Comissão de retórica

(Daniel Oliveira, in Expresso, 18/06/2016)

Autor

                    Daniel Oliveira

Entre 1998 e 2008, quando rebentou a crise financeira internacional, o Estado recebeu, além dos impostos de todos os bancos, 2,7 mil milhões de euros em dividendos da Caixa e zero do BPN, Banif ou BES. Quando a Caixa correu bem o Estado ficou com o lucro, quando correu mal ficou com o prejuízo. Quando os privados correram bem os acionistas ficaram com o lucro, quando correram mal o Estado pagou o prejuízo. É por isso que a comparação entre o que o Estado põe na CGD e o que enfiou na resolução de outros bancos é absurda. O Estado é acionista e, como qualquer acionista, recapitaliza o que é seu. Dito isto, a fatura é impensável e vem de longe. Uma parte explica-se com a crise financeira e económica. Mas todos sabemos que há mais e vem de há mais tempo do que isso. E basta olhar a lista dos principais devedores em risco para perceber, sem grande dificuldade, onde está o problema. Além de uns espanhóis, estão os do costume: Espírito Santo, através do grupo e do Vale do Lobo; o grupo Mello, através do grupo Efacec e da Brisa; o grupo Lena; o angolano António Mosquito, com as suas ligações a Manuel Fino, acionista da Soares da Costa e da Cimpor; e Américo Amorim, através da Finpro. Alguns destes créditos são compreensíveis, outros são discutíveis, outros pior do que isso.

A meio de uma negociação com a Europa para a recapitalização, o PSD quer saber tudo o que se passou na Caixa e se esqueceu de perguntar e resolver quando tinha a sua tutela. Mas PSD, CDS e PS não precisam de uma comissão de inquérito para saber a verdade. Basta perguntarem aos seus militantes e ex-governantes que foram administradores da CDG.

O PS pergunta a António Vitorino, o Zé dos Plásticos das empresas nacionais, que juntou cargos na Caixa, na Brisa e na Finpro, só para me ficar pelos principais devedores. A António Castro Guerra, que passou pela Cimpor e pela Brisa. A Armando Vara, de que sabemos o suficiente para não precisarmos de dizer muito mais. O PSD pergunta a António de Sousa, que também foi administrador da Brisa. A Faria de Oliveira, responsável por muitos dos negócios que agora apoquentam o país. A Mira Amaral, que conseguiu que lhe oferecessem um BPN limpinho. A Pedro Dias Alves, que saltitou entre o Ministério da Saúde, o grupo Mello e os hospitais da CGD. E podem todos perguntar a Daniel Proença de Carvalho, que esteve na Caixa, no Espírito Santo e na Cimpor, tendo ido trabalhar com António Mosquito, mais uma vez ficando apenas nos devedores.

Não precisam de uma comissão de inquérito para descobrir o estão carecas de conhecer. No PSD, assim como PS e no CDS, todos sabem que o problema não é a Caixa. Essa vive os dramas de toda a banca. É quem se passeia entre a banca privada e pública, governos e empresas, e faz carreira a garantir que a mão de um lado lava a mão do outro. Podiam parar agora de fazer asneiras. É que não é por acaso que não se costumam fazer comissões de inquérito sobre bancos em funcionamento. Se alguma coisa realmente nova e chocante fosse revelada sem violar o sigilo bancário, funcionaria como uma espécie de rodapé da TVI sobre o Banif. Só que todos os dias, durante meses. E assistiríamos na Caixa ao que assistimos nos bancos privados quando se instalou a dúvida sobre a sua credibilidade. E desta vez teria sido o poder político a pôr em perigo o maior e mais seguro banco nacional. No fim, pagava o contribuinte.

Um pensamento sobre “Comissão de retórica

  1. Muito bem Daniel Oliveira !
    E ainda faltam os negócios dos últimos 5 anos a quem se pode perguntar a Bruxelas … ou não … Não sei se Bruxelas sabe como é que a Fidelidade Seguros foi parar às mãos da chinesa Fosum …os detalhezinhos … De todos os negócios eu agradecia uma explicaçãozinha sobre este da companhia de seguros comprada por uns chineses falidos com dinheiro emprestado pela próprio vendedor (a Caixa). Genial ! e paga o contribuinte.

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