O meu cepticismo

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 16/09/2016)

Autor

                 Pacheco Pereira

Num debate recente afirmei a minha convicção de que a “geringonça” não ia durar muito. Só não fiquei no “clube da catástrofe” liderado por Passos Coelho porque ele deseja ardentemente que ela não dure, e eu penso que é positivo que dure, mas não tenho muita esperança. Um assistente ao debate perguntou-me: “Porque é que diz isso?”. E eu respondi: “Não é por desavenças interiores, é por causa da Europa.”

O que é que significa esse “por causa da Europa”? Aquilo a que hoje se chamam “regras europeias”, que não são nem regras, nem europeias, é uma receita para a estagnação económica, acompanhada pelo aumento das desigualdades e pela destruição da mobilidade social. Ou seja, a conjugação do Tratado Orçamental – que convém dizê-lo não é um Tratado “europeu”, mas apenas de uma parte de países europeus – com a condução do Eurogrupo e as posições de vários comissários europeus impedem o governo PS de tomar medidas que permitam, em termos significativos, fazer o País crescer.

Não é de agora, já vem de antes porque sabemos hoje que a manipulação dos números do governo PSD -CDS era grande, e nenhum dos objectivos principais tinha sido conseguido. Nem o défice, nem a dívida, nem a resolução do mais grave problema da economia portuguesa, o sector financeiro. Só que agora o governo fica entalado por dois lados, nem pode prosseguir a sua política, de reposição de rendimentos e aumento do consumo interno, não pode fazer investimentos a partir do Estado para “puxar” a economia (sim, não é um crime, é uma opção política e económica), nem pode satisfazer os “falcões” do “ajustamento” que estão no Ministério das Finanças alemão, no Eurogrupo, e na Comissão.

Sim, é verdade que o governo parece estar a controlar o défice, mas fá-lo com medidas que ajudam a deprimir a economia, quer por acção quer por omissão. Uma das maiores tretas que diz a oposição é falar num “modelo económico do PS”. Não há nenhum “modelo económico do PS” e, se houver, não se percebem as críticas porque é estranhamente parecido com o do PSD-CDS. A grande diferença vem de que o PS e os seus aliados querem mudar o alvo da austeridade, mas com enormes dificuldades.

O meu cepticismo vem de que, a uma determinada altura, as vozes europeias vão colocar o Governo perante opções que não são comportáveis com o acordo que lhe dá maioria na Assembleia. Quem as impõe sabe disso e isso é um incentivo a propô-las. O que se passará depois, não sei. Mas sei que convinha pensá -lo e prepará-lo, porque não é sempre possível passar pelos pingos da chuva. E vai chover muito.


José Rodrigues, o homem que não parava de desenhar
Fui amigo de José Rodrigues, escrevi sobre ele quando, in illo tempore, fazia crítica de arte (imaginem!), viajei com ele, “vivi” quase quotidianamente à sua volta durante um par de anos, ele fez-me vários retratos e dele possuo dezenas de pequenos desenhos e vários quadros de diferentes períodos. E correspondência, feita de gatafunhos, porque escrever não era o seu forte. Podia ter uma escultura, mas na altura não sabia onde a pôr e fiquei sem ela. Tenho pena, mas os tempos eram atribulados.

Mas o José Rodrigues é-me inesquecível porque fazia parte daquele pequeno grupo de pessoas que têm uma arte inscrita na cabeça, na voz, ou nas mãos, que o fazia compulsivamente desenhar com tudo o que tinha à mão ou ao dedo. Desenhava nos guardanapos de papel, nas toalhas, no verso de envelopes ou programas, nas margens de um jornal, mas desenhava sempre. Usava a caneta, qualquer caneta, e molhava o dedo nos restos do café para sombrear o que desenhava. Sem parar. O outro caso que conheci, esse com as palavras, era o Vasco Graça Moura.

O José Rodrigues, o mestre, uma velha palavra cada vez mais em desuso, também porque não há mestres, era intitulado de “escultor”. Esculpiu muitas peças, fez medalhas, e várias obras suas fazem parte da iconografia da cidade do Porto. Mas o desenhador foi sempre, para mim, o que era o José Rodrigues. Bastava estar com ele, para ver uma mente que se manifestava sem parar nas mãos e que moldava o material à sua vontade com uma imaginação física, essa sim afim da escultura.

Tinha uma cultura de autodidacta, sem teorias nem complicações, muito menos com “conceitos” e “projectos”, e contrastava nos Quatro Vintes com o Ângelo de Sousa que era o mais intelectual de todos. O Armando Alves e o Jorge Pinheiro ficavam no meio da escala. Mas, o José Rodrigues, quando via algo que lhe agradava artisticamente, mudava de um dia para o outro de estilo, passava da sua enorme capacidade para desenhar em termos figurativos, para experiências de abstracção completamente distintas. Funcionava por osmose, também porque não tinha muitos preconceitos em intelectualizar o que fazia.

Da última vez que o encontrei já estava bastante doente, alquebrado, mas mantinha ainda os traços de um velho sátiro, que nunca olhava para ninguém, principalmente para as mulheres, com inocência. Gostava dele, sabia do seu valor, vai fazer falta.

2 pensamentos sobre “O meu cepticismo

  1. Hoje os dirigentes europeus estão reunidos em Bratislava numa espécie de “geringonça flutuante” sobre o Danúbio, para discutir do futuro da Europa das sucessivas crises que a sacudiram. Oxalá não se afunda ou talvez fosse a solução de todos os nossos problemas.
    Mais a sério…talvez deveríamos sair do euro e da União ? Que pensa desta solução o Dr Pacheco ??

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