareça “a falar alto contra os imigrantes ilegais e a corrupção”. A maioria desses eleitores surge, é claro, no partido que LMM já liderou e que não gosta da liderança de Rui Rio. Se um dia aparecer esse partido populista, será espantoso ouvir o que LMM tem para dizer, sendo óbvio que análises como a que fez no domingo ajudam a convencer muitos eleitores a apostar em partidos destes. Se Marques Mendes compara Rio a Sócrates e os coloca ao mesmo nível na vontade de controlar a Comunicação Social e a Justiça está a convidar as pessoas a não votarem no PSD. Mais ainda, quando garante que Joana Marques Vidal já não é procuradora-geral da República porque Rio a deixou cair, está a colar o líder do PSD a uma intenção de controlar os processos mediáticos que envolvem os poderosos. Para os salvar, presume-se!

Não vale a pena fazer grande debate sobre a provocação da comparação com Sócrates, nem grande demonstração sobre quão errada é a ideia de que a decisão de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, de apostar num mandato único na PGR, foi tomada a reboque de Rui Rio. Mesmo os que não suportam o atual líder do PSD saíram ontem a terreiro para dizer que LMM não tem razão.

O que vale a pena ser explicado, e voltarei ao assunto em próxima crónica, é que o perigo maior não é do ter os eleitos a escrutinar com mais eficácia os operadores de justiça, é ter os operadores de justiça a agirem sem rei nem roque. Todos somos a favor de mais meios para a investigação, mas os democratas não podem aceitar que a separação de poderes se transforme na existência de um poder que se julga no direito de não ser escrutinado.

Não temos de fazer uma opção entre a politização da justiça e a judicialização da política. Temos de lutar sem hesitações para que não exista nem uma, nem outra. É mais simples do que parece e não se coaduna com paninhos quentes em relação a magistrados que fazem chantagem com os eleitos do povo.

*Jornalista

4 pensamentos sobre “Marques Mendes e a judicialização populista

  1. O Baldaia deve ter tido uma qualquer premonição que vai ser corrido do sitio onde escrevinha algumas coisas, pois parece aquela fase do assalariado que sabendo que vai ser posto na rua, diz o que na grande maioria tempo calou. Um assomo de lucidez, que é de registar.

  2. Essa espécie de homem Marques Mendes é um perigo para a democracia. Porque é um populista. O que os telespectadores gostariam da ouvir da boca dele é se regularizou a sua situação perante a AT relativamente ao ter-se esquecido de declarar as mais valias que obteve na alienação de umas ações.

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