Agentes Políticos

(António Guerreiro, in Público, 07/08/2015)

António Guerreiro

António Guerreiro

Sempre que o Presidente da República se dirige à Nação e faz apelos aos “agentes políticos”, ecoa nessa nomeação burocrática a mais despudorada ideologia da anti-política ou, pelo menos, a adesão ao processo de neutralização da política que marcou toda a segunda metade do século XX. 

Agentes políticos, deve ser dito ao Presidente, são todos os cidadãos. Fora de uma comunidade política, onde todo o agir é político, as vidas seriam apenas formas de sobrevivência, isto é, formas secularizadas da “vida nua”.

Cada vez que o Presidente pronuncia o nome infamante de “agentes políticos”, apetece mandá-lo ler um livro que acaba de ser publicado pelas Edições 70, O Conceito do Político, de Carl Schmitt (tradução de Alexandre Franco de Sá). É um clássico, que chega finalmente à edição portuguesa. A ideia implícita na designação dos “agentes políticos” é a de que a política é algo exclusivamente da ordem da prática e, no limite, até seria possível fazer governo sem política, como se faz a administração da casa. Aqui, o requisito da harmonia familiar, do consenso doméstico, é obrigatório; em contrapartida, o consenso do agir político é o mal obscuro das nossas democracias.

NUNO FERREIRA SANTOS

Uma tese fundamental de Schmitt — evoquemo-lo novamente — é a de que a Modernidade entrou na deriva da despolitização a partir do momento em que se quebrou o fio que no passado reportava a decisão política a uma “ideia”. E é a esta relação que Schmitt chama “representação”. Os “agentes políticos”, naquilo que essa designação traz consigo, são uma caricatura da despolitização e do fim da política. E quando se chega ao fim da política, o que vem a seguir a um Presidente despolitizado e antipolítico pode ser muito bem aquilo a que já Baudrillard, em meados dos anos 80 do século passado, chamou “um showman político no espaço publicitário” (definição adequada para um Marcelo Rebelo de Sousa). De 1915 a 1918, Thomas Mann escreveu as suas Considerações de um Impolítico. A palavra “impolítico” não soa muito bem, geralmente preferimos o adjectivo formado com o prefixo grego de negação e dizemos “apolítico”. Mas, na verdade, o título original do livro de Thomas Mann é Betrachtungen eines Unpolitischen. Mesmo assumindo uma tendência anti-política, da fase conservadora de Thomas Mann, em que ele assume a defesa da cultura “impolítica” contra os escritores da “civilização”, do Iluminismo francês, estes seus escritos são afinal um libelo político, e é o próprio Mann que diz numa passagem: “A antipolítica é também ela uma política, já que a política é uma força terrível: basta só saber que existe e já se está lá dentro, perdeu-se para sempre a inocência”. O filósofo italiano Roberto Esposito, aludindo simultaneamente à “impolítica” de Thomas Mann e às “categorias do político” de Schmitt, fez do “impolítico” um conceito importante e definiu a atitude “impolítica” como uma espécie de terceira via, altamente problemática e radical (basta pensar que ela é representada por figuras como Hannah Arendt, Simone Weil, Elias Canetti e Georges Bataille), que escapa à schmittiana representação teológico-política sem ceder à despolitização moderna. Impolíticos, mas agora no sentido puramente literal do termo, são os idiomáticos “agentes políticos” do discurso presidencial. Eles são a manifestação eloquente de uma concepção da política baseada numa falsa alternativa entre fins e meios, que neutraliza os meios (a linguagem, o pensamento) em nome dos fins. Como é óbvio, ninguém consegue imaginar que um governo de “agentes políticos” seja baseado num projecto de sociedade ou numa ideia alternativa de Estado.

3 pensamentos sobre “Agentes Políticos

  1. O paradoxo é que os políticos , muito bem formados, não conseguiram dar aos seus cidadãos um periodo de estabilidade e de crescimento que se visse. Deram-lhe sim tres bancas rotas.Ah grande orgulho que devem sentir. Claro que culpa dos “outros” – merkl, pai natal, fmi, fmo

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