Cavaco: um almoço grátis custa 253 mil euros

(Martim Silva, in Expresso Diário, 04/07/2019)

Tão amigos que eles eram. Afinal qualquer um é mais sério que ele.

Um conjunto de altos quadros de uma empresa decide financiar a campanha eleitoral de um político, com donativos avultados correspondentes aos limites legais que cada cidadão pode entregar. Na altura eram 25 mil euros. A dezena de administradores e altas figuras do banco em questão entregou, um a um, cheques à campanha do candidato presidencial que procurava a reeleição.

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O caso, que aparentemente nada teria de anormal ou extraordinário, e nem deve julgar-se que é caso virgem com um banco ou com um determinado político, revela porém uma realidade escondida durante décadas mas da qual muitos sempre suspeitaram: a da existência de financiamento ilegal das campanhas e dos partidos, com o evidente propósito de mais à frente a conta ser paga de alguma forma, até porque todos bem sabemos que não há almoços grátis.

O que tem sido revelado nos últimos cinco anos desde a derrocada do império Espírito Santo é todo um manual de (mau) funcionamento de um regime cheio de doenças internas. As ligações perigosas entre políticos e empresários; Um empresariado só aparentemente pujante e que nunca soube viver sem ser debaixo da tutela do Estado, com os interesses sempre protegidos mutuamente; A loucura desenfreada de bancos que cresceram até ao ponto de se tornarem bolhas tóxicas que todos pagamos durante décadas; O deslumbramento oco com um certo Portugal de sucesso; A grande dificuldade da regulação intervir e a igualmente enorme dificuldade em se descobrirem esquemas fraudulentos e corruptos que minam a economia, a democracia e a confiança dos cidadãos nas instituições.

O alegado esquema revelado esta quinta-feira pela revista “Sábado” ajuda de alguma forma a fechar todo um círculo – um grande banco e grupo financeiro, o BES e o Espírito Santo, que dominava as grandes empresas e que procurava ter o apoio e favor de políticos, pagando luvas ou financiando campanhas.

Não é por acaso que na Operação Marquês a relação entre o Grupo Espírito Santo e José Sócrates é quase umbilical. Como não é por acaso que, como revela a “Sábado”, o mesmo grupo financeiro terá financiado ilicitamente a campanha eleitoral de Cavaco Silva a Belém em 2011.

Os 253 mil euros que a campanha de Cavaco recebeu em 2011 da cúpula do BES não são apenas 253 mil euros para ajudar à reeleição de um Presidente. São a prova de que não há almoços grátis. Sendo que já todos sabemos que a fatura do restaurante é paga por todos os portugueses

Voltando ao início: uma dezena de quadros de topo do BES, incluindo Ricardo Salgado, passou cheques no valor de 25 mil euros à campanha de Cavaco. Um dos braços do banco depois pagava esse “investimento” ao doador, colocando a mesma verba numa qualquer off shore em nome de cada um dos banqueiros.

O crime era quase perfeito, na medida em que como na própria investigação da “Sábado” se refere ( Ver aqui ), ninguém consegue detetar qualquer ilícito. Vasco Valdez, antigo secretário de Estado de Cavaco e em 2011 o mandatário financeiro da campanha, alega que os cheques entrados na campanha eram individuais e respeitavam os limites impostos pela lei. Como não os aceitar? Como desconfiar deles?

Também Luís Sousa, investigador e especialista em corrupção, e que em 2011 trabalhou na fiscalização da campanha ao lado da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, alega que na contabilidade da campanha de Cavaco nada de anormal foi detetado.

Tudo passaria incólume não fosse a investigação judicial ao Grupo Espírito Santo, que permitiu detetar entradas de dinheiro em contas de que os referidos administradores eram beneficiários. E o dinheiro que entrava era exatamente igual ao que tinha saído para a campanha de Cavaco.

Com isto tudo, o DCIAP, Departamento Central de Investigação e Ação Penal, decidiu abrir uma investigação paralela ao caso de financiamento ilegal da campanha, e promete empenhar-se no caso.

Alega a Justiça, para fazer a investigação, estar-se na presença de um caso de financiamento ilegal de uma campanha por uma empresa privada.

Há vinte anos que as empresas foram proibidas por lei de financiar partidos e campanhas. Como já todos suspeitávamos, a lei, embora positiva, não terá impedido casos de financiamento ilegal. E alguém acredita que se este banco financiou Cavaco em 2011 não terá feito o mesmo com outros candidatos e partidos e noutras datas?

Se a lei não chega, também a Entidade das Contas se mostra curta para fiscalizar o que se passa neste mundo.

Resta uma Justiça forte, independente e eficaz.

Porque os 253 mil euros que a campanha de Cavaco recebeu em 2011 da cúpula do BES (correspondente a metade dos valores previstos de receitas da campanha) não são apenas 253 mil euros para ajudar à reeleição de um Presidente que tinha tudo a seu favor. São a prova de que não há almoços grátis. Sendo que já todos sabemos que a fatura do restaurante está a ser paga por todos os portugueses.