(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 09/07/2015)
Tentando mostrar que, ao contrário da Grécia, nós seguimos um caminho que permitiu devolver dos portugueses um horizonte de “mais prosperidade, mais equidade e mais justiça”, Passos Coelho entusiasmou-se no debate do estado da Nação. O cenário dos últimos quatro anos foi de tal forma idílico (até a hecatombe na área da ciência foi transformada em explosão de apoios públicos) que, como propaganda, dificilmente pode resultar. Passos salientou três coisas: o regresso do crescimento, a descida do desemprego e o reembolso antecipado ao FMI. Vamos então por partes.
O crescimento de que Passos Coelho fala é um dado europeu, não nacional. Até a Grécia o conheceu. E é, aqui e na generalidade dos países europeus, um regresso à mediocridade depois da tragédia. A Espanha caiu -0,6%, -2,1% e -1,2% em 2011, 2012 e 2013 e cresceu +1,3% em 2014. A Irlanda, que teve a sua única queda em 2012, já crescia +3,9% em 2014. A Itália ainda conseguiu crescer +0,6% em 2011, caiu -2,3% e -1,9% em 2012 e 2013, e caiu menos (-0,2%) em 2014 (em 2015, poderá estar próxima da estagnação). A França vem de um crescimento em 2010 e 2011 de +2% e +2,1%, que cai para os -0,3% em 2011 e 2012 e sobe +0,4% em 2014. Até a desgraçada da Grécia, que caiu -5,4%, -8,9%, -6,6% e -3,3% em 2010, 2011, 2012 e 2013, e cresceu +0,6% em 2014. Portugal, que ainda crescia +1,9% em 2010, viu o seu PIB descer -1,8% em 2011, -3,3% em 2012, -1,4% em 2013 e subir +1% em 2014.
Se olharmos para os restantes países europeus, incluindo os que apenas se aproximaram da estagnação, a curva é, em quase todos, muito semelhante. Quase todos, depois do desastre, acabaram por regressar a níveis de crescimento económico medíocres. Porque nenhuma economia, nem a grega, cai eternamente. Assim, não há nenhuma opção deste governo de que Passos Coelho se possa vangloriar. O discurso que faz aqui faz a direita na Grécia, a esquerda em Itália, Rajoy em Espanha e Hollande em França. Não foi a sua estratégia que se mostrou acertada ou certa. Foram as leis da física que determinam que quase tudo o que desce volta a subir. E que a verdade é que, depois de um recuo acumulado de 6,5% do PIB, não saímos da mediocridade de crescimento que ditou o nosso endividamento externo acumulado desde que entrámos para o euro. E que não há nenhum sinal que isso vá mudar, pois as reformas que realmente são necessárias – que passam pela modernização do nosso sistema produtivo – não só não aconteceram como me parecem ser irrealizáveis no quadro desta moeda única
Tudo aquilo que Passos considerou ser resultado positivo de quatro anos ou é falso (desemprego) ou segue um padrão de toda a Europa, incluindo da Grécia (crescimento), ou devia fazê-lo corar de vergonha (dívida pública)
Mesmo com números que escondem o efeito da emigração, o desemprego aumentou desde que Passos chegou ao governo, não diminuiu. O nosso desemprego era de 10,8% em 2010, 12,7% em 2011, 15,5% em 2012, 16,2% em 2013 e 13,9% em 2014 e andará por volta dos 13,2%. Se olhássemos para estes números isso tornaria já impossível dizer que este governo diminuiu o desemprego que encontrou. Aumentou-o. E aumentou-o, como vimos, tendo uma situação económica mais favorável, sobretudo por razões externas, do que tinha em 2011. Quando o PIB caia 1,8% o desemprego não tinha chegado aos 13%, quando o PIB cresce 1% está acima disso. Alguém vangloriar-se disto é já um feito. Acontece que esta evolução, entre muitas outras coisas que esconde (como o falso emprego dos estágios e dos Contratos Emprego Inserção), esconde que cerca de 400 mil portugueses que saíram do País e deixaram de contar para este universo.
Por fim, o mais pateta autoelogio de todos: o pagamento antecipado ao FMI. Portugal não pagou antecipadamente, comprou dívida para pagar dívida. Fez bem. Os juros caíram a pique em toda a Europa (outra coisa que de o governo atribui a si próprio a responsabilidade) e a ministra das Finanças aproveitou esse momento para se endividar a juros baixos, pagar uma dívida que tinha juros mais altos e ainda ficar com dinheiro guardado. É um ato de pura gestão de dívida, sem qualquer significado político ou financeiro, que não seja o de dar razão a José Sócrates (que as dívidas se gerem) e de aproveitar os frutos de decisões do BCE que levaram à descida das taxas de juro. Isso só foi possível porque já estávamos nos mercados e não debaixo de um programa de resgate? Sim. Mas como, ao contrário do PSD, do PS e do CDS, não só não defendi o segundo resgate como fui contra o primeiro, não tenho grande coisa a acrescentar: os programas de resgate tiveram como efeito principal tornar os Estados que os aceitaram reféns dos credores. Concordo.
Mas de dívida não pode Passos Coelho falar. Quando chegou a dívida tinha, graças ao impacto da crise europeia de 2011, saltado de 96,2% para 111,1%. Em 2014 está nos 130%. Para 2015 o governo fala de uma previsão de 123,7% do PIB, enquanto a OCDE antevê128,3%. No fim do ano veremos. Portugal é o quarto país da OCDE (e do conjunto de 43 países estudados pela instituição) com maior divida pública. E, ao que parece, a intervenção da troika e deste governo eram para resolver isto.
Em conclusão, tudo aquilo que Passos Coelho considerou, no debate do Estado da Nação, ser resultado positivo de quatro anos de um caminho acertado, ou é falso (desemprego), ou segue um padrão de toda a Europa, incluindo da Grécia (crescimento), ou devia fazê-lo corar de vergonha (evolução da dívida pública). No entanto, o homem entusiasma-se com a sua própria propaganda.