(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 24/11/2016)
Passos antecipou Trump em 5 anos. A uma campanha de espectaculares mentiras seguiu-se uma governação de inveteradas pós-verdades. Não ia cortar pensões, subsídios, salários, funcionários públicos. Ia cortar gorduras no Estado. Quem é que se pode opor ao corte de gorduras no estado seja de quem for?
Para além disso, o FMI era um bacano e o acordo do resgate de emergência, nascido do boicote parlamentar ao garantido apoio europeu que o evitaria no futuro de curto e médio prazo, confundia-se com o programa que levava a votos, só pecando aquele por não ser tão ousado quanto a sua ambição. O rating de Portugal subiria em 6 meses assim que o Mundo fosse informado do regresso do PSD a S. Bento. As contas estavam todas feitas, berrava o laranjal. Com Passos no leme, navegaríamos a direito em direcção ao além-Troika, vinha aí a revolução. A economia ia ser “democratizada”, afiançou com os olhos postos na República Popular da China e nos magníficos negócios na calha. Cereja no topo do bolo, jamais regressaria ao passado para se justificar com a situação presente, garantiu numa ocasião solene. Sabemos o que se seguiu. Seguiu-se o “Governo mais liberal de sempre” e o seu peculiar gosto pelo empobrecimento como punição e o colossal aumento de impostos como panaceia, tudo embrulhado na subserviência aos radicais do fanatismo austeritário.
Como é que a sociedade reagiu a esta postura hipócrita, dúplice, oportunista e factualmente traidora ao interesse nacional? Como é que a comunidade lida com políticos com este grau máximo de desonestidade eleitoral e política – sem análogo conhecido na democracia portuguesa? Os apoiantes rejubilaram, pois na fúria tribal vale tudo para obter poder. A lógica da diabolização dos adversários é a de os transformar em inimigos e, consequentemente, em alvos da maior violência possível ainda antes de eles nos atacarem. Basta a suspeição de que irão lutar pelos seus interesses para justificar os ataques antecipados e a recusa de qualquer acordo. Essa foi a estratégia seguida com Sócrates desde 2008, alguém visto pela direita e pela oligarquia como forte de mais para ser derrotado apenas no páreo eleitoral, e ainda como um líder com quem teriam de fazer cedências (ou seja, que não conseguiriam comprar). As golpadas judiciais-mediáticas sucederam-se logo a partir de 2004, e em 2010, em cima do furação provocado pela crise das dívidas soberanas começado na Grécia e da armadilha do Governo minoritário, havia quem na direita preferisse ver um Governo com o PCP do que com o PS de Sócrates, outros gozavam o prato a exigir que o próprio PS defenestrasse o seu líder caso quisessem negociar soluções de governação com o PSD. Ao mesmo tempo, incluindo pela boca do próprio Passos Coelho e do Pacheco Pereira, entre outras figuras menores e contando com a agenda política da indústria da calúnia, alimentava-se o discurso do ódio que apelava à prisão de Sócrates e de quem com ele governava. Era o tempo em que todos os actos governativos estavam sob suspeita, em que todos os governantes era ladrões ou cúmplices de ladrões.
Tal como Trump agora, a direita portuguesa então jurava ir secar o pântano da corrupção socialista. Não há rigorosamente diferença nenhuma entre um e outro discurso. Tal como não há diferença nenhuma entre a facilidade com que um e outro mentem em público e para o público.
Passos continua como presidente do PSD e até consta que pretende voltar a ser primeiro-ministro. Espantoso? Nada, pois este é o mesmo país que reelegeu Cavaco depois dele ter usado a sua função presidencial para violar a Constituição, violar o seu juramento e entrar a fundo na baixa política e nas golpadas eleitorais. Os interessados em estudar o fenómeno do ponto de vista da ciência política, da antropologia e até da psicologia apenas terão de reler o que os conspícuos apoiantes de ambos diziam a seu favor in illo tempore.