Partido contra partido, programa contra programa

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 22/04/2015)

Pedro Santos Guerreiro

                   Pedro Santos Guerreiro

Até ontem, o PS não fazia oposição, estava contra. E isso esvaziava o debate político, deixando um espaço que ia sendo preenchido com frases, casos, bombinhas e bombocas; a forma a fazer de substância. Ontem, passámos do polemizar para o polarizar. Porque agora já há oposição que se veja, que se debata, que conteste e que se conteste.

A oposição existe agora não como abstração entre PSD/CDS e PS mas como coisa concreta entre, do lado do governo, o Programa de Estabilidade e o Programa de Reformas e, do lado dos socialistas, o documento das propostas para a próxima década. Não por acaso, o primeiro confronto não é entre as políticas em si, mas sobre a credibilidade das previsões e dos cenários implícitos.

Já ontem escrevi que as políticas neste momento em confronto são absolutamente simétricas, tão próximas uma da outra como o número zero é parecido com o número um (ver texto “”, disponível no site do Expresso). Em tudo: na política de crescimento, nas contas públicas, nos apoios sociais, nos impostos, na segurança social. Mas ambas as propostas cavalgam o ciclo de crescimento em que a economia entrou, com o PS a propor ter mais défice como custo para acelerar a evolução do PIB.

PS: em vez de cofres cheio, bolsos cheios

O facto de estarmos a discutir a credibilidade dos cenários em vez da qualidade das medidas mostra que, provavelmente, o governo foi surpreendido pelo programa dos economistas do PS.

Essa é a primeira crítica do governo: a inverosimilhança aparente de um crescimento económico nos próximos anos de 2,6%. “Sol na eira e chuva no nabal” e “quando a esmola é grande o pobre desconfia”, diz o Governo. Já o PS defende-se apresentando uma modelização econométrica com um nível de exigência que, diz, o próprio governo não usa – nem usou no seu Programa de Estabilidade. Aliás, o PS insinua o contrário: que o governo é que apresentou no PEC previsões económicas não sustentadas.

O facto de estarmos a discutir a credibilidade dos cenários em vez da qualidade das medidas mostra que, provavelmente, o governo foi surpreendido pelo programa dos economistas do PS. Faz sentido que esteja surpreendido: este foi o primeiro trabalho de jeito no PS desde que António Costa chegou à liderança. E é um trabalho de jeito porque é completo e coerente, independentemente de se concordar ou discordar das medidas.

A campanha eleitoral começa bem, porque começa com propostas de políticas públicas. O PS já tem o que mostrar e o PSD vai ter de fazer melhor do que ser oposição à oposição. Há dois caminhos e ambos propõem um ciclo de prosperidade. Os eleitores vão escolher um deles. E como é improvável que qualquer dos dois partidos tenha maioria absoluta, possivelmente os dois partidos ainda acabam a negociar um caminho único para trilharem ambos. Cavaco adoraria.

2 pensamentos sobre “Partido contra partido, programa contra programa

  1. A CREDIBILIDADE DOS CENÁRIOS

    A economia é uma ciência do social. Daí que, elaborando previsões que são inerentes aos cometimentos humanos, não goze do grau de fiabilidade que é possível encontrar nas ciências físicas.
    Vem isto a propósito das criticas desferidas pelos arautos do Governo ao documento que o PS apresentou ontem sobre o cenário macroeconómico e no qual irá sustentar a elaboração do seu programa de governo.
    O que mais me espanta nessas críticas é que elas não colocam em causa a o tipo de causalidade entre as variáveis, mas sim a amplitude dessas mesmas causalidades e interações, que é necessariamente incerta, como são todas as amplitudes que decorrem de qualquer modelo de previsão económica. Exemplifiquemos:
    1) O PS quer aumentar a procura interna, via aumento do rendimento disponível, potenciando assim o mercado para milhares de PME, e fomentando assim o emprego e o crescimento. A maioria não diz que esta correlação não existe. Apenas duvida da amplitude do efeito.
    2) O PS quer apostar na inovação e na qualificação da mão-de-obra para podermos ser competitivos com produtos e serviços que concorram numa fileira de especialização de maior valor acrescentado. A maioria não diz que isto, seja um mau principio, mas prefere concorrer pela redução dos custos do trabalho, seja a nível salarial, seja reduzindo a proteção social dos trabalhadores.

    Em suma, se é só isto que a maioria tem a dizer sobre as propostas apresentadas é muito pouco.

    A grande diferença é que, enquanto as medidas apresentadas pelo PS podem ser questionadas em termos da amplitude dos seus efeitos futuros, as medidas do Governo, réplica daquelas que foram aplicadas nos últimos quatro anos, terão um efeito certo e indiscutível: aumento da pobreza, da miséria, do desemprego, da dívida pública e desmembramento do Estado Social.

    Entre a certeza do naufrágio e os riscos da travessia, será difícil escolher?

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