Será que não há mesmo um milhão de portugueses xenófobos e racistas?

(Whale project, in Estátua de Sal, 12/03/2024, revisão da Estátua)


(Este artigo resulta de um comentário a um texto que publicámos sobre os resultados das eleições para a Assembleia da República de 2024, (ver aqui). Pela sua atualidade e por alguns pontos de vista, que julgo merecerem debate sério e reflexão desapaixonada – tanto quanto possível -, resolvi dar-lhe destaque.

Estátua de Sal, 12/03/2024)


Será que não há mesmo um milhão de portugueses xenófobos e racistas? Gostava de ter toda essa confiança na Humanidade. Mas quem vive na rua – não quer dizer que eu seja um sem-abrigo -, não pode ter desses lirismos e ilusões.

Os grunhos têm-se ouvido todos os dias. Falam contra os ciganos, falam contra esses malandros que andam aí a passear-se de turbante, os brasileiros que são todos pastores da IURD e as brasileiras que são todas umas putas. Ouvimos as atoardas contra quem recebe o rendimento mínimo ou o subsídio de desemprego. As asneiras ouvidas nos últimos tempos permitiram-me ir fazendo a minha própria sondagem e, na verdade, a votação no Chega só me surpreendeu por defeito.

Claro que, quem é político, quem tem ainda ambições políticas, tem de pôr paninhos quentes. Não pode admitir que temos mesmo um milhão de portugueses xenófobos, racistas e invejosos. Invejosos sim, invejosos de quem recebe a miséria do rendimento mínimo, invejosos do cigano que bebe uma cerveja na esplanada de um café.

Mas, a verdade é que essa gente sempre cá esteve: nos bandos de skinheads que nos anos 90 espancavam negros; nas histórias dos desgraçados estudantes universitários dos Palop que, muitas vezes, só conseguiam alugar uma parte de casa a senhorios estrangeiros radicados em Portugal, muitos deles vindos de países considerados muito mais racistas do que nós, como é o caso da Alemanha.

Os votantes no Chega estavam nos construtores civis que garantiam que, com eles, poderíamos estar descansados: naquele prédio nunca se venderia uma casa a negros e/ou a indianos. Os votantes no Chega estavam num povo que sempre normalizou o racismo desde o tempo das Descobertas. Por isso fomos, durante séculos, líderes do tráfico negreiro. Os votantes no Chega estavam em todos os que esqueceram a miséria passada e decidiram culpar os imigrantes pelas dificuldades que têm hoje, mas que em nada se compara com a miséria que tinham quando isto era uma miséria tão grande, que nem o Diabo queria emigrar para cá.

Se falhámos em tirar da cabeça das pessoas essa mentalidade podre? Claro que falhámos. Mas essa mentalidade podre sempre lá esteve. Só estava à espera de uma oportunidade para se manifestar. E ela surgiu no discurso histriónico e meio tresloucado do Ventura. Que se limitou a repetir, com mais ou menos nuances, todas as atoardas que se dizem nas tascas, especialmente após a quarta cerveja média.

Não é a pôr panos quentes que vamos lá. Era mesmo ter ilegalizado essa força das trevas enquanto foi possível, porque a nossa Constituição assim o permite. Ventura apelou ao racismo, à discriminação e à violência com todas as letras. Ou acham que os ciganos seriam levados pacificamente, qual rebanho de ovelhas para o “confinamento especial” – onde o Ventura os queria meter, a pretexto que não cumpriam as restrições sociais, no período da pandemia? E mais: militantes do partido fizeram saudações nazis e muitos definiram-se como fascistas.

Foi a falta de coragem que nos levou até aqui. A falta de coragem e o cálculo, porque partidos como o PSD, viram que com essa força das trevas teriam a única maneira de voltarem ao poder em tempos próximos. Porque, efetivamente, não há maneira de pôr muita gente a acreditar no milagre da multiplicação dos pães e dos peixes prometido pela Iniciativa Liberal. E ninguém se esqueceu ainda do que se passou nos anos do ir além da troika.

Restava mesmo apelar aos mais baixos instintos e isso foi conseguido. Eu sempre disse que um voto no Chega era um voto no PSD porque, passadas as eleições, rapidamente dariam o dito por não dito, pois que o objetivo da criação do Chega sempre foi esse. Quem votou Chega vai ter o que não queria: a troika de volta, em toda a sua inteireza.

Quanto aos quatro políticos citados, lamento discordar mas Soares era um catavento e o Carneiro tinha qualquer coisinha de Ventura. Os outros eram gente de “tomates” e, o Freitas subiu muito na minha consideração pela coragem de ver, quase no fim da vida, que muito do que defendera era latrocínio puro. Como quando o seu partido embarcou na nefasta Guerra do Iraque. Quando também teve a coragem de comparar Bush com Hitler e dizer que o único conflito que havia na Palestina era “um povo a destruir outro porque acredita, porque criminosamente acredita, que aquela terra lhes foi dada por Deus”.

Não sei o que Freitas teria a dizer sobre isto se ainda fosse vivo e “com o tino todo” mas não o estou a ver a pôr paninhos quentes nos cheganos. E, não tendo eu ambições políticas, não ponho nenhuns panos quentes. Temos mesmo um milhão de portugueses xenófobos e racistas e, provavelmente, até temos mais. É lidar.


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18 pensamentos sobre “Será que não há mesmo um milhão de portugueses xenófobos e racistas?

  1. Absolutamente de acordo.
    Temos mais, significativamente mais de um milhão de xenófobos, racistas e nada melhor que fazer uma sondagem no tasco ou nas bancadas do futebol para abrir a boca de espanto com o resultado.
    Eu vivo esse exemplo com os meus companheiros do trabalho. Nove em cada dez faz da tasca o fim do dia.
    Sabem tudo sobre futebol, dão porrada em toda a gente, não conseguem construir uma frase sem 50% de palavrões e 8 em cada dez votaram chega e fizeram questão de que isso se soubesse.
    Assim como ” imagem de marca”.

  2. Que disparate.
    Nunca as palavras fascista/fascismo/xenófobo/racista e etc foram tão inadequadamente utilizadas.
    É preciso não saber o significado verdadeiro de cada uma dessas palavras para as utilizar a torto e a direito, de forma tão leviana.
    E tudo o que é demais, não presta.
    Um milhão de votos no Chega significa apenas que as pessoas estão fartas de serem enganadas, fartas de um PS que em 8 anos não fez rigorosamente nada, fartas de tanta corrupção, pedonismo e impunidade (sobretudo tanta impunidade).
    O sistema está caduco, há 50 anos que repetem os mesmos esquemas gastos e bolorentos, a corrupção aumenta, o sentido de Estado diminui, o trabalho em prol do povo e do país diminui a olhos vistos, Saúde, Educação e Transportes mil vezes pior do que há umas décadas, enfim, só não vê quem não quer ver.
    Chamar fascistas a 1 milhão de portugueses parece, no mínimo, exagerado e despropositado.
    Há um milhão de portugueses fartos e descontentes que se manifestaram.
    Infelizmente, há muitos mais milhões de portugueses descontentes que não se manifestaram. Ou por abstenção ou por vergonha.
    O que faz falta mesmo aos portugueses é terem mais consciência cívica e coragem para lutar pelos seus direitos.
    Estamos todos fartos de ser enganados e roubados.

    • Subscrevo o que disse.
      E acrescento as palavras do Almirante Pinheiro de Azevedo, depois do cerco a São Bento pelos operários da construção civil:
      – bardamerda pró fascista!

    • Ganda malha, Paulinha! O fascismo não existe, o fascismo nunca existiu, a PIDE é um mito urbano, a Legião idem, o braço estendido em virilíssima saudação também, a Mocidade Portuguesa aspas, a António Maria Cardoso era uma escola de costura, Caxias e Peniche eram empreendimentos visionários de Alojamento Local, o padrinho botas de Santa Comba só não era um terno e inofensivo avozinho porque tinha a minhoca seca. Só tu, doce Paulinha, e mais os outros 999 mil, existem e existirão, e doces escuteiros como o Ventrulhas entusiasticamente aplaudirão. Beijinhos.

  3. Lamento que não gostem da imagem que se vê no espelho.
    E claro que nos últimos oito anos nada foi feito. O ordenado mínimo continua a ser de 485 euros, as estradas estão novamente transformadas em caminhos de terra batida porque nem um bocadinho de alcatrão lá se pôs.O país não cresceu e continuamos com défice orçamental.
    E claro, o descontentamento justifica que, se tenha votado num partido que promete acabar com os apoios às vítimas de violência doméstica, que pediu um confinamento especial para os ciganos e que ladra contra os imigrantes esquecendo se que fomos e ainda somos um país de emigrantes. Que agrega todos os saudosistas do fascismo, tem militantes que cometeram crimes fascistas e outros que se assumem como fascistas.
    Foi mesmo só descontentamento, nenhum dos pobres descontentes votantes no Chega tem nada de xenófobo e fascista.
    Levem nos para casa e dêem lhes de comer.
    Saúde, educação e transportes mil vezes pior que há umas décadas. Claro, devias ter vivido quando a única maneira de sair do Sotavento Algarvio era uns estrada de curva e contra curva que fazia muita gente vomitar as tripas antes de percorridos 20 quilómetros. As estradas eram caminhos de cabras onde era um castigo para passarem dois carros.
    Ao menos assume que também votaste no ex comentador do Benfica.
    Sabes como é que era ser mulher há 50 anos Paulinha? Sabias que até para trabalhar fora de casa tinhas de pedir autorização ao teu marido? Sabias que ninguém te vendia um aspirador porque era demasiado valioso e tinha de ser o teu marido a autorizar porque era um valor demasiado alto?
    Sabias que perdias a nacionalidade portuguesa se, casasses com um estrangeiro? Que foi assim que a grande pintora Vieira da Silva perdeu o direito a ser portuguesa?
    E voltar a 1973 que queres?
    Sabias que há 50 anos os ordenados eram tão baixos que toda a gente era corrupta? Sabias que as fábricas de conserva tinham apalpadeiras porque as operárias roubavam peixe para alimentar os filhos?
    Sabias que a contracepção não era acessível e que o aborto era proibido? Sabes quantas mulheres morreram por abortos feitos em vaos de escada?
    Sabes os números da mortalidade de infantil em 1974?
    Sabias que a maior parte das crianças ainda nascia em casa com todos os, riscos que isso implica, especialnente nas zonas rurais?
    Sabias que a esperanca de vida era, de menos 14 anos que agora?
    Sabias que na maior parte das zonas rurais, onde vivia a maior parte da, população activa não havia água canalizada, nem luz, eléctrica nem esgotos? Sabias que havia quem andasse, quilómetros para ir a bica buscar agua?
    Sabias que ainda havia quem morresse por beber água en quinada?
    Sabes quantas pessoas tinham o privilégio de fazer mais que, a, quarta classe? Sabias que cerca da um terço da populacao não tinha um nível formal de ensino e 25 % da população era analfabeta?
    A sério que é só de há 50 anos para cá que há miséria e corrupção?
    A sério que nada de bom aconteceu no país desde que o fascismo acabou?
    Em que azinheira bateste com a cabeça? Leva o alforriado e vão os dois ver se o mar dá choco.
    E bardamerda para os cheganos!

  4. É claro que há um sentimento racista latente na sociedade portuguesa que regularmente se exprime de forma explicita’ Quantas vezes António Costa foi apelidado de vários epítetos depreciativos por força das suas raízes indianas. E como o discurso popular está recheado de expressões contra os emigrantes de origem asiática ou contra os brasileiros.

    Na realidade o Chega explora muito bem este sentimento natural de dúvida e ansiedade perante o comunidades que tem hábitos e costumes que chocam com a tradição portuguesa. Quando esta presença assume um número e um protagonismo que cria nas pessoas um sentimento de medo porque esta presença é percepcionada como ameaça sai tudo cá para fora.

    Em boa verdade o que se passa é que a forma displicente como é gerida a chegada dos emigrantes, a incipiente abordagem as questões da integração e assimilação dos grupos de emigrantes estão a criar o caldo de cultura para a afirmação do Chega. Da mesma forma que a preponderância da agenda das causas fracturantes está a estimular a migração de muitos eleitores da classe operária para a extrema direita (não aprenderam nada com o que se passou em França onde a classe trabalhadora / operária vota maioritariamente em Le Pen).

    A ideia de que os eleitores do Chega são gente enganada e que vota neles por fastio não resiste a uma análise mais profunda. São de facto pessoas que dão vazão as suas frustrações e estão a exprimir os seus ódios mais íntimos e profundos e perderam uma qualquer noção de constrangimento social pela expressão destes ódios.

  5. Temos que chegar há triste conclusão, além de votarem, xenófobos e racistas.,.. também existem fascistas e neonazistas , e outros burros que nem um penedo (iguais ou da minha aldeia)!
    Mas temos que acrescentar , que a RTP e rádios e jornais pagas com os nossos impostos fizeram o seu papel de os promover, apesar de sabermos que existem uns tipos nas administrações “não valem a ponta de um corno”), que se dizem de esquerda!
    Quanto a maioria da comunicação social burguesa neoliberal, com tiques. Essa, anda danadinha para ver os neoliberais da direita a extrema direita no poder politico, econômico e militar!

    • olhe que não, olhe que não…..
      a maioria da CS comprada e ao serviço do sistema está danadinha para publicitar aquilo que o PS lhe encomenda e não perder o emprego.

      • Temos que chegar à triste conclusão, além de votarem, xenófobos e racistas e outras coisas mais;- também existem fascistas e neonazistas , e outros burros que nem um penedo (iguais ou da minha aldeia)!
        Mas temos que acrescentar , que a RTP e rádios e jornais pagas com os nossos impostos fizeram o seu papel de os promover, apesar de sabermos que existem uns tipos nas administrações (“não valem a ponta de um corno”), que se dizem de esquerda!
        Quanto a maioria da comunicação social burguesa neoliberal, com tiques. Essa, anda danadinha para ver os neoliberais da direita, extrema direita no poder politico, econômico e militar!

    • O senhor Baleia vai chamar Paulinha à sua avózinha e fica desde já informado que vomitar todas essas realidades (que são verdade e que eu vivi porque nasci em 1950) não faz delas trabalho meritório deste PS nos últimos 8 anos. Para essas coisas deixarem de ser como eram, tanto em Portugal como em todo o lado – era a época – à excepção dos países nórdicos que avançaram mais rapidamente que PT, contribuiiram muitas pessoas e muitos governos. Eu falei apenas destes 8 anos de NADA que o actual PS não concretizou. NADA. Até o Mário Soares, em quem sempre votei, deve estar a dar voltas na tumba.

  6. A D. Paula andou muito distraída nestes últimos 8 anos. Só por distração ou má fé se pode negar que, nestes últimos 8 anos, recuperamos rendimentos que nos foram retirados nos tempos sinistros da troika. Passamos por uma pandemia, sem deixar ninguém para trás. Deu-se o equilíbrio das contas públicas, permitindo a diminuição do défice, o que permitiu crescer o investimento público. Em nenhum país do mundo o povo está satisfeito e o povo português não é diferente dos demais. Temos sempre motivo para nos queixarmos e fazer reivindicações. E está certo! Devemos lutar sempre por mais e melhor saúde, educação, justiça, cultura. Mas dizer que estamos pior é injusto. O dinheiro dos nossos impostos não dá para tudo e para todos. Fazem-se escolhas e ajudar os mais vulneráveis como os idosos, os desempregados, os doentes, as crianças é uma dessas escolhas, mesmo que seja feita à custa da recuperação do tempo de serviço dos professores (eu sou professora) ou dos subsídios dos
    polícias ou do aumento do ordenado dos médicos.
    A reforma do SNS está em curso. É necessário tempo para ver os resultados. Mas dizer que temos um sistema de saúde pior é faltar á verdade. Temos hospitais mais limpos e equipados como nunca. Centros de saúde que cumprem a sua função. O que vemos na comunicação social são os picos de afluência, que nenhum sistema de saúde poderia dar resposta satisfatória em tempo útil. Vivemos num sistema de democracia liberal e não podemos obrigar médicos a ocupar vagas onde fazem falta. Ou só queremos a livre escolha e a livre iniciativa para os nossos interesses?
    Está tudo bem ?
    Não, não está! Há muito para fazer, mas não será feito com governos da orientação política que venceu as eleições. Mostraram como se governa em tempos de crise e foram dos anos mais negros da nossa vida em democracia. Perdemos rendimentos, direitos, cortes salariais e nas reformas e, até, no tempo de descanso, com o aumento do horário de trabalho, da diminuição dos feriados e de dias de férias.
    É de uma enorme ingratidão não reconhecer os progressos realizados nestes últimos 8 anos. Apesar de não ser militante ou simpatizante do PS, não sou ingrata.

    • Não, cara senhora professora, nem sou distraída, nem pateta nem ceguinha, nem surda. E, como já disse em comentário anterior, sempre votei PS, mas não neste. Este PS é uma ofensa para o PS original. Se acha que este PS fez isso tudo em 8 anos, eu digo-lhe que isso é o típico discurso dos actuais socialistas, incompetentes em todas as áreas e vítimas sempre dos outros, já para não falar nos inúmeros casos e casinhos e casões (os que se sabem publicamente e os que não se sabem) de corrupção e pedonismo. A sra. professora é que tem andado distraída se não reparou nisso tudo. Nunca um governo teve tantos escândalos de corrupção como este último governo PS em 50 anos. Mas seguem alegremente impunes. Sabe porquê? Porque o polvo é gigante e tem tentáculos em todos os lugares. Nós que pertencemos ao PS e saímos por inadequação com os ideais falseados, sabemos isso muito bem. Uma boa tarde para si e abra os olhos.
      A cabeça serve para pensar. Papaguear clichés bolorentos não.

    • E também não sou ingrata, antes pelo contrário. A Gratidão faz parte das minhas práticas diárias, agradeço constantemente tudo o que me acontece, bom ou menos bom, porque com tudo aprendo.
      Ingratos são os actuais membros do gangue maçónico (*) do Largo do Rato que não honram as origens do partido.

      (*) também os há em todos os partidos e sectores.

  7. D. Paula, sem querer entrar em discussões inúteis e estéreis, sempre lhe pergunto: quantos casos foram a julgamento e quantas acusações foram efetivamente proferidas?

    • A sua pergunta é hilariante, mais uma vez tipicamente “socialistas à defesa”. Não leu o m/comentário anterior. O polvo é gigante e tem tentáculos em todos os lugares. É preciso explicar melhor?

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