O CAOS!

(Por Rui Melo Pato, in Facebook, 08/01/2018)

urgencias

(Declaração : declaro que sou médico, trabalhei em urgências e em cuidados intensivos muitos anos e fui gestor hospitalar).

A gripe tem servido todos os anos como arma de arremesso contra o todos os ministros da tutela, contra todos os primeiros ministros em exercício e, à boleia disto, veladamente, contra o SNS. É sempre assim, todos os anos e será sempre assim. É um clássico! Todos os anos pelo inverno, como lobos que descem à cidade, aparecem os bastonários ( e as bastonárias) a babarem corporativismo e as diversas oposições, todos montados na hipócrita indignação do “caos dos hospitais portugueses” . 

Não nego que o trágico desinvestimento na saúde durante o governo de Passos Coelho e que o actual governo ainda não corrigiu tem um óbvio efeito de carência de efectivos em época de picos de afluência, nomeadamente nos períodos epidémicos. Nenhum sistema de saúde, pelo menos na Europa que eu conheço, tem capacidade para responder normalmente nos períodos críticos, por melhor que sejam os seus planos de contingência. E no nosso panorama hospitalar, para além da falta de recursos humanos que nestas alturas é flagrante, existe também na maioria dos hospitais, uma preocupante falta de estratégia nas chefias das equipas que não estão ensinadas para estes períodos críticos , que não obedecem a um plano e a uma hierarquia presente e actuante. 

E, depois, há um factor que todos os exaltados críticos fazem de conta que não vêem, que para mim é gravíssimo e que depende muito mais da sociedade, das famílias e do sistema de segurança social do que do sistema de saúde: o estado em que chegam aos hospitais os nossos doentes idosos (que são a maioria) . Chegam desnutridos, escariados, infectados, tantos os provenientes das instituições como muitos dos que vêm das famílias. Basta que se vejam , nestas épocas, as salas de observações das urgências e logo se constata que a grande maioria são velhos, com infecções respiratórias, ou urinárias ou cutâneas que já têm muito tempo…que estão quase num estado de abandono.

E por isso as reportagens, as fotos que são exibidas nestas alturas, mostram estes nossos cidadãos neste péssimo estado como se eles estivessem assim por causa do “caos nas urgências” Não, meus amigos! O trágico é que estes doentes JÁ APARECERAM NA URGÊNCIA NESTE ESTADO CALAMITOSO !!! Eles estão mal na urgência superlotada mas não foi nas 24 ou 72 horas de urgência que ficaram naquele estado! 

Concluo: o congestionamento nos SU nas épocas gripais será sempre inevitável. São períodos críticos, sazonais e em que o SNS tem que ter a planificacão preparada. Mas é necessário não fechar os olhos ao panorama dos nossos idosos e da maneira como, infelizmente em muitos casos, estão a ser “armazenados” sem um acompanhamento clínico, sem um apoio nutricional, sem reabilitação, posicionamentos e… sem o apoio familiar!

4 pensamentos sobre “O CAOS!

  1. Quase me parecia um mundo irreal, que eu desconheço , efetivamente. Já tive familiares velhinhos a quem prestei todos os cuidados de saúde , pessoas de vida muito longa, 93 ,97 anos , e jamais conceberia vê-los desnutridos como os desgraçados de países de terceiro mundo. Quantos olhos precisará ter o Governo para ver todas estas «chagas» que existem no país? Quem gere os dinheiros públicos , como o faz? Os Lares que recebem da S.S. imensas verbas , como as utilizam? Como cuidam os idosos? Muito triste, deprimente, até , pois amanhã posso ser eu a ser motivo de admiração e comiseração dos mais novos .

    • E para além de ter tratado dos idosos, o que é que fez para que todos pudessem ser mais bem tratados e nutridos?
      Quantos olhos é que exigiu ao anterior governo, para ver o terceiro mundo que estava a semear? – É que sem saber-mos os olhos que o anterior governo devia ter tido, não conseguimos encontrar o número de olhos necessários para este governo ver o que até agora ninguém viu, alentejaninhasite.

  2. 12h são aceitáveis? É verdade que é pior que o normal, mas não consideraria 6h de espera aceitável de qualquer maneira.

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