Máscaras

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 17/02/2017)

Autor

                  Pacheco Pereira

Nem o Bloco de Esquerda e muito menos o PCP são partidos populistas. Não há em Portugal um populismo de esquerda e nenhum dos temas desses dois partidos em matérias como a emigração, os estrangeiros ou as fronteiras, pode ser comparado, nem de perto nem de longe, com as posições de Trump.


Os artigos que escrevi no Público e na Sábado sobre Trump suscitaram uma discussão que ainda está em curso. Nela discute-se aquilo a que tenho chamado o “trumpismo” português. Nessa discussão falta o último artigo da Sábado, em que me refiro em particular, para o caso europeu, do papel, que penso ser crucial, do modo como se reagiu à crise financeira, com as teorias do “ajustamento”, no crescimento do populismo. A vulgata do “não há alternativa”, a definição do alvo da austeridade e o menosprezo, e nalguns casos a intencionalidade, pelo aumento da desigualdade e da exclusão, como dano colateral, criou um caldo de cultura muito favorável ao ascenso do populismo e da demagogia. No caso europeu é igualmente relevante a usura da democracia no contexto das soberanias nacionais, substituindo os parlamentos nacionais por entidades transnacionais e burocracias que usurparam poderes, desertificando as democracias.
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Voltaremos a todos estes temas, mas fiquemos para já com uma tentação que tem havido à direita, incomodada com Trump, mas ainda mais incomodada com as críticas a Trump, que é atacar Trump por ser de… esquerda. Um argumento recorrente, que, por exemplo, se encontra no artigo do Público de Paulo Rangel, mas que também habita no Observador e nos blogues ideológicos da direita, é que a proximidade maior das ideias de Trump é com aquilo que agora se chama “populismo de esquerda” e não com a direita. Aliás repete-se cada vez mais uma equivalência entre Frente Nacional, Orban, o UKIP, e Trump e outros da mesma amálgama, com o Podemos, o Syriza e, no caso nacional, com o BE e o PCP. Com toda a franqueza, acho que esta comparação não tem pés nem cabeça.

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É verdade que em toda a história do populismo moderno existe uma mistura de temas que podemos reconhecer ser da tradição de esquerda e de direita. É o caso típico do peronismo argentino, enquanto movimento, ou da acção de Huey P. Long, como político do Louisiana. Como já dissera Evita Perón, o que lhes importa não é que haja pobres, mas sim que haja ricos, e um discurso violento contra os abusos dos patrões, dos financeiros, dos poderosos de Wall Street, dos exploradores é um padrão, a que Trump não foge, mesmo sendo quem é. O problema é quando o “sistema”, o “pântano”, “eles”, são as ideias redentoras antipartidos e que põem em causa num impulso autoritário o primado da lei e os procedimentos da democracia. Já para não falar do papel de retórica desse discurso.

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Agora, nem o Bloco de Esquerda e muito menos o PCP são partidos populistas. Não há em Portugal um populismo de esquerda e nenhum dos temas desses dois partidos em matérias como a emigração, os estrangeiros ou as fronteiras, pode ser comparado, nem de perto nem de longe, com as posições de Trump. O BE é europeísta, numa versão até mais transnacional do que os nossos europeístas, ligando de facto muito pouco às fronteiras, e o soberanismo do PCP nada tem a ver com o nacionalismo de um “Portugal melhor”, mas com a hegemonia, imposta pela perda de poderes nacionais, de uma política que contestam, a do euro e da UE. Nem o BE, nem o PCP têm qualquer impulso autoritário. Mesmo no caso do PCP, onde há uma real indiferença quanto aos valores da democracia quando se fala de Coreia ou de Cuba, as razões têm muito mais a ver com a história do comunismo, do que com um papel nacional anti-“sistémico”, que colocasse em causa os procedimentos da democracia no Portugal de 2016.

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