O negócio da chantagem, o liberalismo do subsídio

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 10/05/2016)

Autor

                           Daniel Oliveira

Como já aqui escrevi, o Estado recorreu a colégios privados para garantir que todos os cidadãos tinham acesso a um bem constitucional: a educação. Onde a rede pública não chegava, e apenas aí, como se pode ler na Lei de Bases do Sistema Educativo, foram celebrados contratos de associação. O que seria normal é que colégios privados, que vivessem da escolha do mercado, vissem nestes contratos apenas uma pequena parte do seu negócio. Até porque se tratava de uma necessidade que provavelmente não seria eterna.

Acontece que cresceu, pelo país, uma autêntica indústria da caça ao subsídio. À medida que esta indústria foi crescendo aconteceu o que tende a acontecer em Portugal: através de influências indevidas nas Direções Regionais de Educação, nos principais partidos de poder e nas autarquias, empresas (e não só) foram construindo autênticos impérios, conseguindo abrir turmas subsidiadas mesmo onde havia oferta pública.

Não há, na realidade, nada de novo neste processo. É a história do capitalismo português, baseado na pequena e média aldrabice, feita à sombra da subsidiação da iniciativa privada, quase sempre às custas da degradação do que deveria ser um serviço público. No último sábado, o ex-liberal Pedro Passos Coelho deu como exemplos a seguir outras práticas semelhantes na área da saúde.

Este entorse tem números que já aqui deixei: 71% dos colégios privados com contrato de associação, que deveriam depender da sua própria clientela, dependem em mais de 90% do orçamento do Estado. Mais de um terço dependem a 100%. Assim, estes colégios dependem da abertura permanente de novos contratos, mesmo que tal não se justifique para o Estado e para o interesse público. Até aqui, tudo normal: a empresa que decide depender de um só cliente arrisca-se a não sobreviver se as necessidades desse cliente se modificarem. Não é o Estado que tem de adaptar a sua procura à oferta de um privado, é este que se deve precaver para não depender do Estado.

Acontece que estas empresas conseguiram transformar a sua dependência em relação ao Estado numa forma de chantagem sobre o poder político. A forma como os donos e diretores dos colégios privados dependentes dos contratos de associação estão a mobilizar os pais e os alunos, não hesitando em usar a mentira mais descarada, para pressionar o poder político a comprometer-se com duplicações de despesas desnecessárias deve servir como lição.

Nisto, há alguma semelhança com o que aconteceu com os bancos: conquistaram uma tal posição que deixaram de se preocupar com a sua própria viabilidade, sabendo que, no fim, a chantagem sobre o poder político lhes daria acesso aos recursos públicos. É uma pescadinha de rabo na boca, em que a dependência alimenta a irresponsabilidade que alimenta a dependência. Mas ao contrário do que aconteceu com a banca, ainda vamos a tempo para não ficar reféns desta chantagem.

Quem tem empresas privadas tem de depender do mercado. Ainda mais quando opera numa área onde o Estado tem o dever que garantir a sua própria rede. A questão é mais simples do que parece: quem acha que pode continuar a construir os seus negócios com base nos bons contactos que tem na administração pública e na política para garantir negócios com o Estado que são contrários ao interesse público terá de mudar de vida. Começa a chegar a hora de pôr um ponto final a este liberalismo do subsídio. Ao público o que é do público. Ao privado ao que é do privado. E negócios entre um e outro só podem depender do interesse do Estado, que é quem paga

4 pensamentos sobre “O negócio da chantagem, o liberalismo do subsídio

  1. E que tal, reduzir também o número de autarquias; reduzir o número de deputados; reduzir a quantidade de viaturas oficiais; reduzir os subsídios aos institutos; reduzir os subsídios aos partidos; Acabar com os subsídios vitalícios aos políticos ,etc. etc. etc.!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  2. absolutamente verdade. È muito justo… e a referência ao mesmo sistema com bancos é real…. Basta de carregar o burrinho do contribuinte.

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