A lamentável hipocrisia das três agências

(Nicolau Santos, in Expresso, 03/06/2017)

nicolau

A avalancha de dados positivos sobre a economia portuguesa que se tem sucedido nos últimos dois meses não comove as três grandes agências internacionais de notação financeira, cujos responsáveis, em declarações ao “Diário de Notícias”, não mostram nenhuma disposição para melhorar o rating que atribuem à dívida portuguesa (e que, em linguagem vulgar, é qualificado de lixo, ou seja, algo onde não se deve aplicar dinheiro), nem sequer o outlook, ou seja, a perspetiva, passando-o eventualmente de estável para positivo.

Os argumentos são os seguintes: “O rating pode subir se a consolidação orçamental e a redução da dívida acelerarem significativamente por comparação com as expectativas. Um crescimento económico muito mais forte seria também benéfico” (Moody’s). “É preciso perceber se esta recuperação é sustentável. Como o efeito base é muito baixo, qualquer pequena recuperação resulta num crescimento percentual muito elevado” (Standard & Poor’s). “Esperamos que a tendência pronunciada de redução do défice continue, mas a elevada dívida pública e a qualidade dos ativos bancários ainda pesam no perfil de crédito soberano de Portugal” (Fitch).

A economia portuguesa está bastante melhor. Até quando, senhores das agências, abusareis da nossa paciência, não reconhecendo esta evidência?

Ora, muito bem! A consolidação orçamental tem sido como segue: défices de 3% em 2015 (sem efeito Banif), 2% em 2016, previsão de 1,5% para este ano. E a tendência de queda vem de uns inacreditáveis 11,2% em 2010. O que será preciso para os senhores das agências reconhecerem que esta é uma tendência forte e consolidada? Segunda questão: o crescimento económico. Eis os dados: 0,9% (2014), 1,6% (2015), 1,4% (2016), 1,8% (previsão para 2017, mas o crescimento no primeiro trimestre de 2,8% aponta para um crescimento anual muito superior, podendo chegar aos 2,5% segundo o INE, mais que a média europeia). Há quem diga, contudo, que tudo está dependente do turismo. Não é verdade: as mercadorias explicam 70% do aumento das exportações. Terceira questão: a dívida. É muito elevada (130% do PIB). Mas o Governo prevê antecipar o pagamento de €7200 milhões ao FMI em 2018 e 2019 e até agora já foram reembolsados mais de €14.500 milhões do total de €26 mil milhões. Mais: como os senhores das agências saberão, um crescimento mais forte e acima do previsto, dá uma forte ajuda à redução da dívida em percentagem do PIB. Outra questão: a banca: alguém duvida que CGD, BES, BCP e BPI estão hoje mais sólidos do que em 2011 depois dos seus processos de recapitalização?

Concluindo: a economia portuguesa está indiscutivelmente melhor do que quando a nossa dívida pública foi classificada como lixo. Por isso, até quando, senhores das agências, abusareis da nossa paciência, não reconhecendo esta evidência? Resposta: até quando a sua hipocrisia entender, mesmo que os factos os desmintam todos os dias.


Um cluster a nascer na Covilhã

Decididamente, a imagem de Portugal está a mudar, entre outros factores porque hoje o país dispõe de recursos humanos muito bem preparados, com uma relação preço/qualidade altamente competitiva no contexto europeu. É seguramente isso que explica que o grupo suíço FM Industries Sycrilor tenha escolhido a Covilhã para abrir o seu novo centro de produção de bijuteria para fornecer algumas das maiores marcas de luxo mundiais, como a Louis Vuitton, Hermès, Dior, Cartier, Tiffany e Mont-Blanc. A nova unidade, que abriu no mês passado e vai criar 90 postos de trabalho, pode ser a chave para o desenvolvimento de um cluster na região dedicado à indústria mecânica de precisão, atraindo outros projetos. Estes são os investimentos que interessam ao país. Vêm para ficar, criam emprego altamente qualificado e podem contribuir para que surjam novas fileiras industriais no país.


Carlos Costa chega tarde

Desde que o sector bancário entrou em dificuldades, Bruxelas tem imposto, para aceitar apoios transitórios do Estado às instituições, programas draconianos de fecho de agências nacionais e no exterior, bem como a forte redução do número de funcionários. Além disso, o BCE não tem escondido a sua preferência por lidar apenas com meia dúzia de grandes bancos na zona euro, que serão os transmissores da política monetária europeia. Esta semana, o governador do Banco de Portugal, que aceitou a resolução do BES e do Banif como inevitáveis, acordou do seu sono letárgico e veio dizer que sempre se opôs a essas medidas e que elas são “um convite descarado e inadmissível para um tratamento” desigual entre o Norte e o Sul da Europa, prejudicando os países do Sul. Infelizmente, o mal já está feito. Carlos Costa devia ter levantado a voz na altura. Agora, o que diz é inútil e não tem qualquer resultado.


Há algo errado com os fundos?

O Expresso publicou no sábado um trabalho da Joana Nunes Mateus, sobre os principais projetos apoiados pelo Portugal 2020. A conclusão é inquietante: 19 dos 20 maiores projetos são para pagar despesa do Estado e só há um privado — um novo complexo industrial em Aveiro da Navigator. A Direção-Geral do Ensino Superior recorre a esses fundos para atribuir bolsas a alunos carenciados, o Instituto de Emprego e Formação Profissional capta aí dinheiro para pagar estágios a jovens e a Fundação para a Ciência e Tecnologia patrocina doutorados por esta via. Ou seja, a descida do défice pode estar a ser apoiada pelos fundos europeus que estarão a substituir os impostos no financiamento de salários e outros gastos com educação e segurança social. Digamos que a acusação, que vem do PSD, merece uma cabal explicação. Não há milagres em economia, Esperemos que não haja trapaça.



A mim,

o brilho fascina-me.

E as pessoas

estão a perder o brilho.

A desilusão é tão grande

que as pessoas perdem

pouco a pouco

o brilho, a luz.

Não há luz

nos olhos das pessoas.

O circo,

de certa forma,

devolve às pessoas

o brilho perdido.


(Teresa Ricou,

a alma, a seiva e o sangue do Chapitô, que esta semana comemora 40 anos, in “Tété — História da Pré-História do Chapitô — 1946-1987”, edições Chapitô)

Um pensamento sobre “A lamentável hipocrisia das três agências

  1. A SOLUÇÃO É CRIAR AGÊNCIAS EUROPEIAS E “CONTAR SÓ CONNOSCO” COMO DISSE MERKEL
    Como bem reconheceu Stiglitz há dias por cá , as decisões das agências são politicas…Está tudo dito

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