(Daniel Oliveira in Expresso Diário, 26/02/2015)
Perante uma plateia de chineses, António Costa, falando como presidente da Câmara Municipal de Lisboa, disse: “Como nós dizemos em Portugal, os amigos são para as ocasiões. E numa ocasião difícil para o país, em que muitos não acreditaram que o país tinha condições para enfrentar e vencer a crise, a verdade é que os chineses, os investidores disseram presente, vieram e deram um grande contributo para que Portugal pudesse estar hoje na situação em que está, bastante diferente daquela que estava há quatro anos”. Os partidos do governo deram os parabéns a António Costa, do lado da oposição e entre os jornalistas e os comentadores, a reação foi entre o choque e o humor. Afinal, António Costa diz que Portugal ficou melhor depois do resgate e de Passos Coelho.
António Costa veio justificar-se com a natureza protocolar da sua intervenção. “Perante o exterior, António Costa recusa-se a falar mal do país, mesmo que não goste deste Governo. PSD e CDS estão a tentar um ‘fait-divers’ com esse assunto”, explica o Partido Socialista, falando em “sentido de Estado”. Desculpem-me, mas não há “sentido de Estado” e protocolo que obrigue um líder de um partido da oposição a dizer exatamente o oposto do que tem dito. Podemos discutir se deve ou não criticar um governo perante estrangeiros, ainda mais quando fala no estatuto de autarca da capital. Sendo certo que criticar o governo não é “a falar mal do país”. São coisas diferentes. Mas o protocolo não obriga a dizer num dia o oposto do que se diz nos restantes dias. Com o risco de se minar a credibilidade de quem fala e tudo parecer uma mera representação.
António Costa acredita que se pode continuar a fazer política como antes. Que não se com prometendo e aparecendo sempre do lado certo no momento certo, ganhará as eleições apenas porque Passos as vai perder. Só que isso é passado.
Há uma coisa que percebe qualquer pessoa que já tratou de comunicação política: os repetidos problemas de comunicação nunca são apenas problemas de comunicação. Resultam quase sempre de problemas políticos. António Costa tem mais talento do que António José Seguro. Mas o talento de comunicação não faz milagres. E não faz o milagre de transformar a ausência de discurso político – ou, para sermos mais simpáticos, a indecisão política permanente – em qualquer coisa de forte.
António Costa quer, antes de tudo, ficar bem na fotografia. Foi isso que fez nas várias reações que teve em relação à vitória do Syriza e às negociações da Grécia com o Eurogrupo. Se é verdade que, ao contrário do que vi escrito, nunca disse que o PS era o Syriza, foi incapaz de manter um discurso coerente sobre o que desejava deste acordo e foi lesto a explicar que a razão pela qual preferia continuar a ser muito pouco claro sobre os seus compromissos eleitorais era ilustrada pelas dificuldades gregas em cumprir as suas promessas eleitorais: “Numa União a 28 não é possível prometer um resultado que depende de negociações com várias instituições, múltiplos governos, de orientações diversas”. Um gesto que pretende justificar a falta de clareza com as dificuldades políticas. Quem se candidata a um governo define objetivos. Pode e deve ser claro sobre a dificuldade em consegui-los, sobretudo se depende de terceiros. Mas se pede aos eleitores um cheque em branco perde a pressão política interna, que é uma arma negocial, e é certo e seguro que estará numa posição fragilizada e prepara a sua derrota. O Syriza teve de ceder em muito. Não tivesse compromissos eleitorais e teria cedido muito mais.
António Costa acredita que se pode continuar a fazer política como antes. Que não se com prometendo e aparecendo sempre do lado certo no momento certo, sem ruturas nem clarificações, ganhará as eleições apenas porque Passos Coelho as vai perder. Como tem sido sempre. Só que isso é passado. É passado na Grécia, é passado em Espanha, é passado em França e é passado em Portugal. O eleitorado está muito mais volátil, muito mais cansado e com muito menos disponibilidade para passar cheques em branco. Até porque sabe bem como ficou a o saldo político, social e económico do País depois dos últimos que passou. Costa não pode dizer que não tem compromissos com os eleitores porque nada, na realidade, vai depender dele. Assim como não pode, por razões protocolares, desmentir tudo o que disse nos últimos anos só porque a plateia é estrangeira. Enfim, Costa não pode ser aquilo que era suposto os candidatos a primeiro-ministro serem. Está mesmo tudo diferente.