(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 27/08/2023)

A propósito da atuação de Marcelo Rebelo de Sousa na presidência da República, António Barreto escreveu na sua coluna no Público (26/08/23) — Grande angular: «O regime está mudar». “O Presidente vetou tudo. Não por motivos constitucionais, jurídicos e constitucionais, mas por razões políticas e programáticas.” (…) “Além do tradicional, o Presidente parece agora desempenhar vários papéis. O de fiscal da ação política, provedor do cidadão, colegislador, responsável pelas políticas públicas.” (…) “ Estamos a assistir a uma mudança de regime” E exalta como exemplo da virtuosidade da ação de Marcelo Rebelo de Sousa e da mudança de regime a patética visita a Kiev para marcar o ponto: “ O Presidente da República desempenhou na Ucrânia, com garbo (hirto a marchar com os braços colados ao corpo em direção ao mural de Bucha) e competência (sic), cultural (sic — deve ter sido quando falou ucraniano) e afetuosamente (é um distribuidor de afetos ambulante, sabe-se), com brilho e distinção” (é uma nota de um examinador amigo).
A António Barreto salta a boca para a verdade e para a contradição quando afirma (para fazer a quadratura do círculo): “Ultrapassou (sic) as tradições de cerimónia. Dentro das margens estabelecidas pela Constituição (definidas por Barreto), foi um verdadeiro Chefe de Estado (uma figura não contemplada na Constituição) e chefe da política externa” (outro pé fora da Constituição).
As contradições no raciocínio de A Barreto são antigas e evidentes. É evidente que Marcelo Rebelo de Sousa subverte a natureza do regime que foi votado pelos portugueses e que está fixado na Constituição. A primeira conclusão a tirar é a de que estamos perante um abuso de poder exercido por quem se arroga do exercício de um cargo em seu proveito e à margem da lei. A António Barreto não interessa referir o pormenor de que a mudança de regime que ele diz estar em curso coloca a velha e decisiva questão de todos os regimes de saber quem julga os juízes! Nos Estados Unidos os presidentes vão a tribunal!
Estes casos de abuso de poder são tão mais perversos e de chocante desonestidade porquanto são praticados pelos que foram eleitos para respeitar os limites dos outros poderes, o que implica serem particularmente exigentes consigo e com os seus. Não é, manifestamente o caso de Marcelo Rebelo de Sousa, nem do seu apoiante António Barreto, que interpretam a lei segundo o seu interesse, sem limites. Que se colocam permanentemente na posição do soberano atrevido e do truão irresponsável.
A importância e o foco da mudança de regime que o artigo de António Barreto evoca no título não reside, contudo, apenas na corrupção constitucional e no abuso de poder de Marcelo Rebelo de Sousa que, sendo graves, são uma consequência de uma prática que se tem vindo a impor nas chamadas democracias liberais do Ocidente, cada vez menos democracias, menos liberais e mais totalitárias, iliberais e populistas.
Regimes que têm sido definidos, à falta de melhor, por democracias iliberais — em que os cidadãos votam para uma assembleia que os devia representar, mas em que o poder de facto reside noutras instâncias, capturado por “presidentes”, presidentes de estados, de corporações financeiras e da indústria, de instituições, por manipuladores de opinião, civis e religiosos.
Marcelo Rebelo de Sousa é mais um na linha desse tipo de políticos populistas que incluem personagens como Reagan, como Bush jr, Obama, Blair, Boris Johnson, como João Paulo II ou o bispo da IURD, como Trump, ou, recentemente, como Ursula Von Den Leyen e Zelenski.
É o surgimento destas novas personagens como figuras de efetivo e real poder que carateriza os regimes políticos no espaço civilizacional que reuniu a tradição e a filosofia grega, inglesa e francesa que eram, sublinhe-se, regimes aristocráticos, em que o soberano (mesmo que formalmente presidente de uma república) se deificava, exercia o seu magistério de forma distante, raramente sujava as mãos e se expressava através de vassalos, o mais eficaz dos quais era o truão. O truão, uma palavra de origem provençal, era sustentado pelos reis, pago para fazer passar com zombarias e bobagens, sem tumulto e de forma indolor, as ações mais subtis e perversas do exercício do poder real.
Os novos poderes, os novos regimes a que A. Barreto associa Marcelo Rebelo de Sousa, têm como novidade essencial a tomada do poder pelos truões. Os truões deixaram de ter um soberano para quem trabalhavam e passaram a ter eles o poder. Um processo que já havia sido previsto por George Orwell em O Triunfo dos Porcos e que tem levado vários atores ao poder real, Reagan, Trump, Johnson, Zelenski. Marcelo Rebelo de Sousa era, recorde-se, um popular comentador político nas televisões!
O truanismo de Marcelo Rebelo de Sousa manifestou-se em pelos menos três casos exemplares. O primeiro na triste viagem de salamaleques a Londres para celebrar o Tratado de Aliança Luso-Britânico. O tratado é tudo menos merecedor de hinos e cortesias de dobra da espinha por parte de Portugal. O tratado serviu os interesses dos ingleses, que utilizaram Portugal continental como base de combate a Napoleão e passaram a ter direito ao comércio do Brasil. O tratado transformou (ou oficializou) Portugal numa colónia inglesa, o que não é motivo para os ademanes de Marcelo Rebelo de Sousa perante uma outra figura de decoração, Carlos III, ademanes, vénias e sorrisos que transmitem a mensagem que Portugal e os portugueses se sentem muito bem, felizes, como fiéis servidores e vassalos de suas majestades britanicas. Marcelo Rebelo de Sousa pode ter o dorso moldado para servir de montada, mas não essa atitude não consta do cartão do cidadão.
A segunda exibição truanesca ocorreu com a visita do Papa, durante a Jornada da Juventude: ver um Presidente a fazer de sacristão não é um bom estímulo para nós, enquanto portugueses, nos interrogarmos sobre o papel das várias instituições na nossa sociedade. A beatice de Marcelo pode ser-lhe confortável, mas revela falta de respeito pela responsabilidade individual dos portugueses que decidem por si, segundo o seu livre arbítrio. Os que não pertencem a um rebanho e dispensam pastores não se revêm nestas atitudes.
Por fim, esta risível (talvez seja o melhor qualificativo) visita a Kiev. Em termos políticos é uma prova de vassalagem, de truanismo: o presidente de Portugal está com os Estados Unidos, como Durão Barroso já estivera com Bush na invasão do Iraque e Santos Silva havia estado com Trump a apoiar Guiadó na Venezuela. A visita está nessa linha de vassalagem de um truão. E, não satisfeito com essa tarefa, Marcelo Rebelo de Sousa atribui o colar da Ordem da Liberdade a Zelenski! O qual, suprema ironia, recusa porque é modesto e não quer ficar como único responsável pelo desastre que se prevê venha a ser o futuro da Ucrânia. Nem com a glória, na versão otimista. Por fim, declara que as suas palavras e atitudes comprometem Portugal e os portugueses no seu todo e para sempre! Assim nega o presidente que exerce a função num regime de liberdade, logo de pluralidade, o direito à diferença. A mudança de regime detetada por António Barreto não parece trazer nem liberdade, nem responsabilidade, nem senso das realidades, nem respeito pelos direitos dos cidadãos.
Mas o truanismo, a farsa da atribuição da Ordem da Liberdade a Zelenski nem assenta na personagem Zelenski, nem no processo que o levou ao poder, e que ali o mantém, nem na natureza do regime ucraniano, mas sim na corrupção feita por Marcelo Rebelo de Sousa do conceito de Liberdade que a atribuição (falhada ou não) da Ordem significa a vários títulos. O primeiro dos quais é o presidente da República Portuguesa, professor doutor, constitucionalista e político de relevo desde a mais tenra idade, confundir Liberdade — um valor ético — com Independência — um valor político.
Na Ucrânia o regime no poder luta pelo que entende ser a Independência política e pelos interesses a ela associada. Não luta pela Liberdade. O regime ucraniano e os seus dirigentes não clamam por liberdade (que abafaram): clamam por integração em instituições multinacionais que lhe retiram liberdade sob a forma de parcelas de soberania. Em última estância, o presidente português ofende os ucranianos (não colocando como exigência da perda de soberania que eles se pronunciem livremente) e confunde os portugueses com o abuso da entrega da Ordem da Liberdade a quem pede sujeição, mesmo com o pretexto de se defender de uma invasão, esquecendo o que fez ou não fez para a provocar ou para a evitar. As causas da guerra são não temas para os fiéis que cumprem o seu dever de presença.
A contradição final: Quem impede que a Ucrânia e Zelenski entrem para NATO e para a União Europeia não é a Rússia, são a NATO e a União Europeia que negam a liberdade da Ucrânia, não a recebendo. Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de um Estado membro da NATO e da U E, outorga a Ordem da Liberdade a um Estado a que os seus parceiros negam a liberdade de aderir a esses dois esteios da Liberdade! E depois ri-se tira uma selfie. Em que gaveta, caixote ou armário ucraniano estará metido neste momento o colar da Ordem da Liberdade?
O truanismo segue impante e sem se deter com ninharias.
Perdoe-me, meu amigo “Estátua de Sal”, pelo tamanho que imagino irá ter o meu comentário
Primeiramente :
Excelente artigo.
Apenas reparo que há que considerar, no caso (por exemplo) dos presidentes Norte Americanos, creio que como por aqui, para os julgar, só após serem impugnados (pois é um cargo civil eleito como entidade – tal como aqui muito bem referido (acho) – com as responsabilidades que ele descreve de forma clara.
Uma chefia de estado, parece-me que há que lembrarmos, (acho eu) – que, representa de forma directa, por sufragado para tal cargo, directamente, a população (e não um nomeado do
(ou dos) partido/s vencedores em legislativas)
– é a personificação do “povo” (da população) em termos de Constituição tanto quanto saiba, e com isso, um dos garantes do Estado de direito, responsabilizado para que se implemente – de facto e com rigor – a Constituição, que, por seu turno, é suposto dela nada poder estar acima (por sermos, enquanto temos uma, um Estado de direito). Quando com duvidas, como sabemos, mandando a pessoa com tal cargo para o tribunal constitucional aquilo que lhe levantará dúvidas
(exemplo conhecido de uma parte do exercício das suas funções, pois é suposto a pessoa poder ter duvidas. Quanto a mim, um pormenor importante, Ninguém o obriga a tê-las, mas pode as ter. Creio isto ser um garante, para a pessoa que exerce, pois partilhará a responsabilidade com o dito tribunal, algo que lhe causará duvidas pela razão que for. E também não creio que poderá abusar deste instrumento de apoio, mas não vou alongar, e há certamente quem pode averiguar melhor sobre tal mecanismo que eu, certamente)
Só menciono tal coisa, por achar que há que ter em mente, por ser a pessoa (seja qual ela for) a dita representação “personificada” do povo (tal como escrito na constituição: e ser quem ordena, “o povo”), enquanto exerce tal cargo e mesmo depois (por responsabilização da respectiva época de ser essa pessoa tal garante constitucional), e que, a ser julgado, tem de se desassociar (acho eu) do cargo – ou seja – teria de haver, primeiramente, uma “impugnação” do cargo exercido ou que se exerce (não sendo advogada do direito constitucional, gostaria que um que haja, esclarecesse este ponto, no nosso caso pelo menos. Melhor ainda, poucos que sejam, haverá os que o façam como “direito comparado” para mostrar quaisquer diferenças que eventualmente hajam (ou não hajam), quanto a este pormenor.
É apenas um pormenor mas, tratando-se de tão elevado cargo de responsabilidade, parece-me importante por diversas razões, entre as quais, para prevenir o chamado “lawfare”, ou seja, a má utilização e o subverter-se o direito para fins politicos – seja de quem for, ou contra quem for – de um cargo tão directamente sufragado. O Marcelo Rabelo de Sousa parece-me um leviano, um que exerce de forma aberrantemente leviana (abandalha)o cargo, e está bem descrito.. No entanto, tal pequena alma em breve deixa de poder subverter o cargo que tão levianamente exerce. Não sei os tramites exactos, pelas quais ele ser possa ser impugnado, ou mesmo a posterior (em relação à época exercida) o ser. Mas se o vier a ser, por tais abusos, acharei bem fundamentado,
Os cargos de maior responsabilidade, quer o do Presidente, quer outros como a de um Primeiro Ministro ou, eventualmente, outros de responsabilidade maior na segurança do estado e respectiva população portuguesa (supostamente obrigado a protegê-la, e não as pôr em perigo, como MRS parece-me ter feito,) devem ser responsabilizados por tais acçõess, senão, o acto de eleger torna-se mais que oco, torna-se perversamente opressor. (o que não é suposto o ser). Para valorizar o acto de eleger seja quem for, ou o que for, urge responsabilizar..
(não estou a dizer, com isto, que acredito que venha a acontecer, mas seria bom, para acabar com certas demagogias “chegoides” e outras que tais)
Não é claro o que diz, mas é claro que não avalia o essencial do conceito de não «confundir Liberdade — um valor ético — com Independência — um valor político.
Essa profunda reflexão filosófica, se personalizada no representante de um Estado, deveria conduzir a determinar-lhe que o seu país pode ser livre sem que seja independente.
Este é o ápex do pensamento político que vem sendo promovido por suspeitas personalidades.
Muito bem.
O Marcelo é o único deputado eleito que não está vinculado à disciplina partidária.
E em final são os delegados dos partidos que decidem.
Só um truão associa Reagan, Trump, Johnson, Zelenski, ao Triunfo dos Porcos de Orwell.
Só um falso analista trata o tratado luso-britânico sem começar por Aljubarrota e sem que reconheça que Napoleão sempre nos reservaria o destino que quis para Espanha.
Tudo visto, sempre e só se identifica com quem serve poderes que da liberdade nada reconhecem.
Às armas, às armas, contra os canhões marchar, marchar, que os nossos «aliados» ingleses exigem a nossa retirada dos territórios ente Angola e Moçambique para eles se instalarem!
Não vou cometer o crime previsto no Código Penal de ofensa ao Presidente da República dizendo o que me vai na alma sobre o facto de o presidente do meu pais ter soltado o grito bandeirada num Parlamento onde só pontuam os partidos fascistas. Nem de ter ido a um mural em memória de supostas vítimas dos russos sendo que não é parvo e sabe bem o que realmente lá aconteceu. Má sorte viverem numa terra cujo nome fica no ouvido. No mundo espanhol é português lembra o bocado se pão com qualquer coisa com que se enganava a fome, no anglo saxonico soa como butcher, vem a calhar. E num país em que o presidente considerou traidores a pátria os civis que não se lançaram com cocktails molotov contra soldados armados esta se mesmo a ver quem fez aquela barbaridade. Por isso repito, não vou dizer o que me vai na alma, o estômago esse está as voltas.
Sempre me surpreendem os limites da cretinice!
O Menos surpreendido com ele próprio, num raro momento de lucidez?