Os banqueiros também têm coração

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 10/02/2017)

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A quantidade de cartas que o António Domingues escreveu a Centeno está ela por ela com a correspondência entre Pessoa e Ofélia. Mas as juras de amor entre banqueiros e políticos são como uma bola de sabão colorida nas mãos do Capitão Gancho.


O grupo CaixaBank comprou 39,02% do BPI na OPA que lançou sobre o banco. Passou, assim, a controlar 84,5% do BPI. Isabel dos Santos vendeu, finalmente, os 18,6 % do BPI que lhe pertenciam. Conta que fizeram uma oferta à Isabel dos Santos que ela não podia recusar: “ou vendes o BPI aos espanhóis do CaixaBank ou, da próxima, ficas duas horas à espera no aeroporto de Lisboa.” Não entendo como é que a Isabel dos Santos esteve trinta minutos à espera na pista do Aeroporto de Lisboa. Bastavam dois telefonemas e comprava a ANA. Se fosse argelina, queria ver se a impediam de ir apanhar um táxi.

Foi uma OPA bem sucedida e o Banco Português de Investimento passou a ser espanhol. Tenho a mesma opinião que o Doutor Artur Santos Silva, o ainda presidente do conselho de administração do BPI diz que “não me preocupa que o BPI seja uma sucursal de um banco espanhol”. Concordo. Aliás, bem pelo contrário, sinto um enorme alívio porque isso quer dizer que, desta vez, se correr mal, quem paga é o contribuinte espanhol.

O alívio é notório nas palavras do ex-presidente executivo do Banco BPI e futuro chairman do banco espanhol, Fernando Ulrich: “Quero continuar a trabalhar muito, mas com menos stress”. Menos stress, diz o senhor do “aguenta, aguenta”. O que vale é que o CaixaBank não é a Padaria Portuguesa ou iria ganhar menos.

Vamos ao que interessa. Depois desta OPA espanhola, Ulrich passa a chairman do banco, o que, na prática, significa que, finalmente, vai ter mais tempo para estar com a família. Para mim, este facto é o mais importante disto tudo.

Nós últimos dias, descobri o lado romântico que existe nos banqueiros. Já andava desconfiado que os banqueiros também tinham coração, quando o Doutor Ricardo Salgado disse, aos jornalistas, à saída do DCIAP: “Está muito frio cá fora, tenham cuidado, ainda se constipam.” Mostrou uma sensibilidade que não lhe conhecia. Vê-se que é uma pessoa que se preocupa mais com os outros do que com o dinheiro dos outros.

Mais recentemente, quando tomei conhecimento que a quantidade de cartas que o António Domingues escreveu ao ministro Centeno está ela por ela com a correspondência amorosa entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, fiquei definitivamente convencido de que o lado romântico dos banqueiros é uma realidade.

É comovente ver aquela troca de correspondência porque, nos nossos dias, já ninguém escreve cartas e ninguém acredita em promessas de políticos. António pede a Lua a Mário e ele responde dizendo que vai buscar um escadote.

É bonito. Mas as juras de amor entre banqueiros e políticos são como uma bola de sabão colorida nas mãos do Capitão Gancho. Enfim, podemos dizer que todas as cartas de banqueiros são ridículas. Não seriam cartas de banqueiros se não fossem ridículas.


TOP 5

“Nininha”

1. EUA querem palavras-passe das redes sociais a quem pede visto – e, agora, como é que lhes digo que a minha é grabmelaniabythepussy?!

2. Henrique Raposo escreve, no Expresso, que o twitter é para fascistas – “Usei o twitter durante um dia, talvez uma manhã. Quando desactivei a conta, disse à minha mulher: ‘Isto é perfeito para comunas ou fachos, Maria Vieira.'”

3. Kate McCann concorre ao “Britain’s Got Talent” – espero que não seja com um número de ilusionismo que consiste em fazer desaparecer uma criança do público.

4. Nova lei impediu mais de 11 mil acções de despejo por dívidas ao Fisco – é positivo mas, ao mesmo tempo, são menos sem-abrigo com que o Presidente da República pode ir almoçar.

5. Presidente dos EUA ataca uma empresa por não fazer negócios com a filha – Trump vai fazer uma cadeia de lojas para a marca da filha e vão ser os mexicanos a pagar.

O senhor “Ai, aguenta, aguenta!” não aguentou

(Nicolau Santos, in Expresso Curto, 09/02/2017)

 

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Bom dia.
Este é seu Expresso Curto, no dia em que Fernando Ulrich, o homem que um dia disse a frase “ai, aguenta, aguenta!”, referindo-se à possibilidade do país aguentar ainda mais austeridade, não aguentou ele próprio os sucessivos golpes no BPI
, deixando a presidência executiva do banco para um espanhol e passando a presidente não executivo.

Convenhamos que os últimos anos não foram fáceis para Ulrich.
Devido à crise e às novas e mais duras regras europeias para o setor bancário, que sempre criticou, teve de pedir 1500 milhões de euros de ajuda estatal em meados de 2012, que pagou dois anos depois. Assistiu à saída de um dos principais acionistas de referência do banco, o brasileiro Itaú e os equilíbrios a esse nível, que sempre tinham assente num tripé de grandes investidores, começaram a esboroar-se. Depois, o grande sucesso do Banco de Fomento de Angola sofreu um primeiro golpe, quando o governo angolano exigiu que 49% do capital passasse para investidores locais. Ulrich tentou adiar o mais possível esse momento, remetendo-o para quando o mercado de capitais abrisse em Angola (continua por abrir…), mas não conseguiu resistir à pressão de Luanda e teve de aceitar como sócia a filha do presidente angolano, Isabel dos Santos, que entretanto também já se tornara uma das principais acionistas do BPI em Portugal.

Mesmo assim, o desempenho continuou a ser tão bom, com o BFA a representar mais de dois terços dos resultados do BPI, que quando o Banco Central Europeu, por considerar que o mercado angolano não cumpria as regras de supervisão europeias, impôs a Ulrich a venda da maioria do capital, o presidente executivo tentou por todos os meios encontrar uma solução que lhe permitisse não perder o controlo de um ativo tão precioso. Em vão. O maior acionista do BPI, os catalães do CaixaBank e Isabel dos Santos encetam então um atribulado processo de negociações para encontrar uma solução, que acaba agora num divórcio: Isabel vende a sua participação no BPI mas torna-se a acionista maioritária do BFA.

Por seu turno, o CaixaBank passa a controlar 84,5% do capital do BPI pelos catalães do CaixaBank na sequência da OPA que lançou, acabando de vez com o equilíbrio acionista tripartido que era uma das imagens de marca da instituição e que permitia que esta tivesse uma gestão inequivocamente em mãos nacionais, primeiro por Artur Santos Silva, depois por Fernando Ulrich. Agora há um único acionista que passa a mandar na instituição e um presidente executivo de nacionalidade espanhola, Pablo Forero.

O projeto BPI, tal como o conhecemos desde a sua fundação, morreu ontem.

Leiam-se as declarações de Ulrich: “O BPI, a partir de hoje, faz parte do grupo CaixaBank. Isso é claro. Até agora, o CaixaBank era o maior accionista. A partir de hoje, o CaixaBank controla o BPI. Não há nenhuma dúvida sobre isto e eu entendo que isto é uma boa notícia para o BPI e para os clientes”. Está bem, Fernando: então o modelo anterior era mau para o BPI e para os clientes?

Dos cinco maiores bancos que operam no mercado português, só a Caixa Geral de Depósitos se mantém nacional, com o seu capital controlado a 100% pelo Estado. O BCP é controlado pelos chineses da Fosun, o BPI pelos catalães do La Caixa, o Santander Totta pelos espanhóis do Santander e o Novo Banco aguarda quem o compre – mas não será capital nacional a mandar no futuro da instituição. Foi a isto que chegámos, 37 anos depois da abertura do setor à iniciativa privada por decisão de um governo liderado por Mário Soares.

Os peixes verdes de Isabel dos Santos. E a física quântica da António Costa

(Nicolau Santos, in Expresso Curto, 19/04/2016)

nicolau

“Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes / E eu acreditava. / Acreditava / porque ao teu lado / todas as coisas eram possíveis”. Este extrato de um dos mais belos poemas escritos em língua portuguesa, “Adeus”, de Eugénio de Andrade, aplica-se, metaforicamente falando, ao modo como banqueiros, empresários e gestores portugueses apreciavam Isabel dos Santos, a engenheira angolana que está no epicentro do filme de ‘suspense’ que envolve o BPI.

Só havia elogios: uma empresária de topo, uma excelente negociadora, muito bem preparada e assessorada, mas extremamente discreta, avessa à ostentação e à exposição pública, uma líder indiscutível, em suma. E assim Isabel dos Santos, com sorriso de veludo e punho de ferro, foi fazendo o que quis aos empresários portugueses, sem críticas nem oposição. Até que resolveu fazer o mesmo aos catalães do La Caixa. E o caso mudou de figura.

Com efeito, Isabel dos Santos é, no momento em que escrevo, a grande perdedora do braço-de-ferro que trava há meses com o La Caixa. A história é conhecida. Como se sabe, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu não reconhecem as regras de regulação e supervisão que se aplicam em Angola. Por isso, exigiram ao BPI, que controla o Banco de Fomento de Angola, que resolvesse a sua exposição em 5 mil milhões de euros à dívida soberana daquele país. Havia duas maneiras: ou o BPI descia a sua participação para menos de 20% no BFA ou criava uma holding para integrar todos os seus ativos não financeiros em África. Esta segunda hipótese, a que mais agradava ao presidente do BPI, Fernando Ulrich, foi no entanto chumbada por Isabel dos Santos, que tendo uma participação de 18,5% no BPI, a que junta mais 2,5% do BIC conseguiu fazer frente às intenções do La Caixa, que tem 44%. Mas como os direitos de voto estão limitados a 20%, o tema caiu num impasse. Acontece que Bruxelas deu um prazo até 10 de abril para que o assunto fosse resolvido. E aí começaram longas e morosas negociações, que apontavam para a solução final: o La Caixa comprava a posição da Santoro, de Isabel dos Santos, no BPI, e vendia a posição do BPI no BFA a Isabel dos Santos. Depois de um primeiro rompimento, as negociações foram reatadas e quinta-feira passada foi anunciado fumo branco pelo próprio BPI. Contudo, no sábado, a Santoro comunicou que as negociações continuavam e o acordo não estava fechado. Foi a gota de água: os catalães perderam a paciência e romperam definitivamente as conversações.

Pelo meio, já o Presidente da República e o primeiro-ministro tinham tentado unir as duas partes, o primeiro guardando na gaveta durante mês e meio o diploma que acaba com as limitações de direito de voto nas instituições financeiras e o segundo chegando mesmo à fala com a engenheira angolana. Só que Isabel dos Santos queria mais: queria a garantia que, se ficasse com o BFA, este seria cotado na bolsa de Lisboa, algo que o La Caixa não podia garantir, nem o governo nem o Presidente da República. Só mesmo o supervisor europeu, o Banco de Portugal e a CMVM têm esse poder. Ainda por cima, o Banco de Portugal vetou o nome do novo presidente do BIC Portugal, Jaime Pereira, indicado por Isabel dos Santos, que iria substituir Mira Amaral à frente da instituição.

Ontem, o La Caixa anunciou uma OPA sobre o BPI e a única condição que impõe é que fique com mais de 50% do capital do banco – mas o preço dececionou. Ao mesmo tempo, foi publicado o diploma que acaba com as limitações dos direitos de voto, que no entanto só entra em vigor a 1 de julho. E Isabel perde em três carrinhos: a sua posição no BPI fica desvalorizada; o La Caixa, como é um banco muito maior que o BPI, já não precisa de vender o controlo do BFA a ninguém; e a sua imagem perante os reguladores nacionais e europeus não sai bem deste processo.

Contudo, o jogo não acabou. Ninguém duvida que haverá retaliações, até porque o poder político português, na tentativa de encontrar uma solução, acabou por se envolver no assunto – o que foi criticado pela ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. Teme-se, pois, a resposta angolana (até porque Isabel dos Santos se tornou recentemente militante do MPLA) e como ela poderá afetar o BFA e as mais de 8000 empresas e cerca de 150 mil portugueses que trabalham em Angola. O jornal i dá conta do que pode acontecer: “Exportações portuguesas em risco, envio de divisas para Portugal pode tornar-se ainda mais difícil e construção civil ameaçada”. E, ‘last but not least’, a OPA do La Caixa sobre o BPI necessita de luz verde do regulador angolano, o Banco Nacional de Angola, para avançar… Promete.

Recordemos como acaba o poema de Eugénio de Andrade: “Não temos já nada para dar. /Dentro de ti não há nada que me peça água. / O passado é inútil como um trapo. / E já te disse: as palavras estão gastas. / Adeus.”

Ora soubesse António Costa explicar em palavras não gastas o que é a Física Quântica e resolveria certamente sem problemas o diferendo no BPI e, quiçá, as exigências de Bruxelas para aplicar novas doses de austeridade ao país. Mas é de supor que o primeiro-ministro, que tem muitas artes e virtudes, não disponha também dessa. Contudo, pode sempre aprender com o vídeo, que já se tornou viral, do primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, a explicar a um jornalista que o queria entalar com a pergunta, o que é a física quântica: em poucas palavras e para toda a gente perceber.

Em qualquer caso, o relatório de avaliação da economia portuguesa pela Comissão Europeia bem vai obrigar António Costa e o Governo a dar grandes explicações a Bruxelas. É que o tema do aumento do salário mínimo esbarra com a oposição declarada da Comissão, que considera que isso “agrava o desemprego de longa duração” (Diário de Notícias), pelo que quer travá-lo (Jornal de Notícias), além de forçar um corte nas reformas da ordem dos 600 milhões de euros (Correio da Manhã). Ao mesmo tempo, segundo o El Pais, Bruxelas dá mais um ano a Espanha para reduzir o défice