(José Pacheco Pereira, in Público, 07/10/2017)

Pacheco Pereira
O que eles não querem é que o PSD olhe de novo, com uma visão reformista, para os problemas sociais da sociedade portuguesa.
Por que é que a direita mais radical, a versão nacional da alt-right americana, que tem como órgão de expressão o Observador, não se preocupa com o CDS, mas sim com o PSD? Por que razão nunca verdadeiramente discutiu o projecto do CDS, mesmo com o anexo do PP, não se preocupou uma linha com a campanha despesista de Assunção Cristas, que em nada diferiu nas suas propostas do surto de reivindicações despesistas e desenvolvimentistas de praticamente todos os autarcas, sejam da CDU, do PS, do PSD e… do CDS, e pelo contrário avança com armas e bagagens para combater a possibilidade de um recentramento político do PSD?
A nostalgia dos bons velhos tempos de Passos e da troika manifesta-se em dezenas de artigos nostálgicos glorificando as virtudes daquele que é apresentado como o melhor primeiro-ministro de sempre em Portugal. Se outra coisa não mostrasse a deriva do PSD para a direita com os anos de Passos, a partir de 2012, este clamor de emergência com o destino do PSD seria a sua melhor prova. O que os preocupa é o PSD, porque instrumentalmente é o PSD que tem os votos e não o CDS, e é o PSD que pode, como se viu, prosseguir uma política agressiva que corresponda aos seus interesses e visão do mundo.
Como já referi, a nossa alt-right está para o PSD e Passos Coelho como a sua congénere americana está para Trump: não o reconhecem como sendo dos “deles”, mas têm perfeitamente consciência que foi ele que lhes deu o poder que nunca teriam nas urnas. Por isso defendem-no com unhas e dentes, mesmo quando ele hesita e oscila de um dia para o outro.
Eles sabem o que é importante, como a nossa alt-right sabe que sem Passos e com um PSD menos controlado ficam reduzidos a um pequeno grupo extremista, ou então tem que se dedicar ao CDS, que é um fraco instrumento, ou tentar fazer um partido “liberal” que, com um sistema político bastante bloqueado como o português, é uma tentativa de muito pouco sucesso previsível. Acresce que a direita tipo do PNR não lhes serve para nada, visto que é o exercício do poder político que lhes interessa e não a ortodoxia política, nem mimetismos das “frentes nacionais” europeias. Como tiveram a sorte grande, agora não lhes basta a terminação.
O governo PSD-PP, com Passos e Portas, deu-lhes um braço armado como nunca tiveram, perante a complacência de muita gente da direita orgânica e da esquerda, do PS ao Bloco de Esquerda. Não querem ficar apenas com o que já têm, embora tenham tido já bastante nestes últimos anos. Começaram a construir uma rede de influência na comunicação social (o projecto do Observador é isso mesmo), nas redes sociais, nos think tanks das universidades e fundações, num establishment intelectual e de influência que conta com poderosos apoios financeiros. Tiveram uma história com algumas ambiguidades, desde a fase de “filhos do Independente”, depois ligados ao surto dos blogues, e em que cultivavam uma aliança natural, geracional, cultural com uma parte da esquerda, com troca mútua de cumprimentos e elogios, uniram-se nos programas do “engraçadismo” e partilharam algumas causas do “politicamente correcto” que agora abominam. Depois passaram para o serious business.
Passaram de ser uma moda para o poder político e comunicacional e de uma trincheira amável, com abundante fishing for compliments, para uma grande agressividade, com ataques ad hominem e anátemas contra todos que se lhes opõem. O ataque pessoal vil que conduzem contra os “mais velhos”, os que “cheiram a bafio”, os que “já passaram de validade”, retoma um dos temas dos anos do ajustamento: o vilipêndio nunca visto contra as vozes mais velhas que podiam falar porque, entre outras coisas, não estavam à espera de ter carreiras, ou porque tinham estatuto e autoridade para falar. A guerra geracional, que encontrou numa fórmula sinistra da JSD, a da “justiça geracional”, destinada a tirar aos pais e avós para dar “aos filhos e aos netos” — na verdade, a outros pais e outros avós —, e que se manifestou em epítetos como o da “peste grisalha”, é instrumental para tentar calar ou desautorizar muitos que falam com a liberdade que eles não têm.
Na verdade, conheço muitos velhos, mesmo muito velhos, que eles veneram, alguns com um passado bem pouco recomendável. Não é a idade, são as opiniões que eles atacam em nome de uma juventude que muitos deles nunca tiveram, porque lhes afronta aqueles que sabem mais do que mandar bocas no Twitter e ter uma vaga existência política nas redes sociais.
Há várias peculiaridades portuguesas da nossa alt-right. Não é uma direita nacionalista e isolacionista, perceberam a importância que a Europa e os seus diktats económicos tinham em permitir-lhes uma tentativa de engenharia social que nunca passaria nas urnas se fosse apresentada aos eleitores. Esta foi, aliás, uma função essencial do PSD de Passos Coelho e que os levou a abandonarem as suas reservas ao federalismo e intervencionismo cosmopolita da Europa, para se tornarem europeístas. Não é por acaso que estão contra o nacionalismo catalão, não só pela sua afinidade com o espanholismo de génese falangista, mas também porque os equilíbrios do poder na Europa precisam do PP espanhol, como cá precisam do PSD.
Na verdade, não cultivam a variante do “trumpismo” do “Make America Great Again”, até porque não gostam muito de Portugal, como uma vez Portas admitiu. O país vota demasiadas vezes à esquerda, “vive do Estado”, está contente com a “geringonça”, é preguiçoso, “gosta de viver de dinheiro emprestado”, e não lhes liga muito. Mas essa atitude termina onde terminam as fronteiras da Europa e em cada cidade que tem um contingente de refugiados e/ou de muçulmanos, aí já a identidade cultural “cristã” os mobiliza.
Têm também dificuldade em lidar com as forças tradicionais a que a direita costumava dar valor, as Forças Armadas ou a polícia, porque o 25 de Abril fá-los desconfiar das Forças Armadas, e o sindicalismo policial das polícias. Mas sempre que há um incidente que lhes permita recolocar as coisas numa dualidade que lhes serve — ciganos ou emigrantes versus polícias —, enfileiram de imediato no “justo” combate.
A chantagem que é feita ao PSD de que um recentramento político — uma expressão que uso por facilidade mas que sei ser ambígua — levaria à criação de uma espécie de segundo PS não tem pés nem cabeça.
O que eles não querem é que o PSD olhe de novo, com uma visão reformista, para os problemas sociais da sociedade portuguesa, para a enorme pobreza que subsiste, para a dignidade do trabalho, para o controlo dos grupos económicos, para uma política de emigração equilibrada e justa, para uma constante preocupação com a existência de um elevador social que precisa do Estado e de impostos progressivos, que garanta direitos mínimos aos portugueses no plano da educação, habitação e da saúde.
Nalguns casos, a melhor maneira de assegurar este caminho é com menos Estado, noutros com mais. Isso, vos garanto, pode ser feito com muito mais eficácia e independência por um PSD reformista do que por um PS preso aos grandes interesses.
Por que é que isto afronta a nossa alt-right? Porque, ao diminuir o enorme fosso que separa a riqueza da pobreza e ao dar poder “aos de baixo”, seja sob a forma de direitos sociais, de educação, de trabalho, de viver uma vida digna, põe em causa o direito que os poderosos acham que têm pelo nascimento ou pela natureza à sua liberdade. Como no título do filme de Fassbinder, trata-se de contestar o “direito do mais forte à liberdade”.
É em parte tudo isto que está em jogo no actual debate no PSD, seja ele feito ou não pelos putativos candidatos. A campanha vai ser muito dura, mas sê-lo-á ainda mais se não houver qualquer debate ideológico e político e apenas um choque de personalidades e grupos dentro do partido.
Ia deixar um novo comentário ao post abaixo da clarinha, precisamente, em complemento do que já deixara e, ironia, baseado nas posições do Pacheco na última “quadratura”.
A mim, face às posições tomadas na última quadratura, também me pareceu que Pacheco, tal como a clarinha, anda perdido e muito baralhado com o seu PSD. Então não é que Pacheco concordou em tudo com o Xavier, todo azul até nos sorrisos dentários e olhinhos de golfinho, mesmo numa aliança do seu PSD em Lisboa e Porto subordinada aos candidatos do CDS? Muito estranho que duas das mais lidas e conceituadas personas pêpêdistas junto do Zé povão médio, face ao desmascaramento e desmoronamento final do cavaquismo na figura de Passos, se sintam perdidos como sem farol no meio do mar escuro.
Pacheco nem sequer, nessa quadratura, foi capaz de defender o seu velho amigo Rio das insinuações de Xavier que Cristas era bem mais capaz de congregar toda a direita inteligente; inteligente seria a que priva com ele e recebe os seus ensinamentos deu a supor claramente.
Agora neste artigo postado aqui já reconhece que “O que os preocupa ( a alt-right portuguesa) é o PSD, porque instrumentalmente é o PSD que tem os votos e não o CDS.”
Grande ironia é o homem cuja existência prevalece sobre o ser segundo uns e vice-versa segundo outros e cuja discussão é interminável levou o ideólogo Pacheco a ficar perdido enredado na própria ideologia que criou para o seu PPD/PSD desde Sá Carneiro a Cavaco Silva.
Ó Neves, desta vez foi um pouco “manso” com o Pacheco… 🙂 Será porque lhe anda a saborear o “desnorte” e não quer perder o rebuçado? 🙂
Neves é deveras escorreito na escrita. Mas Pacheco não anda perdido, nada, Pacheco é um luminar para toda a gente que o ouve e lê e eu não entendo como há gente que não se envaidece de embaixador de tal gabarito, tal inteligência, de um tal luxo …