O que é decisivo nestas eleições?

(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 05/01/2022)

Quando depositarmos o voto na urna eleitoral no próximo dia 30 estaremos a fazer uma escolha sobre a melhor pessoa para primeiro-ministro de Portugal?… Não.

As soluções de governo após umas eleições não dependem dos votos alcançados pelos líderes partidários, dependem dos votos que dão, ou não dão, possibilidade aos partidos de fazerem dentro da Assembleia da República, maiorias de deputados que apoiem a formação de um governo.

Vimos isso acontecer nas eleições de 2015, quando o partido mais votado, o PSD, não conseguiu formar um governo mas foi possível, com outros partidos que tiveram menos votos, formar um executivo para quatro anos.

Em tese será, por isso, exequível ocorrer um cenário político em que uma maioria de deputados proponha ao Presidente da República um governo em que o primeiro-ministro não é um líder partidário. É até possível um partido obter maioria absoluta de deputados e decidir que quem propõe para primeiro-ministro não é o seu líder.

Umas eleições legislativas em Portugal não são uma eleição indireta de primeiro-ministro pois muita coisa surpreendente, mas constitucionalmente enquadrada, pode acontecer após a noite eleitoral.

Quando depositarmos o voto na urna eleitoral no próximo dia 30 estaremos a eleger um governo estável?… Não.

Há quem vote a pensar num partido para o governo, mas há quem vote a pensar num partido que faça frente ao partido do futuro governo.

Durante anos, confrontados com o facto de a oscilação de poder entre maiorias lideradas pelo PS e maiorias lideradas pelo PSD resultarem em governos de atuação prática relativamente semelhante, quantos não preferiram votar em forças que dessem voz no parlamento a pensamentos alternativos ao “pensamento único” dominante?

O voto numas legislativas tem tanta influência para a formação de um governo como para a formação de uma oposição ou, dizendo melhor, de oposições, de grupos políticos diversos que ao longo da legislatura representem e coloquem em debate político as diversas maneiras de pensar do povo português, em toda a sua diversidade e pluralidade.

Só assim é que os governos, mesmo suportados em partidos com maiorias absolutas, encontram neste regime obstáculos institucionais para não se transformarem em estruturas autocráticas, apenas dependentes das perdas de soberania ditadas pela União Europeia, o euro, a dívida pública e limitados pelas normas constitucionais.

A estabilidade governativa nem sequer é necessariamente assegurada por uma “larga maioria”: António Guterres tinha metade dos deputados em 2001, mais o apoio de um deputado eleito pelo PP e, mesmo assim, caiu a meio da legislatura.

Quando depositarmos o voto na urna eleitoral no próximo dia 30 estaremos a escolher os programas eleitorais dos partidos?… Sim e não.

Na verdade, todos aprendemos que a aplicação prática desse programas eleitorais é sempre profundamente alterada depois das eleições, quer porque é preciso chegar a acordo para formar maiorias de governo entre várias forças políticas – o que leva ao abandono dos projetos iniciais levados ao eleitorado – quer por, em caso de maioria absoluta, ser habitual as promessas eleitorais mais polémicas ou difíceis de concretizar caírem no esquecimento, porque quem chega ao poder fica à rédea solta.

Porém, os programas eleitorais de cada partido, as suas teóricas propostas de governo, são indicadores decisivos para os eleitores entenderem os interesses e as prioridades que cada grupo político defende, a forma como os militantes desses partidos pensam e o país que concebem.

Nessa medida, os programas eleitorais dos partidos são o barómetro mais fiável para perceber como eles irão atuar no futuro, seja em governo, seja em oposição – e é aí que se encontra o segredo da possível estabilidade ou instabilidade governativa, não é nas entrevistas e nos comícios dos líderes partidários.

Conclusão: quando depositarmos o voto na urna eleitoral no próximo dia 30, o que está em causa não é decidir quem vai ser primeiro-ministro ou se haverá governo estável. O decisivo é perceber como é que os partidos que concorrem pensam e escolher os que, na opinião de cada um de nós, pensam melhor.

O governo, o primeiro-ministro e a estabilidade governativa decidem depois os deputados nos quais delegaremos esse poder no próximo dia 30. E é essa delegação de poder que é decisiva.
Jornalista


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Ainda confuso com o acordo entre PSD e Chega? Rui Rio também

(David Dinis, in Expresso Diário, 19/11/2020)

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Ao fim de duas semanas a ironizar no Twitter, Rui Rio foi à TVI para explicar o que aconteceu nos Açores, o que aconteceu com o Chega, o que aconteceu com o PSD ou mesmo com a direita. O exercício foi útil, embora ligeiramente confuso. Primeiro porque percebemos que Rui Rio responsabiliza o representante de Marcelo nos Açores pelo acordo. Segundo porque percebemos, em alternativa, que Rui Rio acha que o acordo foi bem feito – pelo que o subscreve na íntegra e sem pestanejar. Confuso? Se preferir a primeira versão, aconselho que entre no link acima. Se quiser perceber a segunda, é seguir por este texto, onde em apenas quatro frases conseguirá perceber melhor como Rui Rio o justifica.

“Estou de acordo, estou a dar a cara”
Depois de dizer que foi feita “uma barulheira” para “abafar a verdade”, depois de ter dito que “não há nenhum acordo nacional, tudo se passou na região autónoma”, e também que estava a “servir de advogado do PSD dos Açores”, Rui Rio acedeu que o novo presidente do Governo Regional, que por acaso foi vice-presidente da sua direção no PSD, teve a “cortesia” de o manter “informado” das negociações com André Ventura. E que o SMS de Ventura a negociar o comunicado final “foi mandado para mim” (para ele, Rui Rio). E , mais, que ele próprio concorda com todos e cada um dos pontos negociados – pelo que subscrevia o acordo. Ficou, assim, esclarecida a “barulheira”. Ou melhor, ainda não, porque é preciso entender com que pontos do acordo Rui Rio concorda. Siga para a frase seguinte.

“Há pessoas que podem estar com rendimento mínimo e que não trabalham porque não querem”
O líder do PSD explica assim porque aceita e subscreve a proposta do Chega para “reduzir a subsídio-dependência” nos Açores, sendo necessária por isso uma “maior fiscalização” do rendimento mínimo. E, disse ele, ficou convencido depois de, numa visita que fez a Rabo de Peixe, o concelho mais pobre do arquipélago, ouvir “um pescador” dizer que “as pessoas não querem vir ao mar”. Nos Açores, anote, 30% dos que têm direito a este apoio social têm menos de 18 anos. Muitos deles são mulheres. E ir ao mar, lembre-se, nem sempre tem “ir e voltar”.
A juntar a isto, Rui Rio diz concordar também com a exigência de Ventura de reduzir o número de deputados e de “combater a corrupção”. Entendida a “barulheira”? Ainda não, é preciso perceber que tipo de partido entende Rui Rio que é o Chega. Siga para a frase seguinte.

Racista? Xenófobo? “O Chega é uma federação de descontentes”
“Existe pela negativa”, disse apenas Rui Rio, não entrando na discussão sobre as propostas de prisão perpétua, de castração química, as de confinar os ciganos, ou as (intermitentes) de proibir casamento entre homossexuais. “Não é bem um partido cimentado, o tempo vai obrigar o Chega a ser um partido pela positiva”. A convicção de Rui Rio de ontem é, porém, contrastante com o que o próprio Rui Rio assumia em junho, quando ainda exigia ao Chega que se moderasse: “Se o Chega continuar numa linha de demagogia, de populismo, da forma como tem ido, há aqui um problema, porque aí não é possível um entendimento com o PSD. Face ao que o Chega tem sido, descarto conversar”. Afinal, conversa. Entendida a “barulheira?” Talvez, mas ainda é preciso perceber o que mudou – se é que mudou – em Rui Rio, ou no Chega.

“Senão só o PS é que pode governar”
Durante a entrevista, os jornalistas da TVI confrontaram Rui Rio com as suas próprias palavras, ditas há dois anos num debate com Santana Lopes, onde afirmava que, se o PS vencesse eleições sem maioria, devia ser o PS a governar – “com acordos parlamentares”. Mas Rui Rio, que não se lembrava de ter dito isso, mudou de ideias. Seja para aplicar nos Açores (“ao fim de 24 anos de PS no poder? Não me peça tanto!”), seja para aplicar na Assembleia da República, depois das próximas legislativas (“o que defendo é que quem conseguir uma maioria parlamentar deve governar”). A razão, assumida pelo próprio: “Senão, só o PS é que pode governar”.

Entendida a “barulheira?”. Agora sim. Só falta uma pequena correção: se a direita, sem o Chega, conseguisse uma maioria parlamentar, também poderia governar – mas aí de cabeça levantada e sem espaço para “barulheiras”. Mas para isso, claro, era preciso conseguir convencer os eleitores de que tinha projeto e equipa que o merecessem. Ou então levar a sério aquela outra frase de Rio Rio, dita também ontem na TVI, mas já sobre o próximo Orçamento: “Não quero chegar a primeiro-ministro de qualquer maneira”. Ainda bem que se nota.