Em Bruxelas organiza-se golpe de Estado em Atenas

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 25/06/2015)

         Daniel Oliveira

                      Daniel Oliveira

Alguma coisa se passa, de muito estranho, em Bruxelas. O recuo feito pelo Governo grego, assinalado por todos os órgãos de comunicação social, se tinha algum problema era o de ser excessivo. Excessivo para as promessas eleitorais feitas pelo Syriza. Excessivo para garantir a estabilidade política na Grécia. Excessivo, acima de tudo, por, apesar de não aprofundar ainda mais a austeridade e poupar os mais pobres a mais massacre social, não inverter nenhuma das políticas que levaram a Grécia ao buraco em que se encontra. Excessivo por se comprometer com metas que são virtualmente impossíveis. E excessivo por deixar de fora o elefante que está na sala e ninguém pode ignorar: a sustentabilidade da dívida, que, graças à troika, passou de 115% do PIB para 177%.

Na realidade, desde que o Syriza chegou ao poder que assistimos a um simulacro de negociação, em que a Grécia vai cedendo, e as instituições europeias e o FMI ficam no mesmo lugar dizendo sempre que não é suficiente. Até que o Governo grego cedeu. Apenas tentou salvar o mínimo dos mínimos, trocando medidas que afetavam violentamente os mais pobres por medidas com efeitos orçamentais equivalentes que os deixavam de fora da tortura. A Grécia recuou até limites inimagináveis. Instituições europeias e FMI não fizeram qualquer esforço de aproximação.

A FORMA COMO AS INSTITUIÇÕES EUROPEIAS ESTÃO A DESENVOLVER ESTAS NEGOCIAÇÕES E SE ESTÃO A RELACIONAR COM A GRÉCIA É INDIGNA PARA A EUROPA E REVELA UMA TOTAL FALTA DE SERIEDADE POLÍTICA

Na segunda-feira, a generalidade dos parceiros europeus, a começar pela Alemanha, elogiava o esforço grego. O esforço que, adivinhava-se, poderia levar à queda do Governo, com um crescente endurecimento de posições dos sectores mais radicais, dentro e fora do Syriza. Mas finalmente parecia haver um acordo. Até que ontem tudo mudou. Afinal era preciso mais. À hora que escrevo não se sabe ao certo de onde veio a mudança de atitude. Se do FMI, que, pela primeira vez, impede que um governo opte por medidas fiscais de efeito equivalente. Se de parceiros europeus, como Portugal e Espanha, que exigem que ou não haja acordo ou não haja qualquer negociação, por interesses dos partidos políticos que governam os dois países.

A forma como as instituições europeias estão a desenvolver estas negociações e se estão a relacionar com a Grécia é indigna para a Europa e revela uma total falta de seriedade política. Não procura um acordo, mas conquistar uma capitulação total e sem qualquer espaço para dúvidas. Tudo leva a pensar que, mais do que os interesses europeus ou mesmo os interesses dos credores, o único objetivo seja o de provocar a queda de um governo eleito de um Estado europeu. Se assim for, isto não é uma negociação. É um golpe de Estado.

2 pensamentos sobre “Em Bruxelas organiza-se golpe de Estado em Atenas

  1. Talvez lhes saia o tiro pela culatra. Imagine-se, que nas Forças Armadas, surja um grupo de oficiais patriotas. Para um golpe de estado de contornos nacionalistas. Arriscando um futuro duro para a população, mas alguma recuperação da dignidade. Pode ser que se lixem.

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