Senhor Eucalipto

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 20/11/2018)

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Vários jornais acolheram três páginas de generosa publicidade paga que lançou o grito de alerta: há desinformação sobre os incêndios e, pior, “o ataque que se tem registado contra o eucalipto promove a desertificação do interior”. Nove municípios, uma lista de académicos que modestamente assinam “professor tal e tal”, associações de produtores, as principais empresas do sector, os ex-ministros do PS que estão sempre nestas coisas, todos se juntam para repelir o “ataque”. Entre eles destaca-se Álvaro Barreto, que Cavaco Silva foi buscar à Soporcel para dirigir o Ministério da Agricultura e que depois voltou à empresa para cumprir uma longa presidência, um dos mais eloquentes exemplos portugueses da porta giratória entre governos e as empresas do sector que tutelou. São os mandantes, os financiadores, os políticos, os empresários, o Senhor Eucalipto.

Irritados com o Parlamento e com o Presidente, um porque recomendou a retirada dos eucaliptos infestantes, outro porque se fez filmar a arrancar os ditos cujos, os signatários declaram-se dispostos a um debate “que permita aprofundar o conhecimento”. Ora melhor assim. Mesmo que alguns se tenham esquecido de declarar o seu interesse pessoal direto na matéria, o que só lhes ficava bem, falar de “factos sobre a floresta” é razoável.

Mas vejamos o primeiro facto: Portugal é o país do mundo que tem maior proporção de área eucaliptada (e o quarto do mundo em termos absolutos). Maravilha, nenhuma empresa e nenhum governo em país algum do planeta inteiro percebe o milagre que é o eucalipto e replica o sucesso português. A esperteza empresarial é privilégio único daquela lista de professores e empresários que assinam a publicidade, são os melhores do mundo. Entretanto, perguntar qual a razão para que todos os outros países do mundo imponham limites ao eucalipto é crime de lesa majestade. Segundo facto: o eucalipto já representou 24% da área ardida em 2016 e 127 mil hectares em 2017, no ano corrente ainda a conta está por concluir. No incêndio de Monchique, foi o eucalipto. Muitos dos distintos signatários são pagos pelo eucalipto e percebe-se a sua candura, mas escusavam de argumentar que ele nos protege do fogo.

Se nos dizem que o abandono do interior, a perda da agricultura e o desinteresse pela floresta também têm muitas outras razões, só posso concordar. O problema é que o Senhor Eucalipto é hoje a força económica dominante na floresta e o lóbi mais poderoso nos sucessivos Ministérios da Agricultura, e a sua ação agrava os riscos da floresta, acumula pilhas incendiárias e promete aos pequenos proprietários o que não lhes pode dar.

O predomínio do eucalipto na nossa floresta é somente um sinal da vulnerabilidade de Portugal. Que as empresas beneficiárias defendam o seu privilégio e que arregimentem os seus para uma declaração de subserviência, é natural. Que o país vá sofrendo esta prepotência, enterrando os seus mortos nos incêndios, carpindo as perdas das famílias atingidas e esperando resignadamente a desgraça do ano seguinte, isso já é menos aceitável.

 

Nos idos do verão

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 08/09/2018)

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(O Miguel vem em grande forma. O bronze da Meia Praia fez-lhe bem. Eucaliptos e pedófilos, a mesma corja, é o tema. Denominador comum entre ambas as pragas? O fogo do inferno: os infernos de fogo que os eucaliptos alimentam e onde merece ser incinerada a cáfila abusadora das crianças e jovens à sua guarda.

Comentário da Estátua, 08/09/2018) 


Das areias da Meia Praia, vi o fogo começar na Serra de Monchique. Já se tornou um hábito estar sempre a olhar para a serra com medo que um fogo comece. Porém, não me assustou muito, pois, apesar do calor intenso, estava vento sul e com vento sul não mexe uma palha lá em cima. Isso, mais a avalanche de meios terrestres e aéreos imediatamente lançados no ataque ao incêndio, logo elogiados pelo Presidente e que há meses nos vinham sendo cantados em ladainha pelo ministro Eduardo Cabrita como estando disponíveis até para os conhecidos incêndios de Natal, fazia prever que, no máximo de 24 horas o fogo estaria extinto. Mas, não: foram três dias seguidos sem vento desaproveitados, até que aquilo que todos os que conhecem a zona temiam que acontecesse, aconteceu: entrou o vento norte e tudo fugiu de controlo. Monchique ardeu até ao fim, durante oito dias e 26 mil hectares. Outra vez. Um habitual rigoroso inquérito vai apurar como é que tal foi possível e eu, que não percebo nada do assunto, não posso ajudar às conclusões. Excepto numa coisa: por favor, não concluam que não houve incompetência no comando.

Por favor, também não concluam que aquele braseiro demencial não foi tragicamente potenciado pela caixa de fósforos gigantesca em que transformaram a outrora deslumbrante Serra de Monchique. 74% da área florestal do concelho de Monchique são ocupados pelos queridos eucaliptos: lá em cima não corre um fio de água, não se avista um animal bravio, não se escuta um pássaro. Dentro de oito anos serão 84% de eucaliptal e voltará a arder tudo outra vez. É um jogo de roleta: se por acaso não arder, é fortuna garantida para quem os plantou; se arder, o prejuízo é todo dos contribuintes e o lucro é dos que fornecem os meios de combate aos incêndios. Em Maio passado, porém, o presidente da Câmara de Monchique, Rui André, mostrava-se tranquilo com a situação: as plantações de eucaliptos estavam “ordenadas e vigiadas”, os caminhos limpos e os aceiros feitos. “Já são muitos anos a apagar fogos!”, concluía ele, com um optimismo cínico que se viria a revelar mórbido e que num país onde a responsabilidade política não fosse uma palavra vã o deveria ter levado a demitir-se no dia seguinte ao fogo ter sido extinto.


2 Em Monchique, ardeu sobretudo o eucaliptal da Navigator/Soporcel. E, enquanto os eucaliptos alastravam o fogo à serra, destruíam casas e só por sorte e arte dos bombeiros não mataram ninguém, o seu dono passava férias em Ibiza, a bordo do seu iate, onde viria a morrer de ataque cardíaco. O mesmo Presidente Marcelo, que passou o Verão a lembrar e a homenagear as vítimas dos incêndios de 2017 e a preocupar-se com o incêndio de Monchique, apressou-se a lamentar a morte de um “grande industrial português”. E o jornal “Público” dedicou-lhe a capa e as primeiras quatro páginas, em homenagem ao “presidente do maior grupo industrial de base nacional” e “o homem que não se deixou enganar por Ricardo Salgado” (duas verdades inquestionáveis). Porém, nem uma linha para informar os leitores distraídos ou recordar aos outros que o tal “maior grupo industrial português”, além da Secil e daquela fábrica de cimento que é uma ferida terceiro-mundista na Serra da Arrábida, assenta basicamente na fileira predadora das celuloses — responsável pela infertilidade das terras, pelo despovoamento do interior, pela dimensão dos incêndios, pela poluição dos rios e pela destruição inacreditável da paisagem de Portugal a um ritmo avassalador. E cujas árvores, num processo já incontrolável, renascem das cinzas e espalham as suas sementes mesmo para onde ninguém as planta e ninguém as deseja. Não fosse um texto de elogio a Pedro Queiroz Pereira da autoria do engenheiro João Soares, um crónico defensor do eucaliptal, e nem se saberia a que actividade se dedicava aquele. Desse texto, aliás, retive uma passagem em que João Soares relata uma conversa que terá tido com Queiroz Pereira e em que este terá desabafado que quando abria um jornal e se via “acusado de crimes ambientais”, lhe dava “vontade de vender tudo e ir-me embora desta terra”. O problema está em que não há muitos países — aliás, nenhum país do primeiro mundo, que tenha, sequer em termos absolutos, a quantidade de eucaliptos que Portugal tem e consente. Talvez por isso, a Navigator/Soporcel procure outras paragens longe do primeiro mundo. Uma arrepiante reportagem da autoria de Sofia da Palma Rodrigues, curiosamente publicada no mesmo jornal “Público” no dia da morte de Pedro Queiroz Pereira, revelava como é que, ao abrigo de um programa lançado pelo G7 para desenvolver a agricultura tradicional em África, e através de um processo no mínimo nebuloso, a Navigator/Soporcel se apoderou de 356 mil hectares (três vezes a área que explora em Portugal) das terras agrícolas mais férteis das províncias de Manica e Zambézia, em Moçambique, para as forrar de eucaliptos, afastando delas os agricultores locais. Pois é, as coisas são como são. Não se consegue ter sol no eucaliptal e gente nos campos e chuva nos incêndios.


3  Em directo na rádio France-Inter, o ministro do Ambiente francês, Nicholas Hulot, demitiu-se sem aviso prévio, dizendo não conseguir mentir mais a si mesmo. Não, nem Macron consegue fazer cumprir em França as metas da Cimeira de Paris sobre as emissões de CO2: as pressões da indústria são mais fortes do que quaisquer promessas. Na Alemanha, uma comissão independente concluiu aquilo que qualquer condutor já sabia: que os números de consumo dos carros são notavelmente desinflacionados pelos construtores. Na Austrália, um dos países do mundo mais expostos às alterações climáticas, de ano para ano, o país vive incêndios dantescos, viu a Grande Barreira de Coral diminuir para metade e atravessa actualmente a maior seca de que há registos. Signatária do Acordo de Paris, a Austrália é o 4º maior produtor de carvão do mundo e o 16º maior poluente da atmosfera. Na terceira semana de Agosto, o primeiro-ministro, Malcolm Turnbull, foi derrubado por um golpe interno do seu partido, quando ensaiou uma tímida reforma destinada a controlar a emissão de gazes com efeito de estufa, dando cumprimento aos Acordos de Paris. Por trás do golpe estavam as grandes empresas produtoras de carvão, de petróleo e de gás e a maioria da imprensa, dominada pelo império de Rupert Murdoch.

As lições a extrair daqui são simples e assustadoras. A indústria, as grandes empresas, nunca sacrificarão os lucros dos accionistas a causas que tenham que ver com o bem comum. Pouco lhes importam os acordos ou tratados que os governos assinem ou as leis que aprovem: elas têm os governantes nas mãos, sem precisarem sequer de chegar ao extremo de os corromperem; basta assustá-los com a deslocalização, com a perda de impostos, com as consequências económicas, reflectidas em eleições. Restaria a imprensa independente para actuar em nome do interesse dos cidadãos. Mas, para se manter independente, para subsistir, a imprensa precisa de leitores e de anunciantes. Desgraçadamente, porém, os leitores estão a fugir para as redes sociais (alimentadas, irresponsável ou deliberadamente, pelos próprios políticos), e os anunciantes são as mesmas grandes empresas, interessadas em que certas notícias não existam. Num futuro não muito longínquo, alguém contará como é que sucessivas e coincidentes mortes desaguaram numa tragédia global.

4  É provável que o arcebispo Vigano tenha razão na acusação que faz ao Papa Francisco de ter encoberto os abusos sexuais do cardeal americano McCarrick. Mas é provável também que ao pedir a renúncia do Papa, Vigano, ligado aos sectores mais conservadores da Igreja, não seja movido por boas, mas por más razões. E que Francisco se tenha calado porque percebeu que a dimensão do escândalo era de tal forma que toda a Igreja Católica poderia desabar se a verdade inteira fosse conhecida. Mas agora é tarde demais.

O que os novos escândalos da Pensilvânia e da Irlanda puseram a nu de forma cristalina é que durante décadas ou séculos — talvez desde sempre — os homens de Deus se dedicaram à pedofilia sobre as crianças e os jovens que lhes eram confiados, com total impunidade e conivência dos seus superiores. Que Satanás tomou conta do proclamado Reino de Deus e que todas as virtudes santas pregadas pelos seus pastores se traduziram na mais suja e cobarde hipocrisia muros adentro. Não há perdão algum, só nojo.


Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

Quem se atreve?

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 10/02/2018)

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Miguel Sousa Tavares

1 O grupo parlamentar do PCP estava reunido em Portalegre e sentiu-se na obrigação de ir visitar o Tejo, ali ao pé. Alguns deputados embarcaram num barco de um pescador de rio e ouviram o óbvio: que o Tejo está morto, morto pelas três fábricas de celuloses ali instaladas. Nem um peixe, uma lampreia, um lagostim, nada. Cabisbaixo, o deputado João Oliveira balbuciou qualquer coisa como tentar conciliar os interesses de uns com os de outros — como se, depois de ver as imagens escandalosas que todos vimos sobre o nosso maior rio transformado num esgoto de espuma verde à superfície e toneladas de sedimentos venenosos depositados no fundo, tal fosse possível. Na Assembleia da República, aliás, todos os partidos, saudaram, aliviados, a decisão do nosso meio ministro do Ambiente de prorrogar por mais 30 dias a emissão de metade dos esgotos da Celtejo para o rio (eu chamo-lhe meio ministro do Ambiente, em vez ministro do Meio Ambiente, porque ele resolve todos os problemas pela metade: resolve metade do conflito entre os taxistas e as plataformas móveis de transporte, manda derrubar só metade dos clandestinos da Ria Formosa, manda suspender metade da morte que a Celtejo envia para o Tejo, apesar do caudal deste estar a um terço do habitual).

Por uma vez, vou até elogiar o deputado do PAN, André Silva: ele foi o único, na AR, que se atreveu a dizer o que ninguém mais tem coragem de dizer: que aquelas três empresas, que só sobrevivem matando um rio, poluindo a atmosfera todos os dias e destruindo a beleza natural de uma paisagem lindíssima, deveriam ser encerradas e os seus administradores, culpados de um verdadeiro crime ambiental e que revelaram um absoluto desprezo pelo interesse público e pela saúde alheia, deveriam ser metidos na prisão. Como se estivesse perante uma piada e não perante uma verdade inconveniente, António Costa respondeu-lhe com uma sobranceria equivalente ao desprezo com que os socialistas sempre olharam para as questões do Ambiente, chamando Projectos PIN a urbanizações em terrenos da Reserva Agrícola e “espaços verdes” a campos de golfe em zonas da Reserva Ecológica Nacional. Para eles, o que distingue a sua política do Ambiente da do PSD e do CDS, é criarem um Ministério e não apenas uma Secretaria de Estado — mesmo que lá enfiem apenas meio ministro. Já para a direita, basta soltar 57 supostos linces da Malcata na Serra de Mértola (cada um dos quais custará ao Estado muito mais do que eu custarei ao longo de toda a minha vida, como já aqui expliquei), e pronto, pode compensar-se com mais uns milhares de metros quadrados de construção autorizados para as arribas do Algarve.

É na extrema-esquerda que os dilemas são mais embaraçosos. Deixemos de lado Os Verdes, que são uma continuada ficção política e verdejante. Para o PCP e o BE o drama é simples: como defender o indefensável para não ter de pagar o preço de mandar para o desemprego umas centenas, ou mesmo milhares de trabalhadores, ao serviço das fábricas de papel? Eles, que por definição e por sobrevivência eleitoral, são os defensores naturais dos trabalhadores? A resposta requer uma coragem — deles e de todos os outros — que eu não vejo ninguém ser capaz de ter daqui até às próximas legislativas. Coragem, frieza de raciocínio, sentido de futuro e uma ideia para o país. Ser capaz de contrariar uma fatalidade estabelecida. Mudar de paradigma. Uma verdadeira reforma estrutural, de que todos falam, mas ninguém exemplifica. Tudo aquilo a que não estamos habituados. Vejamos os dados do problema.

De um lado, temos a poderosíssima indústria do papel e das celuloses — que, por mérito próprio, mas também porque actua num quadro permissivo de terceiro mundo, é hoje uma referência mundial de excelência. Parabéns à Navigator, ao papel de carta, ao papel higiénico de várias cores (cujas tintas, porém, suponho que o Tejo ou outro tenha de absorver). Representam, dizem-nos, 1300 milhões de exportações na balança comercial — parabéns, outra vez. Criam não sei quantos postos de trabalho, centenas ou milhares, nas fábricas de transformação, onde os eucaliptos passam a pasta de papel. E nas suas plantações, dizem-nos também, praticamente não há incêndios. Parabéns, parabéns, parabéns.

Agora, o reverso da medalha. Não, eles não têm incêndios: têm dinheiro e dimensão suficiente para os evitar: para terem guardas, para roçarem os matos, para fazerem corta-fogos, para terem depósitos de água e um serviço próprio de actuação rápida. O problema são os pequenos proprietários, sem dimensão nem dinheiro, a quem eles convencem a plantar eucaliptos (em Pedrógão, já estão a fazê-lo outra vez a grande velocidade), e onde o negócio é simples: se houver incêndio, o prejuízo é todo dos pequenos proprietários e dos contribuintes; se não houver, é dos três grandes grupos de celuloses e dos pequenos proprietários.

A segunda questão é que o eucalipto, uma árvore endógena, como diz a sabedoria popular, “seca tudo à roda”. E seca: agricultura, silvicultura, pastorícia, caça, água, empregos no terreno, qualquer actividade humana. Vão à Serra da Ossa, à Serra de Monchique, à Serra do Cercal, que outrora deu o nome a Vila Nova de Milfontes, e contem quantas fontes, quantos animais selvagens, quantos pássaros, quantas pessoas lá encontram: zero.

O eucalipto é, por si só, o maior factor de desertificação do país, e a desertificação do país é o nosso problema número um. Não vale a pena falarem em descentralização, nem em ocupação do interior nem em valorização do mundo rural, enquanto estivermos submetidos à ditadura do eucalipto. Juntem a isso o conhecimento, hoje absolutamente indisfarçável, de que o eucalipto é, de longe, o maior factor de deflagração de incêndios: o eucalipto mata. Mata a floresta, mata casas, povoações, pessoas. E, como vimos agora, mata rios.

Mata a pesca, a agricultura, a paisagem, o turismo do interior. Com a limpeza dos rios, com as indemnizações às vítimas dos fogos, com os negócios e negociatas à volta do combate aos incêndios, só de custos directos a indústria de celuloses custa uma fortuna aos contribuintes. Mas quem se quiser deitar a pensar quanto mais custa ao país e aos contribuintes o abandono dos campos e a desertificação de todo o interior, rapidamente chegará à conclusão que 1300 milhões não são nada comparados com isso.

Restam os postos de trabalho que se perderiam. Mas chamo a atenção para os estudos recentes que têm vindo a público e que nos dizem que, com a quebra da natalidade e o envelhecimento demográfico galopante que temos, o nosso principal problema em breve vai ser a escassez de dezenas, e logo centenas, de milhares de postos de trabalho na indústria, se quisermos continuar a crescer. Só é preciso ter a coragem de mudar de paradigma. Sairmos de um pensamento de país terceiro-mundista.

2 O descaramento já atingiu tal ponto que, na semana passada, a revista “Sábado” não só se dava ao luxo de tranquilamente transcrever largas passagens do interrogatório do juiz Carlos Alexandre a Paulo Santana Lopes e José Veiga, visando implicar o juiz Rui Rangel, como também chegava ao ponto de comentar os apartes de Carlos Alexandre, deste género: “Bem ao seu estilo, Carlos Alexandre não resistiu a desabafar…”. Se tamanha intimidade relativamente a uma peça teoricamente alvo do chamado “segredo de justiça” já dá muito que pensar, que dizer do facto de um jornalista da revista, aparentemente acompanhado de um fotógrafo, ter andado a seguir os últimos cinco dias de Rui Rangel, antes de ser despoletada a ‘Operação Lex’, fotografando-o a sair de casa, a entrar no Tribunal da Relação, a sair para um jogo de futebol com amigos, a embarcar no carro na garagem do condomínio, etc.? A PJ ou o MP agora fazem vigilâncias a suspeitos em conjunto com jornalistas da Cofina ou fornecem-lhes “em exclusivo” o material dessas vigilâncias? Independentemente dos suspeitos em causa, com quem eu não gastaria um jantar (mas isso não vem ao caso), muito gostaria de saber se o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, o director nacional da PJ, a PGR, o Conselho Superior do Ministério Público, não acham seu dever dizer uma palavrinha sobre o assunto? Ou já nada os envergonha? E, se já nada os envergonha, o que devemos esperar a seguir?


(Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia)