Ai flores, ai flores do rosa Pinho, ai Costa, e u é?

(Estátua de Sal, 05-05-2018)

“Todos os Estados existentes são corruptos” – Ralph Waldo Emerson

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O PS é um partido de poder. De mão dada com o PSD, assim tem sido em Portugal desde o 25 de Abril. Mas o que significa ser um partido de poder? Significa que toma decisões relativas ao funcionamento do Estado, quer ao nível administrativo, legislativo, político, e económico, mas que tais decisões nunca são neutras. Existem pessoas que delas irão beneficiar, existirão outras que delas sofrerão o impacto, outras que, no final, não serão em nada afectadas. E se o poder for um poder legítimo, isto é, um poder conseguido através das regras institucionalizadas e aceites pela comunidade para o alcançar – no caso o sistema eleitoral vigente -, tais decisões passam a ser também elas legítimas, independentemente da bondade dos seus efeitos no bem-estar colectivo dos cidadãos.

O problema dos partidos de poder é que, no fim da linha, os partidos não existem enquanto ser pensante. O que existe, em cada momento, é um conjunto de dirigentes partidários a quem são acometidas determinadas funções e âmbito de decisão no aparelho do Estado, sendo eles que, em nome da legitimidade que ao partido foi conferida, vão subscrever e implementar um conjunto de opções, certas ou erradas, pouco importa, mas nunca neutras do ponto de vista de quem vai ganhar ou perder com elas.

Nesse contexto, existe sempre o risco de o poder, entregue eleitoralmente ao partido, resvalar para um exercício de poder pessoal do decisor político, por maior escrutínio interno que exista sobre os actos deste último. Este é um problema de todas as organizações sociais constituídas por seres humanos e é nesse problema que se insere sempre a temática da corrupção, já que, lembrando John Dalberg-Acton, “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus”.

Vem esta introdução a propósito do actual quadro político-mediático, onde os casos de Manuel Pinho e de José Sócrates tem tido clamorosa repercussão, e das piedosas tentativas dos partidos de poder branquearem a realidade do que acima expressei: não há inocentes, todos tem pedras no sapato, pois se as não tivessem não seriam partidos de poder. Aliás, a sucessão de casos que foram ocorrendo desde o 25 de Abril, é transversal a todos os partidos do chamado arco da governação, (PS, PSD, CDS), ou seja, todos aqueles partidos que exerceram o poder em Portugal desde essa altura.

A forma de mistificar o problema, e iludir o cidadão comum, é tentar fazer passar a ideia de que, a haver corrupção, ela não é uma inerência genética às instituições humanas, logo também às partidárias, e à forma de organização sócio-económica onde estas se inserem (leia-se capitalismo), mas sim a uma degenerescência individual do político cujo caso se analisa e discute: Sócrates é mau, o PS é puro; Miguel Macedo é venal, o PSD é níveo; Paulo Portas é oblíquo, o CDS é imaculado. Nada mais falso, mas é esta mensagem que os partidos de poder em todas as épocas tem propalado sempre que um qualquer caso aporta à comunicação social e/ou à Justiça. Até aqui, portanto, nada de novo.

Onde está, então, a novidade que se tem vindo a consubstanciar, de alguns anos a esta parte, e que os casos mais recentes evidenciam? Está no facto de os partidos terem passado a usar os casos como arma de combate na luta política, quando em épocas anteriores se abstinham de o fazer por todos eles terem telhados de vidro, podendo as munições disparadas fazer ricochete, rebentando nos seus próprios pés. A utilização dos casos passou a ser tanto mais utilizada quanto maior é o domínio que um dos lados da contenda tem sobre a comunicação social e sobre o aparelho de Justiça, pois é aí, nesse terreno, que a luta política suja passou a realizar-se. Ora, quer a comunicação social, quer a Justiça, enquanto instituições humanas que são, não deixam de ser também elas corruptíveis e venais, de acordo com as ideias que expressámos acima.

É, pois, esse o cenário de fundo do que se está a passar actualmente em Portugal. Uma Justiça povoada por personagens cinzentos ao serviço dos partidos de direita do espectro político, uma comunicação social falida povoada por jornalistas manipuladores que tenta sobreviver à custa das oportunas encenações pícaras que tenta passar como verdades, ao serviço de quem lhe possa fazer chegar uma misericordiosa bóia de salvação.

E seria sobre esse cenário que o partido que está debaixo de fogo, o PS, se deveria pronunciar e denunciar, mormente pela boca do seu secretário-geral e Primeiro-Ministro. É legítimo transmitir interrogatórios judiciais nas televisões? Costa nada tem a dizer? É legítimo as peças processuais circularem na comunicação social, e que o segredo de justiça nada valha, nunca ninguém sendo responsabilizado e punido? Costa nada tem a dizer? Como pode António Costa afirmar que “confia na nossa Justiça” e na sua independência, quando o seu governo, e ele próprio, estão a ser assados em lume brando, até que surja a altura oportuna de lhes ser dada a estocada final? Como não ver o absurdo de Pinho ser constituído arguido sem nunca ter sido ouvido nem chamado a depôr?! Como se poderá provar a alegada corrupção de Sócrates e de Pinho se vão ser julgados por uma Justiça que age desta forma? Se o árbitro está “comprado” como pode o resultado do derby ser limpo?

Tem-se ouvido falar muito, nos últimos dias, na promiscuidade entre o poder político e o poder económico. Mas, e a promiscuidade entre a Justiça e a comunicação social, não são merecedoras de parangonas? Costa poderia e deveria ter respondido à primeira com a segunda. Em vez disso, decidiu dar carta branca aos seus ventríloquos – César, Galamba e companhia -, para que imolassem Sócrates no festim báquico com a Direita se está a empaturrar, o que revela a inesperada existência de um PS enfraquecido e de um general em perda, tendo em conta os bons resultados da vertente económica e das sondagens em alta.

O que nos leva a perguntar, o que receia António Costa? Que bomba  espera ele que a Direita tenha ainda debaixo do tapete para fazer rebentar na altura mais conveniente? É que os partidos, como qualquer organização humana, quando o espírito de grupo se quebra, vão desaguar, mais tarde ou mais cedo, na senda da inoperância e da desagregação.

Sacrificar à turba a cabeça de alguém que alcandorou o PS à única maioria absoluta da sua história, com base num julgamento apenas mediático em que a Justiça até ao momento, objectivamente, nada provou, é considerar Sócrates e o seu governo uma excrescência que é necessário extirpar do passado-recente socialista, desviando a vitalidade da organização para um debate que se supunha encerrado e que até aqui tinha sido conduzido com mestria.

José Sócrates, em quem nunca votei – declaração de interesses para que não me interpretem mal -, não merecia essa imolação, sobretudo tendo em conta a bandalheira com que a Justiça o tem tratado durante os últimos anos, e isto independentemente da sua culpabilidade ou inocência.  É por isso mais que compreensível a sua reacção, desvinculando-se do PS.

Até ao momento, Sócrates não tinha tido a solidariedade do aparelho socialista – que por receio de contaminação foi deixando os agentes da Justiça em roda livre na prossecução da sua agenda atrabiliária -, mas também nenhuma condenação populista dos seus actos tinha sido avançada pelos dirigentes socialistas de topo.  Terá sido só o caso de Pinho que alterou tudo, ou foi apenas uma oportunidade de ouro que o PS aproveitou para separar as águas?

Diz o provérbio que a melhor defesa é o ataque, mas o PS, apostou numa defesa, aparentemente desnecessária e precipitada. Curiosamente, eventos deste tipo sucedem sempre nas vésperas dos congressos do PS, tal como sucedeu em Novembro de 2014, aquando da detenção de Sócrates no Aeroporto de Lisboa. São coincidências, dirão os menos dados a teorias da conspiração. Não são coincidências, digo eu.

Como já escrevi, parece que só António Costa é que ainda não percebeu que não é cabeça de Pinho, nem a de Sócrates, que a direita quer: é pura e simplesmente a dele e o poder que o PS detém com o apoio do BE e do PCP. E por isso, transformar um congresso de aclamação e vitórias num congresso de penitência e culpas, solapa – e de que forma -, a dinâmica socialista.

Meu caro António Costa, o congresso pode não estar estragado mas já não será nunca aquilo que poderia ser, uma celebração dos sucessos da Geringonça e uma alavanca para as eleições de 2019. A Direita conseguiu o que queria. Desta vez, não vai haver SMS aos militantes que te salve, e ajude a encenar que nada se passou.


 

8 pensamentos sobre “Ai flores, ai flores do rosa Pinho, ai Costa, e u é?

  1. O “estado” é uma entidade salafrária. A corrupção vem por arrasto porque o animal umano está degenerado e como tal a corrupção faz parte do seu modo de estar e de ser.
    A expressão citada desvia o FOCO DA ATENÇÃO para o real facto.
    Não é o estado que é corrupto, são os animais que o criam e mantêm, inclusive via VOTO! Mas isto é típico de animal corrupto, desviar as atenções de si próprio para algo imaterial! Apenas posso concluir que esse tal de Ralph Waldo Emerson era um corrupto…. e até tenho a prova! “… Em 1860, Emerson votou em Abraham Lincoln, mas ficou desiludido…” 😉

    Portanto, TODO o animal VOTANTE é um animal corrupto.

  2. Por acaso não estou de acordo com a sua abordagem.
    Julgo que o assunto ainda não é caso encerrado,muito antes pelo contrário, mas estava a fazer coxear o PS.
    Agora que a direita está por todo o lado a tentar rebentar com este Governo , mesmo rebentando com o País, está.
    É talvez o maior incêndio jamais visto em Portugal acima de tudo nos meios visuais, RTP incluída.
    Costa está a actuar bem e sabe que tem a maioria dos portugueses a apoiá-lo (mesmo de outros partidos e da tão esquecida “abstenção”) e também sabe que colocou os outros partidos num desafio enorme – A LIMPEZA DOS PODRES E CORRUPTOS – .
    Vamos aguardar e logo veremos.

  3. «José Sócrates, em quem nunca votei – declaração de interesses para que não me interpretem mal», …?

    Ai que gira que é esta maneira de ganhar a vida. Enfim, deve ser uma espécie de coming out do pós-verdade.

    Tangas & C.ª, Limitada, outro, Manuel G.

      • … moço de recados neste momento é uma profissão (quase) desaparecida, marçano é o vocábulo, mas cujos titulares tinham a sua dignidade e, importante, a inocência própria da idade (sendo uma profissão desaparecida, por isso, percebe-se o quão desactualizada anda a tua cabecinha, perdão, a tua cabeça).

        Devo dizer-te ainda que, nisso de costumes sou um liberalão, e recordo-te que, tal como os marçanos que desapareceram, há outras profissões como a prostituição que, lá está, desde que levada com dignidade normalmente observo e nada a tenho a comentar publicamente.

        Ora, no teu caso que não és moço de recado, não nasceste no Ribatejo e nem és forcado (conheces a piada?), algo faltará em ti porque te dei um pouco de atenção.

        Think about it.

        • Adenda, em tempo.

          José Sócrates, em quem nunca votei – declaração de interesses para que não me interpretem mal -, não merecia essa imolação, sobretudo tendo em conta a bandalheira com que a Justiça o tem tratado durante os últimos anos, e isto independentemente da sua culpabilidade ou inocência.

          Estátua de Sal, 05-05-2018

          «Eu escrevo aqui no Aspirina B desde o tempo em que Sócrates ainda era primeiro-ministro. Defendi as suas políticas como muita gente que conheço. E como milhares de pessoas que desconheço, já que mais de um milhão de portugueses votou nele para as legislativas. Não o conheço de lado nenhum, nunca falei com ele, não conheço nenhum elemento do seu círculo de amigos, nunca fui contactada por ninguém, em suma, sou uma espontânea, uma patega, e, pelos vistos, também uma cúmplice de um terrível crime.»

          13 NOVEMBRO 2017 ÀS 15:36 POR PENÉLOPE

          Nota, importante. Como se fica a perceber, aliás, o Salineiro dos Botequins não anda sozinho nessa espécie de coming out. É uma estranha forma de vida, enfim, em que se parece que se dá milho aos pombos e uns barris de vinho martelado aos pategos. Tangas & C.ª, Limitada, outros/as, a Penélope e o Manuel G. (actualizo apenas a firma só na parte do C.ª, pois o Tangas proprietário responde por Valupi).

      • «O direito à dívida é livre», permito-me corrigi-lo na tentativa de auxiliar um pouco mais o argumentário da firma Tangas & C.ª, Limitada que corajosamente tudo fez (até escrever posts, a metro!, mesmo se o suor lhes caía sobre o teclado, pois acredito que tinham a cara pintada de preto em sinal de vergonha!), e que assim, seguramente, ficará com o exclusivo de transaccionar na blogosfera portuguesa a memorabilia do cadáver de José Sócrates.

        Post scriptum, como disse alguém na carta de suicídio que vos legou. A minha cortesia é à borla, claro, pois não uso facturas, não conheço o João Perna nem sou amigo do Carlos Santos Silva.

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