(Daniel Oliveira, in Expresso, 30/12/2016)

Daniel Oliveira
A 15 de setembro de 2012, um milhão de portugueses saiu à rua para protestar contra uma redução da Taxa Social Única (TSU) para as empresas. Bem sei que a redução era mais substancial da que agora se anuncia, mas o princípio mantém-se: ela desequilibra ainda mais a distribuição dos custos com a Segurança Social entre trabalhadores e empregadores e contribuirá para a insustentabilidade do sistema de pensões. Para quem não queira depender da sorte e do azar da economia resta a matemática: ou esta perda virá a ser compensada pelo aumento dos descontos dos trabalhadores ou pela redução das reformas. O que quer dizer que, com o aumento do salário mínimo, se dá com uma mão o que se acabará por tirar com a outra.
É bom recordar que a legitimidade de António Costa não resulta dos votos conquistados pelo PS, mas do entendimento entre as quatro forças políticas que lhe dão maioria. Sem isso, a legitimidade para governar seria de Passos Coelho. Acontece que, no que toca à redução da TSU, o Governo estava condicionado pelo acordo assinado com um dos partidos — o PEV —, que a impedia. Na mesma semana em que o violou de forma grosseira, Vieira da Silva socorreu-se do programa do Governo para recusar as propostas de aumento de tempo de férias. Num caso manda às malvas o que assinou, noutro defende-se com o que foi aprovado. O aumento do salário mínimo não tinha de ser acordado em Concertação Social. Como o próprio António Costa deixou claro, o Governo tem a maioria parlamentar para decidir. Como já não vivemos no regime corporativista, cabe aos eleitos e não às associações empresariais e laborais decidir da lei nacional. Claro que era melhor envolver os parceiros sociais. Só que não houve acordo. Com a principal central sindical de fora, o Governo limitou-se a aceitar as condições impostas pelas associações patronais. Para quem acusa a CGTP de não assinar qualquer acordo (em compensação, a UGT assina-os todos), recordo que, em 2007, todos os parceiros sociais se comprometeram com um documento de longo prazo que garantia um salário mínimo de 500 euros em 2011. Só que o salário mínimo foi congelado quando a troika chegou ao país, ficando pelos 485 euros até meados de 2014. Que compensação receberam os trabalhadores por este congelamento e pelo não cumprimento do acordo? Nenhuma. Porque tem agora de haver uma moeda de troca para os empresários?
Portugal é um dos países europeus com maior desigualdade salarial. A instituição de um salário mínimo decente, com o qual se possa viver, é um dos mais poderosos instrumentos de combate a esta desigualdade, que nada tem a ver com a falta de dinheiro mas com a forma como o distribuímos. Ao reduzir em 1,25 pontos percentuais a TSU para as empresas com trabalhadores que recebam o SMN, o Governo acaba por dar um prémio a quem decida pagar o salário mais baixo que a lei permite, punindo os restantes.
O aumento do salário mínimo deveria ser um momento de celebração. Mas, depois de passar pela “feira de gado”, transformou-se numa violação dos acordos à esquerda, na transformação dos sindicatos em parceiros sociais menores, em mais um prego no caixão da sustentabilidade da Segurança Social e na subsidiação pública do salário baixo.