“Ó da GUARDA”!

(Joaquim Vassalo Abreu, 05/05/2017)

ódaguarda

Eu recordo-me, dos meus tempos de infância, que esta expressão era usada pelo povo quando, vítima de alguma ameaça, roubo ou qualquer flagrante delito, se chamava pela Guarda, neste caso a Republicana, gritando a plenos pulmões o pregão em epígrafe.

Vem isto a propósito do propalado encerramento do balcão da Caixa em Almeida, a quem nem a sua celebérrima “Alma” parece valer. Mas, na verdade, ela também só vai “Até Almeida”!

E ouvindo vagamente as notícias surgiu-me uma perplexidade: não me lembrava de todo do tal “dito” e surgia-me sempre o “Para lá de Almeida mandam os que lá estão!”. E, apesar de não me soar bem, pois tinha a perfeita noção que não seria bem assim, também não deixava de notar certa coerência na frase. Pois reparem: se “para lá” de Almeida mandam os que lá estão, para lá da muralha, portanto, “para cá” mandariam os Almeidenses, pese a quase simbiose existente entre estes e os seus vizinhos, que sendo quase de nascença bilingues, também apresentam cruzamentos vários que nenhuma amurada conseguiu reprimir.

Pensava eu nisto quando, de repente, me dei conta do engano e caí na realidade: o certo é “Para lá do Marão mandam os que lá estão!”. Mas como a minha memória, apesar de teimosa às vezes, me obriga a um esforço suplementar, cheguei finalmente à  tal Alma até Almeida”!

E admirado fiquei de, esta sim, demonstrativa da ancestral coragem dos Almeidenses perante as constantes investidas do vizinho, da sua perseverança em pertencer a esta ditosa e amada pátria, lutando estoicamente até contra as invasões francesas, não se tenha revelado capaz de resolver esse pequenininho problema- o do encerramento do balcão da Caixa e tenha que ter chamado a Guarda.

 “Ó da Guarrrrrrrdaaaaa”. “Ó da Guarddddddddaaaaa”, gritaram eles, em frente à de Almeida Caixa. De cadernetas ao alto nas suas mãos bem levantadas, como que perguntando: que fazemos agora às nossas cadernetas?

Os bigodes do Vice-Presidente e do Presidente espelhavam os sinais de raiva incontida que lhes caíam narinas abaixo e espumavam de fúria quando alguém lhes foi dar o recado que, lamentavam, mas o balcão já dava prejuízo há cinco anos consecutivos!

Como prejuízo? Então um balcão carregado de depósitos, mesmo não emprestando ( lá paga-se tudo “al” contado), como dá prejuízo? Não empresta aos outros que, esses sim, emprestam sem o terem? Que a margem de intermediação é muito baixa e os “serviços” não compensam. Só compensava se os depositantes pagassem para lá ter o seu dinheiro! AHhhhhh, disseram eles de boca aberta! A confusão tornou-se tanta que foi aí que tiveram que chamar “O da Guarda”!

O agora capitão da Guarda, que já antes tinha sido major em Gouveia e furriel na Agricultura e que parece que não quer ficar por aí, o capitão da Guarda Amaro lá foi em auxílio dos seus consortes e correlegionários, quem sabe seus compadres até. Foi dar-lhes conforto e, em nome do seu, deles, nobre partido, prometeu-lhes uma palavrinha ao seu chefe supremo, para este dar também uma palavrinha àquele que já foi seu súbdito e que agora pensa que é o maior, o tal de Macedo, o novo general da Caixa, apesar de desconfiar que, agora, este não lhe vai ligar qualquer cartão!

De modo que este, o antigo chefe do agora general, prometeu deixar-lhe um cartão! “A ver”, como dizem os seus, deles, vizinhos espanhóis…

Mas, vendo este intrincado problema, que de tão intrincado não se lhe descortina solução à vista, eu, sim eu, aproveito este para lhe, ao capitão da Guarda, dar um conselho. Igual a muitos que vou dando e aos quais ninguém tem ligado e sempre com as consequências que se conhecem: nenhumas!

Pense comigo Sr. capitão Amaro, da Guarda: Quem manda do lado de lá? Do Marão, pergunta ele? Não capitão, do lado de lá da muralha! O “La Caixa”! Não tinha reparado? Qual é a grande diferença? Um simples “L”. Está a seguir? Bom! De modo que como o “LA CAIXA” também já manda do lado de cá, porque não reivindica um “LA CAIXA” para substituir o “A Caixa” em “La” Almeida? E, já agora, aproveite e peça também um para a sua “La Guardia” e mande às favas o “a Caixa” e o general Macedo. Isso é que era ter alma até…

E vou-lhe dar um último conselho, mas deste não diga a ninguém. Segredo, ok? Ligue ao seu amigo “Ulrico”, que ele é tu cá tu lá com o tipo de lá que agora manda cá, o Forero!

Aí é que o Sr. capitão Amaro virava Coronel! Nem que se ficasse pela Guarda!


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Que esperem pela recapitalização e se vão

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 15/11/2016)

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                        Daniel Oliveira

Já toda a gente falou. O Governo desobrigou-se do compromisso dos administradores não terem de entregar a declaração de rendimentos. Um compromisso que nunca deveria ter existido. E mesmo que tenha sido essa a sua vontade, nenhum governo podia comprometer-se para lá de decisão do Tribunal Constitucional. O Presidente da República apoiou este ponto de vista. Todos os partidos que suportam o Governo e todos os partidos da oposição defenderam o mesmo. E o Tribunal Constitucional já notificou os administradores para cumprirem o seu dever legal. Isto deveria ser um ponto final: entregavam a declaração e o assunto estava resolvido.

Não tenho qualquer interesse em ver as declarações de rendimentos dos novos administradores da Caixa – não tenho qualquer tendência voyeurista – e só acho que merecem análise quando tivermos de comparar o que tinham e o que têm no fim do mandato. Ou seja: no fim. Mas se a lei determina que é para entregar agora e que fica imediatamente pública e se é este o entendimento do TC, já não há grande coisa para discutir.

Para António Domingues e os seus administradores isto não é um ponto final. Ao que parece, aliás, consideram que os seus desejos valem mais do que tudo o que referi no primeiro parágrafo. E se assim é, não tenho já qualquer dúvida que estas pessoas não são as indicadas para gerir um banco público. Aliás, tenho a certeza que não se dariam a estas frescuras se fossem administradores de um banco privado e os acionistas lhe fizessem exigências semelhantes. Parece evidente que estes senhores, ainda antes de estarem no total exercício do seu mandato, já se comportam como se estivessem acima da lei.

Ao que parece, há vários administradores que estão irredutíveis e ameaçam com demissões. A primeira reação que tenho é esta: que se demitam. Estão no lugar errado e não compreendem a que tipo de escrutínio um gestor público está obrigatoriamente exposto. E quem não compreende isto não pode trabalhar para o Estado. Ninguém está a devassar a sua vida privada ou a pedir-lhes o impensável. Está a pedir-lhes o mesmo a que foram sujeitos todos os deputados, o primeiro-ministro e o ministro das finanças que os nomearam, todos os gestores públicos que trabalham nas muitas empresas do Estado, incluindo na Caixa. Se acham que estão acima de todas estas pessoas temos, parece-me evidente, um problema de megalomania. Se acham que o Tribunal Constitucional não tem autoridade sobre eles é ainda mais grave do que isso.

Mas se vão demitir-se do cargo – e pelo que me está a ser dado a ver começo a desejar que o façam –, têm um dever patriótico: esperar pela recapitalização pública da Caixa Geral de Depósitos. Esse é um dever que têm como portugueses, não dando à Comissão Europeia a oportunidade de travar o processo e aos que conspiram pela privatização da CGD de aproveitarem o caos para conseguir o que desejam.

Se não estão à altura dos seus deveres enquanto gestores públicos, que ao menos estejam à altura dos seus deveres como portugueses. Porque quanto ao resto, esta novela já cansa. Os caprichos destes senhores não valem a tinta que já gastámos com eles e o dinheiro que ainda vamos gastar.

CGD: uma embrulhada arriscada

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 07/11/2016)

Autor

                             Daniel Oliveira

A novela da administração da Caixa Geral de Depósitos parece não ter fim nem ninguém com o mínimo de sentido de Estado a intervir nela. Os administradores nomeados parecem acreditar fazer parte de uma elite intocável que não tem de responder, como teria num banco privado, às exigências do seu acionista, que é o Estado, e às da lei, da qual nem o representante do acionista (o Governo) os pode isentar. O PSD faz exigências, em relação aos salários dos administradores e às condições para ocuparem o lugar, que são a negação de tudo o que sempre fizeram e defenderam. António Costa parece querer lavar daí as suas mãos, não assumindo as responsabilidades evidentes que tem ele ou o seu ministro das Finanças. A falta de experiência política de Mário Centeno continua, aliás, a ser um dos maiores problemas deste governo.

O líder parlamentar do PS, Carlos César, empurra para o Tribunal Constitucional, dizendo que este deve ter uma posição proativa no que toca à entrega das declarações de rendimento dos gestores. O Presidente da República também. O presidente do TC diz que o organismo que dirige tem de ser estimulado. O Governo e o Presidente querem que o Tribunal Constitucional responda a uma pergunta que não fazem e o Tribunal Constitucional não quer responder sem que a pergunta lhe seja feita.

É neste grau de infantilidade que estamos, e não é difícil perceber porquê: ninguém quer precipitar uma demissão da administração da Caixa Geral de Depósitos, apesar de serem vários os que a desejam. Por causa de António Domingues, do seu salário ou da declaração de rendimentos que não quer pública? Claro que não. O PSD e o CDS não se podiam estar mais nas tintas para isso.

O que está em jogo é a recapitalização do banco público. O Governo teve uma vitória fundamental num braço de ferro com Comissão Europeia, onde não abundam os que acham que os pequenos países devem ter bancos e ainda por cima públicos. Se a administração vai ao ar, pode ir ao ar a recapitalização. Se a recapitalização vai ao ar, António Costa tem o seu problema mais grave desde que chegou a São Bento e, como sonha Passos Coelho mas não teve coragem de o fazer, a privatização fica mais próxima.

É por isto ser tão sério que me custa a compreender como se pôs o Governo nas mãos de um presidente do Conselho de Administração da CGD, cedendo a tantas exigências, fazendo leis à medida, permitindo que ele desse aos restantes administradores garantias que legalmente não podiam ser dadas. Estando tanto em jogo, como foi isto tratado com os pés? E não me digam que só assim poderiam ter “o melhor gestor”. Mesmo que seja o melhor, não vale o risco que se está a correr. Vinha o segundo melhor, que aceitasse que ser gestor de um banco público é ser gestor público. Não seria preciso muito para lhe explicar: basta alguma intuição política e um conhecimento rudimentar da língua portuguesa. Agora, Costa está, por culpa própria e de Centeno, nas mãos de Domingues. Para além do risco para o banco público, a imagem que passa não podia ser pior: em vez do acionista mandar no gestor é o gestor que manda no acionista.