(Daniel Oliveira, in Expresso, 09/05/2015)
O apoio do PS a Sampaio da Nóvoa é uma faca de dois gumes. Se por um lado o põe no campeonato dos grandes, permitindo-lhe vencer o maior dos seus problemas — a falta de notoriedade —, pode transformar-se num abraço do urso. Esse risco foi evidente no lançamento da sua candidatura. A presença de muitos dirigentes socialistas, com alguns ex-ministros de má memória à mistura, quase ofuscou os apoios de três ex-presidentes. O PS é o partido que está à frente nas sondagens e ter o seu apoio não é um pormenor para quem queira vencer. Mas o confronto entre Alegre e Soares, há dez anos, e o reduzido impacto do envolvimento do PS na candidatura de Alegre, cinco anos depois, obriga a refletir sobre as crescentes limitações dos apoios partidários. O que valia na altura vale agora, depois de tudo o que aconteceu ao país, a dobrar. E a vantagem de Nóvoa, sem percurso institucional e partidário, é vir da sociedade civil. Sem isso, fica com nada.
Sampaio da Nóvoa tem, para quem acompanhou o seu percurso cívico, um discurso coerente sobre a austeridade e a encruzilhada em que o país se encontra. Independentemente dos partidos que o apoiem, isso dá-lhe, ainda mais sem Carvalho da Silva na corrida, a possibilidade de fazer o pleno da esquerda. Muitos analistas dirão que a clareza do seu posicionamento é uma desvantagem para ganhar o centro. Tenho, nos tempos que correm, imensas dúvidas sobre esta aritmética. Parece-me mais relevante conquistar a imensa multidão de desencantados. Para esses e para quase todos, ver um político navegar ao sabor das conveniências é muito pior do que o saber ancorado num lugar distante. Qualquer guinada de Nóvoa para agradar ao PS causaria uma enorme deceção. Incluindo no eleitorado do PS. A julgar pelo cenário macroeconómico dos economistas a quem António Costa delegou a sua estratégia para o país, um governo de bloco central não está afastado. Imagine-se um candidato com as características de Nóvoa amarrado a um PS acabado de assinar um acordo com o PSD.
A máquina do PS pode dar muito jeito, mas se ficar escravo dela, Nóvoa acabará por ter de abandonar a postura cívica que o tornou tão respeitado. Pelo contrário, se não se enredar no jogo partidário, Nóvoa pode vencer contra um Rui Rio de perfil autoritário.
A velha AD
Gostamos de imaginar que, na política, as coisas acontecem por decisões racionais. Mas muitas vezes resultam de pequenas falhas ou acasos. Não sei se a referência, na já de si inútil biografia de Passos Coelho, a um SMS de Paulo Portas, com dois anos, foi pensada. Mas estas farpas revelam um estado de espírito. Era ainda novo, mas, precoce que fui no meu interesse pela política, lembro-me bem da AD. Não faço ideia se Sá Carneiro e Freitas morriam de amores um pelo outro. Sei que aquilo transpirava confiança e todos pareciam sentir-se bem na sua pele. É o oposto que se passa nesta coligação, burocraticamente assinada, como quem faz, contrariado, um negócio inevitável. A política também vive da alma das coisas e esta coisa não tem alma nenhuma. E isso conta nas campanhas e nos resultados. Estes episódios não comprometem vitórias. Apenas cheiram a derrota.