Um Presidente irritantemente otimista

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 19/05/2017)

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Marcelo Rebelo de Sousa, que acusa o primeiro-ministro de ser irritantemente otimista, fez ontem afirmações na Croácia que o colocam também nesse grupo onde até agora só estava António Costa. Com efeito, anunciar que a economia pode crescer 3,2% este ano é uma previsão tão arriscada que até agora nenhuma entidade nacional ou internacional a ousou fazer. Onde foi o Presidente da República buscar tal dado?


Com efeito, a previsão mais otimista que existe até agora para o crescimento da economia portuguesa em 2017 é de 2,4%, feito pelo núcleo de estudos da Universidade Católica. Todas as outras previsões se situam em torno de 1,8% (Governo, Banco de Portugal, Comissão Europeia) ou uma décima mais abaixo (1,7%, FMI). E mesmo face ao crescimento registado no primeiro trimestre do ano (2,8%, segundo a estimativa rápida do INE) será necessário que ele se reforce na segunda metade do ano para que se chegue ao “astronómico” número avançado por Marcelo – que, a concretizar-se, seria o mais elevado desde há 16 anos e o segundo maior deste século, após o PIB ter crescido 3,79% em 2000.

Ora Marcelo tem certamente muitas qualidades e alguns defeitos, mas não costuma avançar com previsões que não se baseiam em dados ou projeções que alguém bem informado lhe tenha feito chegar às mãos. E por isso este número merece ser analisado para se tentar perceber o que pode levar a que ele se concretize. Penso que existem três pistas que podem ser seguidas.

A primeira tem a ver com a envolvente externa, que está a melhorar lentamente mas de forma consistente. A procura externa dirigida à economia portuguesa está a crescer mas, mais do que isso, o nosso principal parceiro comercial, Espanha, para onde vão cerca de um quarto das nossas exportações, reviu recentemente em alta o crescimento da sua economia para 2,7%. Tal permite antever que as exportações nacionais vão crescer mais do que aquilo que está previsto para este ano, suportadas também em mais um excelente ano para o turismo (que é contabilizado como uma exportação), reforçado pela realização da segunda conferência da Web Summit em Lisboa, o maior certame tecnológico de startups a nível mundial.

A segunda tem a ver com o investimento, que está a aumentar por causa do quadro comunitário Portugal 2020. Contudo, a novidade é que o investimento em construção, que representa cerca de 50% do investimento total na economia, começou a acelerar em 2016, embora no final do ano passado ainda estivesse 35% abaixo de 2008. A taxa de crescimento previsto para o investimento no setor da construção varia entre 5% e 10% este ano e no próximo. O fator extra é que finalmente se verifica, como resultado da compra de muitas habitações por estrangeiros, um crescimento assinalável dos projetos de reabilitação urbana, que ainda por cima não dependem de financiamentos públicos mas exclusivamente de capital privado.

Ora com as exportações e o investimento a poderem vir a aumentar acima do previsto, também dificilmente o consumo não subirá acima do esperado. E assim, com os três motores que impulsionam a economia, exportações, investimento e consumo, a acelerarem mais que o previsto, a possibilidade do crescimento da economia ficar acima dos 1,8% projetados pelo Governo é absolutamente seguro, tendo aliás já em conta os resultados do primeiro trimestre. Chegar aos 3,2% é outra conversa. Mas num país onde se tem verificado vários “milagres” nas últimas semanas não é de descurar que mais uma vez venha a ocorrer durante este ano da graça de 2016 – o que fará de Marcelo não um presidente irritantemente otimista, mas um presidente racionalmente otimista.


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2 pensamentos sobre “Um Presidente irritantemente otimista

  1. Suspeito (mas suspeito, apenas…) que ainda haverá um outro factor que raramente vejo referenciado. Estou a pensar na «contabilização» do PIB… É que, se bem me lembro das regras de contabilização do PIB (…) uma redução de 1% na «economia paralela», sem que haja aumento da actividade económica propriamente dita, acaba por se reflectir no montante do PIB nominal. Como a máquina informática do Ministério das Finanças é capaz de estar em melhoramento constante (o «big brother»…), talvez haja aí algum efeito colateral não dispiciendo…

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