E se de repente o Costa lhe oferecer flores? 

 

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 13/03/2018)

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Entre o deslumbramento quente e o cinismo frio, os comentários ao congresso do CDS passam por todas a matizes. O que só prova o sucesso da reunião e de Assunção Cristas: ser discutida é melhor do que ser ignorada, criar confusão entre os interpretadores é sinal de que é levada a sério. Alguns comentadores acharam encantador o atrevimento; logo aplaudem aquela de querer passar a ser o partido dos 59 deputados, para ter mais um do que a metade de 116, mas no mesmo compasso acham a coisa estapafúrdia, significaria ter mais do triplo dos deputados atuais, aliás alguns emprestados pelo PSD nas listas da coligação da saudosa PAF.

Explica Adolfo Mesquita Nunes, rock star da abertura liberal de Cristas, aqui no Expresso: não a levem à letra, ela quer ser primeira ministra e pisar o PSD, só não sabe é quando, se não for em 2019 será em 2023 ou 2027 ou quando deus quiser. Outros, mais calculistas, lembram que isso de subir não é por mera prosápia e que todas as sondagens dão teimosamente o CDS entre os 5 e os 7%, tão longe dos 25% de que necessitaria para “transformar o sonho em realidade”, como carinhosamente descrito pela presidente do partido. O CDS está portanto a vender uma fábula, que serve para animar militantes e para atordoar comentadores e jornalistas, tudo com sucesso. Parabéns a Cristas.

Ela percebeu onde estão as vulnerabilidades do seu “sonho”. A primeira é que é mal-amanhado o cocktail de liberalismo e democracia-cristã, tanto que um jovem candidato da Forbes, mais Nuno Melo, mais Telmo Correia, vieram solenemente lembrar as “Sagradas Escrituras” e que “com a Religião ninguém se mete”. Cheira demasiado a incenso. A segunda fraqueza é a imagem do partido beto e colado às fortunas: os generosíssimos favores publicitários da Altri, a empresa eucalipteira que é dona do Correio da Manhã, a Cristas, também não fazem esquecer como uma ex-ministra é protegida pelos interesses que acarinhou. Cristas arremeteu contra essa imagem com o verbo e as instruções eram claras: somos o partido do João e da Maria, onde é que eu já ouvi isto. Os tesouros do portismo são assim recapitulados – só que isso nunca deu o tal “sonho” da maioria, pois não?

Entretanto, pouca gente terá notado que, tendo sido vergastado o congresso do PSD e Rui Rio por não ter apresentado nenhuma proposta, o do CDS manteve sobre os mesmos assuntos um casto silêncio. Temas muito modernos, natalidade (mas fazer o quê para aumentar o número de meninas e meninos, se o Cardeal até dá o exemplo de se opor a que os casais “recasados” tenham relações sexuais?), interior (e estará esquecido aquele governo que fechou serviços e cortou pensões aos idosos que são maioria em tantas regiões do interior?) e internet (exatamente para quê, alguém tem a mais leve ideia?), mas nenhuma sugestão sobre o que fazer. Que importa, a solução é Cristas a chefiar o governo e logo se vê. É a velha tática do Estebes, meia bola e tudo para a frente.

Claro que Cristas arrumou a oposição interna e Melo tem que ficar à espera. Ganhou com mérito, pois o resultado de Lisboa demonstrou que sabe ir à luta e aproveitar a oportunidade. Mas olhemos então com cuidado para o que nos demonstra o seu sucesso em Lisboa. Proponho-lhe para isso, cara leitora ou leitor, que ignore os resultados da coligação PSD-CDS em 2013, chefiada por Fernando Seara para um descalabro acima de qualquer medida (menos de metade dos votos de 2009, quando a coligação foi chefiada por Santana Lopes). É um resultado tão extravagante que não conta e, em todo o caso, também era o PSD+CDS. Em 2017, com a sua magnífica vitória, o CDS em Lisboa conseguiu 51 mil votos, comparados com os 28 mil do PSD, e Cristas festejou, aqui está o exemplo de como ultrapassar o partido amigo, pelo menos se este lhe fizer o favor de apresentar uma campanha descoroçoada. A minha pergunta é: e para que é que  serve a vitória de Cristas? Já adivinhou a resposta, para a vitória do PS.

Com o tal sucesso de Cristas, a diferença entre os votos juntos do PSD+CDS e os do PS, que era de menos de 15 mil em 2009, subiu em 73% em 2017. A diferença entre o PSD+CDS e as esquerdas, PCP+BE, que era de 73 mil votos em 2009, reduziu-se em 48%, para quase metade. Resumo: o PS ganhou, as esquerdas ganharam, Cristas ganhou ao PSD, ergo, a direita está cada vez mais longe de ganhar a Câmara. Mesmo tendo o PS o seu pior resultado em três eleições seguidas, aumenta a sua vantagem sobre as direitas entre 2009, o melhor resultado da direita junta, e 2017, o melhor resultado do CDS.

Há uma lição neste sucesso de Cristas: é António Costa quem fica a ganhar. Quanto mais ela fixar como objetivo disputar a base eleitoral do PSD, melhor para Costa. Quanto mais ela se anunciar como primo-ministeriável e “eu sou melhor do que Rio”, essa frase que merece ser esculpida nos anais da comunicação política, melhor para Costa. Uma guerra à direita é esplêndida para o PS, que disputa o centro.

Costa, que é o grande vencedor do congresso do CDS, bem podia mandar um ramo de flores a Cristas, tem todas as razões para lhe ficar grato.

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