Aproveitar o “falatório” dos salários “pornográficos” dos administradores da Caixa (CGD) para fazer o que é preciso ser feito.

(Joan Percar, in Blog A Mudança, 22/10/2016)

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Muito se tem falado dos salários dos administradores da Caixa, particularmente do seu Presidente António Domingues, mas muito de insensato tem sido dito.

O Conselho de Administração (CA) é o órgão central da gestão, cabendo-lhe um conjunto de atribuições e responsabilidades nos termos da Lei e dos estatutos (empresas ou das instituições).
Os membros executivos do CA são aqueles que, em termos estratégicos, fazem as coisas acontecer, empenhando-se, diariamente, em tomar e executar decisões com vista a alcançar os objectivos organizacionais. Ora, este processo é geralmente complexo, dependendo do grau de concorrência e de sofisticação do mercado em que a organização actua, dependendo da sua dimensão, idade, estrutura, tecnologia, cultura, …, dependendo do contexto económico, social, politico e tecnológico, consoante as geografias onde actua e, permita-se enfatizar, depende muito do grau de envolvimento e comprometimento, competências e mérito dos colaboradores da organização.
Em geral, as recompensas extrínsecas dos Gestores/Administradores estão ligadas a parte ou a todos estes aspectos e mesmo a outros. As empresas, certamente, quererão atrair e manter os melhores Gestores, pelo que a sua remuneração será fixada considerando a expectativa do seu desempenho, os resultados esperados bem como ter em conta o alinhamento com as empresas do mesmo sector/mercado. Do meu ponto de vista, e contrariando algumas opiniões, não deve ser considerado para o efeito se a empresa é de capitais públicos ou de capitais privados. Se pelo facto de ser pública limitasse o salário a um valor que nada tem a ver com o mercado a empresa estaria a pôr em causa a sua equidade externa, contribuindo, seguramente, para não ter os melhores na sua Gestão, potenciando o risco da eficácia e eficiência exigidas. Por outro lado, por “alma de quem” um Gestor com “créditos firmados”, designadamente no sector, há-de estar disponível para a administração duma empresa de capitais públicos, para servir a causa pública por um salário bastante inferior? Como se costuma dizer, bastará tentar “colocar-nos no lugar” e pensar sobre o assunto. A propósito, sendo diferente, bastante diferente, costumo dizer que deveríamos ter no Governo, fosse qual fosse, os melhores. Pois bem, apesar de defender que o salário dos governantes deva ser revisto, na ordem dos 50%  (é ridículo o que se passa), entendo que, neste domínio (não havendo mercado) é capaz de fazer sentido a ideia de mobilizar pessoas com elevado sentido de serviço da “causa pública”.
Outra questão que se tem falado, tem a ver com a existência ou não de remuneração variável, vulgarmente designada de prémio ou bónus. Ora, em lugares de administração e de direcção tal é absolutamente comum. Penso que bem. Parece-me justo que um dirigente possa ter uma melhor remuneração se os objectivos e os resultados forem alcançados ou superados. (aliás, penso o mesmo para todos os colaboradores de qualquer organização). Entre nós, sobretudo depois da crise internacional de 2008, as remunerações variáveis dos Gestores têm vindo a perder peso, todavia, em economias desenvolvidas e mercados competitivos, a remuneração variável chega a atingir 80% da remuneração total. Em Portugal, contudo, a remuneração fixa, quando existe remuneração variável, tem tido um peso superior a 50%/60%. Qual seria o peso ideal? Depende de muitos factores, incluindo a cultura organizacional. Como somos de “brandos costumes”, de “arriscar” pouco, diria que o peso da remuneração fixa deveria situar-se entre os 50% e 70%, sendo que a remuneração variável dependeria de objectivos fixados anualmente, também eles com diferentes ponderações.
E então, a remuneração fixa de cerca de 30 000€/mês atribuída a António Domingues é adequada? Se atendermos exclusivamente à equidade externa diria que sim, é isso que paga o mercado, todavia, importará, também, verificar se é salvaguardada a equidade interna. Se o parece ser relativamente aos demais administradores porque é normal o CEO ter uma remuneração superior aos outros executivos, já não sei dizer relativamente aos colaboradores da Caixa Geral de Depósitos, designadamente porque não sei qual o seu salário médio. Tendo, contudo, a pensar que não é adequada. É bem provável que exista um “gap” excessivo entre o salário do CEO e o salário médio pago pela Companhia (CGD). Se isto for um problema, como julgo que é, não tenho dúvidas que é semelhante em toda a banca, sendo portanto, igualmente grave.
Este “gap” é o maior gerador de desigualdade no nosso país e, por isso, deve merecer maior atenção de toda a sociedade, em particular dos decisores políticos.
Existirão, pelo menos, duas formas de melhorar este “gap”, e combater assim, “à séria”, este gerador de desigualdade.
Uma, pouco ortodoxa, mas eficaz, consistiria em impor, por decreto, o salário máximo possível numa organização. Por exemplo: o salário máximo não poderia ultrapassar 20 vezes o salário médio. (Só para se ter uma ideia, actualmente o salário médio em Portugal rondará os 800€, o que significaria que o salário máximo médio não poderia ultrapassar 16 000€). Grande virtude do modelo: os gestores seriam tentados a aumentar o salário médio da empresa para que o seu salário pudesse subir. Disse há pouco que este modelo seria pouco ortodoxo, por ser por decreto, todavia, lembro que a Suiça referendou há 3 anos um modelo deste tipo, em que o salário máximo possível numa empresa seria 12 vezes o salário mais baixo pago nessa mesma empresa, contudo, o referendo não obteve a maioria de 2/3 para sair vencedor pelo que a lei não avançou. Nos países do Norte da Europa a amplitude salarial é bastante mais baixa e consequentemente mais justa.
A outra “solução” para colmatar as desigualdades, equidade interna, seria ter uma taxa de imposto (IRS) de tal modo progressiva que, acima dum valor (tome-se o exemplo anterior – 16 000€/mês) a taxa de imposto poderia ser próxima dos 100%, desincentivando, assim, os salários acima desse valor, sendo, depois, o estado, na sua função redistributiva, a melhorar as condições daqueles que menos ganham.
Enfim, pela minha parte, que continuo empenhado em bater-me por menos desigualdade, porque acho absolutamente chocante e indigno o que se passa entre nós, parece-me que salários de 30 000€ (420000€ anuais) a que se juntarão – se correr bem – mais 12 000€ de salário variável mensal (170000€ anuais) sendo “pornográficos”, são os adequados tendo em conta os valores pagos noutras instituições semelhantes. E nem são os mais elevados, recordo, a título de exemplo, que António Mexia ganha cerca de 200 000€/mês (2 500 000€ anuais), ou seja, 4 vezes mais do que António Domingues, num mercado em oligopólio, onde o difícil é não apresentar resultados excelentes, porque os portugueses pagam a electricidade mais cara da Europa.
Esta “pornografia” devia ser proibida e eu espero que os governantes sejam capazes de promover melhor bem estar, senão para todos, para a maioria dos cidadãos.

4 pensamentos sobre “Aproveitar o “falatório” dos salários “pornográficos” dos administradores da Caixa (CGD) para fazer o que é preciso ser feito.

  1. Parece evidente que todos os funcionários públicos devem estar sujeitos à lei geral do Estado para os seus servidores. A diferenciação que se tenta introduzir é contra «natura». Além de que passa um atestado de incompetência para não dizer de palermice a todos os que se dedicam seriamente ao cumprimento das suas obrigações públicas desde o presidente ao república ao primeiro ministro, ministros, enfim, a todos os funcionários do Estado que nada mais auferem que a tabela em vigor. E, acresce a banditicidade que a isenção de prestar contas exibe. Quem se exime a provar a origem dos seus ganhos é um Al Capone legalizado.

    • Obrigado pelo seu comentário. Como é sabido os actuais administradores da CGD não são funcionários públicos. E , relativamente ao Governo, no sentido de detentores de cargos políticos, porque eleitos ou nomeados, escrevi no texto: “A propósito, sendo diferente, bastante diferente, costumo dizer que deveríamos ter no Governo, fosse qual fosse, os melhores. Pois bem, apesar de defender que o salário dos governantes deva ser revisto, na ordem dos 50% (é ridículo o que se passa), entendo que, neste domínio (não havendo mercado) é capaz de fazer sentido a ideia de mobilizar pessoas com elevado sentido de serviço da “causa pública”.”

      • Obrigado pela atenção. A questão é de fundo: a comunidade humana é um todo que o sistema económico divide em «fatias» – síndrome cartesiano – e pretende que essas «fatias» sobrevivam independentes das necessidades da comunidade. Como se esta existisse apenas para satisfazer esses fins. Esquece-se, permanentemente, que a comunidade existe porque existe e não para satisfazer sonhos megalómanos que ninguém pediu nem satisfaz. A irredutível e espontânea tendência humana para a auto superação impõe-se e legitima, aparentemente, esses fins. Pelo empenhamento colocado na sua realização porque, não esquecer, não lhes é dada alternativa. Ou é assim ou espera-o a fome, o abandono e o desespero. Falta demonstrar que de facto essas «fatias» trazem satisfação natural aos anseios inatos do ser humano. A CGD é apenas um desses fins… sem fim… As catástrofes económicas tal como as guerras fazem parte da história, porém, não aprendemos. Continuamos, alegremente, repetindo… Demencial, caro contricante. Ou apenas Sisífico?

  2. Muito obrigado mais uma vez. Estou inteiramente de acordo com o que diz. Apesar do erro ser, segundo uns, a melhor forma de aprendizagem, sou dos que penso que a sociedade não apreende essa ideia. Se demencial ou sisífico tenho dificuldade a julgar, embora me pareça que haverá características de ambos.
    Trouxe o caso dos Gestores da CGD para, mais uma vez, falar do problema maior da humanidade, a gritante desigualdade. Essa tenho a certeza que urge combater.

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