Um homem desconcertante

(Pedro Adão e Silva, in Expresso, 09/05/2015)

Pedro Adão e Silva

                 Pedro Adão e Silva

O “ímpeto suicida e muito pouco estratégico” que caracteriza Passos, e que, aparentemente, o acompanha desde sempre, regressou com toda a pujança.

Nunca enxovalhei ninguém, muito menos o líder do principal partido da oposição”, afirmou Passos Coelho esta semana, quando interpelado a pronunciar-se sobre Paulo Portas. Um par de dias antes, em “somos o que escolhemos ser”, uma biografia em registo humorístico involuntário, era recuperada a saga da demissão irrevogável do vice-primeiro-ministro. E o que é que se ficou a saber? Nada de novo, apenas mais uma oportunidade para recordar que Portas apresentou a demissão por SMS e que Passos Coelho resistiu.

Desde então, Passos não perdeu uma oportunidade para mostrar que tinha Portas no bolso, pelo que fez do líder do CDS o que quis. Não surpreende, o que espanta é que, dias depois de apresentado o acordo eleitoral, se volte aos desentendimentos na coligação. Gera no mínimo perplexidade.

Mas nada como regressar à novela e ler as referências à coligação para se ficar elucidado: estamos perante um acordo eleitoral instrumental, pronto a ser desfeito no dia seguinte às legislativas, com efeitos para o candidato presidencial conjunto e, ironia das ironias, perfeito para Portas se vingar das humilhações a que foi sujeito. Os deputados oferecidos ao CDS pelo PSD começarão negociações autónomas no pós-eleições.

O “ímpeto suicida e muito pouco estratégico” que caracteriza Passos, e que, aparentemente, o acompanha desde sempre, regressou com toda a pujança. Passos surpreende na medida em que a sua conduta não se rege pelos padrões de racionalidade na ação que tendemos a esperar dos políticos. O que parece uma fraqueza acaba por ser uma força. É como se todos lhe dessem um desconto e lhe fossem permitidos devaneios discursivos incoerentes e um comportamento errático e singular.

E não é só a contradição entre o interesse tático de preservar a coligação e o ruído introduzido em torno da mesma coligação que choca.

Em janeiro, Passos Coelho, numa atitude muito louvável, emitiu um comunicado sobre a doença oncológica da mulher, em que dizia que era um assunto que “diz respeito à minha família”, pedindo que “que essa reserva de privacidade continue a ser respeitada”. Pois não é que a reserva foi suspensa numa novela hagiográfica, redigida por uma assessora, onde se publicita, com citações diretas, um drama privado?

Fica claro o objetivo do livro. O homem que defendeu que o país precisava de empobrecer, que convidou os jovens a saírem da sua zona de conforto, que via o desemprego como uma oportunidade e que aconselhou os portugueses a pegarem na “enxada”, é apresentado como tendo um coração mole, emocionando-se com a cadelinha ‘Peluche’, e até é capaz de abrir elevadores bloqueados com as próprias mãos.

Um homem para quem as contradições não são um obstáculo e que é movido, como agora se diz, a resiliência. Um homem desconcertante que, na sua vulgaridade, aparenta ser um produto retocado por um focus group.

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