Um drama, um vício e um elefante na sala 

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 08/05/2018) 

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De repente, como quem oferece uma flor, os jornais enchem-se de intrigas. Uma é o drama shakespeariano, com o caso Pinho ou a demissão de Sócrates, com o ressurgir do fantasma das offshores e do seu serviço, os pagamentos por baixo da mesa ou o tráfico de influências, e depois os suculentos ajustes de contas dentro do partido. O passado vem morder o presente com o estardalhaço que se nota.

Noutro registo, o Presidente anuncia que não se candidatará se houver nova devastação de incêndios, um critério surpreendente mas que não oculta a revelação: haverá recandidatura, como seria de esperar. Aqui, é o futuro próximo a marcar passo no presente.

Outras intrigas, estas mais banais, serpenteiam entre os partidos que impediram que a direita continuasse no governo. Cada qual é mais absurda do que a anterior e só se pode perguntar de que alminha é que surgiram tais ideias: a mais esfusiante é uma proposta para que a comissão de inquérito ao caso Pinho e às rendas da energia se estenda a uma investigação sobre todas as privatizações e todas as parcerias público-privado, ou seja sobre toda a história moderna do capitalismo português. Aqui, o espantoso não é surgirem disputas de primazia, isso faz parte da encenação política com que os partidos animam as suas bases. Um partido promoverá tantas mais quanto mais frágil se sentir. O surpreendente também não é aparecerem propostas inviáveis para inviabilizariam a comissão de inquérito, como essa de abranger à vez todas as grandes empresas, todos os governos e todos os banqueiros. Isso é quase normal, é jogo de chinquilho entre partidos. O que espanta é que haja ainda alguém que imagine que esses subterfúgios têm algum efeito, ou mobilizador, ou criador de política. Isto tudo junto vale o que vale, que é tempo perdido, palavras desbaratadas e figuras de urso.

Mas, se esse tipo de erros é simples vício, e será portanto eterno, há um segundo que merece atenção particular. É mais grave porque terá consequências, como seria não ver o elefante na sala. E esse é o erro de ignorar os confrontos de ideias que vão deslocando a política para novos eixos. Um exemplo desse confronto de ideias é o que se tem acirrado na preparação do congresso do PS, entre os defensores da terceira via, como Santos Silva, Francisco Assis e Vital Moreira, e os proponentes de uma social-democracia de raiz histórica e aberta a confluências com as esquerdas, como Pedro Nuno Santos. Note que é a primeira vez nos últimos três anos que membros do governo se questionam em modo de confrontação pública sobre o arrependimento dos acordos com a esquerda ou a sua continuidade.

Nessa peleja não passa despercebido que os que mais influenciam o governo menos determinam o sentimento das bases e vice-versa. Então a pergunta é: será que a pressão dos eleitores socialistas bastaria para levar o governo a procurar um novo acordo com as esquerdas, ou seja, a trabalhar o tempo necessário e a profundidade exigida para que essa negociação seja bem-sucedida? Pelo menos até agora a resposta é não. Triplamente não: não, porque o governo já rompeu ou congelou acordos negociados trabalhosamente e que seriam colunas vertebrais de entendimentos futuros (sobre as rendas da energia ou, noutro plano, a mão morta na integração dos precários do Estado); não, porque a preparação do Orçamento do próximo ano está a ser condicionada, antes de ter começado, por braços de ferro impostos pelo Ministério das Finanças (o dogmatismo contra os aumentos salariais e o dogmatismo do défice); e não, finalmente, porque o governo agora só se interessa por um único projeto, a maioria absoluta.

Sobre que este seja o modo de gestão política pelo PS não deveria haver dúvidas. Qualquer partido do “arco”, podendo, quer maioria absoluta, a convergência é para si um sacrifício e, se for o caso, uma obrigação passageira, mas dificilmente será uma visão de confluência. Assim é, mesmo que a experiência ensine outra lição, e nisso tem razão Pedro Nuno contra Augusto, quando escreve que o abandono da “terceira via” e da naturalidade da convergência com a direita foi a novidade que salvou o PS em 2015.

Mas quer o partido salvar-se ou ser quem é? Parece antes que o elefante na sala volta sempre ao lugar onde foi feliz da última vez (ou infeliz, o que para o caso pouco importa). De facto, o que o congresso do PS se prepara para fazer é elogiar a solução governativa na exata medida em que se quer ver livre dela o mais depressa possível. O poder tem sempre razões que a razão não conhece.

Seria aliás fácil verificar se o caminho escolhido viesse a ser outro, se recusasse a terceira via de Santos Silva. Se essa alternativa ganhasse, a preparação do Orçamento, agora na estaca zero, não só seria posta em marcha como trabalharia uma resposta essencial aos défices portugueses: o da saúde, o da educação, o dos salários baixos, o dos truques fiscais, o da falta de investimento.

3 pensamentos sobre “Um drama, um vício e um elefante na sala 

  1. Afinal sempre existe a tão arredada e quase esquecida (ou futebol e outros temas tidos por mais significantes na senda da formação das peneiras para tapar o Sol, para que vos quero) luta de classes onde capital e trabalho surgem sempre, em última análise, como os principais protagonistas!…
    Se não, atentemos nesta sintética “tese” do quase sempre elegante e já velho intelectual que, ouso supor, (ainda) se reclama de marxista:
    «… uma resposta essencial aos défices portugueses: o da saúde, o da educação, o dos salários baixos, o dos truques fiscais, o da falta de investimento.»
    Entretanto, a caravana passa
    [ levando ao leme o luso partido dito socialista, (ainda) apoiado parlamentarmente por dois partidos que se reclamam do marxismo (ai se o Karl cá voltasse: fazia-se cá ski, tenho a certeza, com tanta deturpação e oportunismo destes “marxistas” todos ]
    e vai deixando para trás, como corolário das vitórias alcançadas nessa eterna luta entre capital e trabalho, dramas como este:
    {CERCA DE 2,4 MILHÕES DE SERES HUMANOS EM RISCO DE POBREZA OU EXCLUSÃO SOCIAL}
    E isto só nesse cantinho à beira-mar plantado onde, segundo estimativas recentes, em 2016 residiam 2,325 milhões de pessoas, o que corresponde a cerca de 23,3%, porque no planeta Terra continua a aumentar o número de crianças que morrem de fome e subnutrição: até 2015, morriam, em média, 17 crianças por minuto; e segundo a UNICEF, se nada for feito para alterar a situação das crescentes desigualdades, até 2030, morrerão em média 8 crianças por minuto, com idades inferiores a 5 anos.
    Claro que, perante estas realidades, gente há, como por exemplo o primo Vitor Gaspar Louçã, que argumentarão que «segundo um estudo de do ilustre professor (e cita o livro e o autor, um seu ilustre colega no FMI) agora publicado, as desigualdades tem vindo a reduzir-se no mundo).

    O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento é conduzido em Portugal pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) desde 2004.
    Os dados são recolhidos através de entrevistas presenciais e em 2017, foram inquiridas 14 052 famílias.
    Relativamente ao ano de 2017, foram observados dois milhões e 399 mil portugueses (ou seja, 23,3%) em risco de pobreza ou exclusão social. Este valor é inferior em 196 mil face aos números de 2016.
    Do total de pessoas em pobreza ou exclusão social analisados no inquérito, 18% (431 mil) eram menores de 18 anos e 18,8% (451 mil) tinham 65 ou mais anos.
    O inquérito analisa dados relativos à privação material, nomeadamente capacidade de usufruir de uma semana de férias fora de casa, pagamento de despesas inesperadas ou capacidade para pagar o aquecimento do lar.
    Em 2017, 6,9% dos residentes em território português viviam em condição de privação material severa (708 milhares de pessoas).

    Mas, à boa maneira lusa, «…é pá, mas nem tudo são más notícias», porquanto, como também se pode retirar do referido Inquérito do INE: Este valor é inferior em 1,5 pontos percentuais face ao observado em 2016.
    Valha-nos a geringonça, pois, com a pressão dos ditos marxistas apoiadores parlamentarmente, mais o PEV, a “coisa” parece que está a ficar menos ruim.
    E sendo isto verdadeiro, então:
    — para o KARL: Paz à SUA alma!!!!… e que se estude, se encarne e se apliquem cada vez mais os seus ensinamentos!…
    aci

    • As estatísticas e os estudos são como os pareceres jurídicos… São feitos à medida e usados para sustentar a tese do salafrário que quer alcançar proveitos diversos sem grande dispêndio de energia e recursos!

  2. Um drama, um vício e um elefante na sala” se ao menos o título desta seca fosse
    Um drama, um vício e um elefante na sala… a fugir de uma rata
    teria muitos mais leitores e respectivos pensamentos!

    De resto estas baboseiras sobre salafrários partidos, e tanto faz ser o PS, como o BE, como o PCP ou PSD – hoje em dia já nem sei bem se estou a ouvir o PCP ou o PSD dada a inversão de papéis! – só interessa mesmo para manter a atenção da MANADA afastada dos salafrários mores!

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