(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 13/09/2018)
Falou-se bastante nas últimas semanas da dita ‘saída limpa’ da Grécia do programa de resgate e ajustamento estrutural imposto pela troika e da mensagem vídeo elaborada por Mário Centeno por essa ocasião. De forma alinhada com a ortodoxia europeia, como seria de esperar de qualquer presidente do Eurogrupo, Centeno sublinhou o regresso da Grécia ao crescimento económico e à criação de emprego, os seus superávites orçamental e comercial e o facto da economia ter sido reformada e modernizada. O que mostra principalmente que, tal como a beleza, também o sucesso económico está essencialmente nos olhos de quem vê.
Efectivamente, tanto o emprego como o crescimento económico registaram ligeiras retomas na Grécia nos últimos tempos, mas o produto real grego é hoje em dia apenas cerca de 3/4, e o emprego total menos de 90%, do que eram em 2008. A população com idade entre 20 e 30 anos reduziu-se em mais de 25% em dez anos, principalmente devido à emigração. Independentemente do – ou graças ao – superavite orçamental, 20% da população activa continua hoje em dia desempregada. É um nível de devastação económica mais profundo até do que o da Grande Depressão, e a ligeira retoma agora apresentada como sinal de sucesso não é mais do que estabilização, aliás bastante precária, após um enorme retrocesso.
Claro que o sucesso grego dos últimos anos é mais evidente de outras perspectivas. Por exemplo, do ponto de vista dos investidores internacionais que adquiriram a preço de saldo activos públicos privatizados à pressa nos últimos anos, incluindo o Porto do Pireu, 14 aeroportos e a empresa petrolífera nacional.
Ou do ponto de vista das instituições financeiras privadas, principalmente francesas, suíças e alemãs, que detinham a maior parte da dívida pública grega em 2010 e que foram os verdadeiros resgatados pela troika ao evitarem as perdas em que teriam incorrido se a Grécia tivesse enveredado pela alternativa do incumprimento.
Outro ângulo interessante para avaliar a dimensão da tragédia grega é o que foi adoptado por um estudo de 2016 que, a partir da análise das águas residuais na cidade de Atenas, identificou enormes aumentos entre 2010 e 2014 no uso de antidepressivos (11 vezes mais), benzodiazepinas (ansiolíticos, 19 vezes mais) e antipsicóticos (35 vezes mais). Concluem os autores deste estudo, sem grande surpresa, que estes resultados reflectem o aumento da incidência de problemas de saúde mental em resultado da situação socioeconómica. Mostram também, digo eu, que quando falamos da crise na Grécia não estamos a falar de meras estatísticas económicas, mas de verdadeiros dramas pessoais.
Em resumo, o processo foi, e continua a ser, um sucesso do ponto de vista do capital internacional e uma enorme tragédia do ponto de vista da população grega. É tudo uma questão de perspectiva.