À espera da cartilha

(Hugo Dionísio, in Facebook, 22/09/2022)

Horas e horas após o discurso, ainda não era possível encontrar, em todo o espaço virtual ocidental, uma declaração, tomada de posição ou resolução relativamente à mobilização parcial russa. De que estavam à espera os presidentes e primeiros-ministros dos países europeus? Porque esperava Ursula?

Apenas o funcionário da Mackinsey Emmanuel Macron, sempre na sua ânsia de aparecer primeiro, como um qualquer líder da “federação” europeia, veio dizer algumas palavras sobre o assunto e que, mais ou menos diziam isto “Agora, todos temos de exercer a máxima pressão sobre Putin para acabar a Guerra”. Mas uma tomada de posição, de fundo, nem vê-la. A Rússia subia a fasquia e nenhuma reação de vislumbrava.

Havia que dar tempo à Casa Branca para que o seu staff estabelecesse aquela que iria ser a doutrina comunicacional aplicável à situação. Um dos primeiros a falar foi Stoltenberg, dizendo que “A Rússia não consegue ganhar uma guerra nuclear”! Esta declaração deu o mote para as reações a partir daí.

Ao invés de responderem à intenção e escalada militar e à anexação dos territórios do Donbass, com um “vamos lá negociar desta feita”, tudo para que a Ucrânia tentasse ainda retornar a MINSK I e II, mantendo a sua integridade territorial e impedindo a matança de jovens de um lado e outro, os poderes de facto situados em Washington determinaram o contrário: vamos continuar na escalada.

Esta declaração de Stoltenberg diz tudo sobre o plano mental desta gente. Perante a declaração de Putin em que acabou o seu discurso dizendo que faria “tudo para proteger a soberania e integridade territorial da Rússia”, adiantando também que “não estou a fazer bluff”, mas sem precisar de que “tudo” estava a falar, Stoltenberg decidiu entrar naquela lógica infantil em que “o meu coiso é maior que o teu”, “toma, toma…”. É certo que a Rússia não pode ganhar uma guerra nuclear. Mas não por qualquer incapacidade ou desvantagem original; mas porque ninguém ganharia uma guerra nuclear! Todos perderíamos. Mas o plano mental de muita desta gente é o de “e se experimentássemos”?

Polícia bom, polícia mau, lá veio o discurso de Biden na AG da ONU. Reescrito à pressa nas horas anteriores e sem a garantia de que o Sr. Presidente leria o teleponto com a necessária prontidão; Biden, depois de no dia anterior ter andado perdido num palco após um discurso para o Global Fund, não sabendo por onde havia entrado (e só existia uma entrada, faria se fossem várias Descrição: 😊), lá leu o texto e veio dizer que “não acreditava na chantagem nuclear” e que Putin a tal recorresse. Pois, também não acreditavam na intervenção na Ucrânia.

Estavam dadas as pistas para a tomadas de posição e para a forma como a comunicação social das grandes corporações haveria de tratar o problema da resposta à mobilização parcial anunciada. O sinal de Stoltenberg e Biden era simples: Vamos agitar o medo do nuclear.

Já não é uma contradição ver o único país que até hoje usou armas nucleares (Japão, Sérvia, Iraque e Afeganistão) de várias tipologias (convencionais e de urânio empobrecido), acusar outros de o poderem – quererem – fazer. A estratégia de “tu não podes fazer o mesmo que eu faço” já é poder demais conhecida e só apanha descalços os mais incautos, crentes e acérrimos fãs.

Dado o mote, eis que hoje as capas dos jornais da nossa praça, quase unanimemente coincidem na propagação do terror. A cartilha não se fez esperar. Toda a argumentação é estereotipada e risível, pelo menos para as pessoas mais informadas.

Vejamos algumas das tiradas mais comuns:

– Biden acusa a Rússia de violar a carta da ONU.

A sério? É mesmo para levar a sério? E ocupar 1/3 do território Sírio e Iraquiano, onde se situa no texto da carta? Ou a invasão do Iraque, Afeganistão e a instalação e laboratórios secretos militares? Ou as 2000 prisões secretas da CIA? E o que falar dos raptos de diplomatas de países sancionados em todo o mundo? Ou, do financiamento dos “rebeldes moderados” que afinal são terroristas da Al-Qaeda, usados para desestabilizar e fazer revoluções coloridas na ásia central? Vinda a acusação de quem vem, não deve ser para levar a séria. Deveria levar-se a sério, mas não se pode… Para tal teria de vir dos países oprimidos que se fizeram ouvir na mesma AG (Honduras, Venezuela, Cuba, Colômbia, Síria…), mas nenhuma das suas acusações, sérias, graves e profundamente revoltantes, fez parte das manchetes da NATOlândia.

– Milhares de russos protestam contra a mobilização parcial e centenas são detidos

Pois, é que os desgraçados dos Ucranianos nem isso podem fazer. Têm mesmo de fugir porque senão são imediatamente detidos. É o que está na sua lei desde o início, e eu conheço um dos que fugiu. Apanhados nas praias e nos bares noturnos, principalmente nas cidades Russófonas como Odessa e Kharkov, contra a sua vontade, qualquer homem – e agora mulher – que esteja na idade é, por lei, impedido de sair do país. Sendo natural que ninguém queira ver um filho na guerra, a mobilização russa abrange pouco mais do 1% do total mobilizável. Nada comparado com o que se passa na Ucrânia. Depois, as grandes manifestações, afinal até são bem pequenas para o que deveriam de ser, pois andam à volta de 1 a duas centenas de pessoas cada, com epicentro em S. Petersburgo, onde terá sio a maior e mesmo assim de escassas centenas. Em mobilização parcial, entra a lei marcial, não me admiram as detenções. É a atrocidade da guerra que tantos e tantos promovem e defendem a continuidade. Na Ucrânia não iam para identificação na polícia, eram amarrados a postes e ninguém diria nada. Não desculpa, mas estabelece as devidas diferenças e demonstra a hipocrisia reinante. A guerra é assim e é por isso que, por imperativo moral, teremos sempre de a evitar.

– Putin ressuscitou a estratégia de mobilização forçada de Estaline.

Esta é para rebentar de rir, se não fosse para chorar. Então numa guerra não há mobilização forçada? Em que guerra foi assim? Vão lá para Israel para verem como é se se negarem a prestar o serviço militar e a ir matar palestinianos como coelhos? Com a mobilização vem o alistamento obrigatório e negá-lo equivale a desertar. Quando são precisos soldados é assim que se faz em qualquer país. E tal só demonstra o carácter especial da operação militar até agora. Depois, comparar uma mobilização de 300 mil soldados, com competências muito específicas, muitos nem se destinando à linha da frente, mas a outro tipo de ações de retaguarda, com o que se passou na segunda guerra, em que foi preciso mobilizar milhões de soldados… Sob pena de não se conseguir derrotar o nazismo! Esta é mais uma tirada que justifica e consubstancia a verdade de quem diz que Estaline ainda é culpado, pelo ocidente e pelo capitalismo, de ter conseguido reunir a força, a estratégia e a mobilização necessárias para derrubar o nazismo e o fascismo. Não lhe perdoam, não perdoam isso ao povo Russo.

– O caminho do desastre continua

Entretanto, a EU lá segue com mais uma reunião para sanções. Como está a dar certo… De um lado temos Ursula a fazer um discurso sobre o sucesso das sanções na destruição da economia russa. Palmas enormes. Do outro, temos o Bloomberg e o Financial Times a dizerem que não apenas a economia russa resistiu, como até mostrou mais resistência do que o previsto pelo próprio Banco Central russo. Adiantam também que é a Europa que está a sofrer o maior dos impactos das sanções.

Logo, tem toda a lógica aplicar ainda mais sanções… claro, se o objetivo for derrotar os povos europeus, as suas condições de vida e o seu futuro, numa aplicação clara da estratégia do Grande Reset, criada pelo Fórum de Davos e Klaus Shwab.

E esta guerra contra a pobreza, contra a qual perdemos batalhas diárias, as manchetes pouco falam. Prosseguir o mesmo caminho que tem sido prosseguido, de hostilização e rejeição do diálogo, significa não apenas um suicídio, mas a nossa própria aniquilação.

E a atitude é tão xenófoba, que num canal que fala em “Revolução na Rússia”, já se está a ver financiado por quem, temos de assistir ao moderador a chamar ORCS aos russos, o que denuncia desde logo a sua origem. Já os bálticos denunciam em toda a linha o seu racismo, ao determinarem que “mesmo os russos desertores da mobilização não terão acesso aos vistos”. Eis que, com isto demonstram que o problema não é com Putin. É com a Rússia e os russos, o que demonstra que tipo de quadro mental foi ali plantado pelos mestres do universo.

Eu perceberia as quezílias históricas, não percebo a falta de solidariedade, de quem se diz democrata e tolerante, para com quem foge à guerra. Aliás, quem, no seu entender, fugindo deixa de engrossar as fileiras do inimigo. É muito esclarecedor, este comportamento.

E eis que, nesta salada toda de palavras repercutidas para a generalidade dos países da NATO a partir de um qualquer algoritmo, apenas se aproveita uma coisa: Vamos continuar a sofrer gravemente os danos provocados por uma atitude tão irresponsável como propositada.

E aí vêm mais sanções para rebentar com o que falta das nossas economias…

Mesmo que tenham razão e a Rússia esteja em ebulição como diz o NYtimes, o que não confere com a informação que tenho, em que é que isso me melhoraria a vida? Em nada!

As notícias de lá, apenas nos distraem dos problemas de cá!

Já chega de Cartilha, venha o pensamento livre!

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3 pensamentos sobre “À espera da cartilha

  1. Escreve muito bem, este senhor Hugo Dionísio. Que espectáculo de texto no conteúdo e na forma.

    « Estaline ainda é culpado, pelo ocidente e pelo capitalismo, de ter conseguido reunir a força, a estratégia e a mobilização necessárias para derrubar o nazismo e o fascismo. Não lhe perdoam, não perdoam isso ao povo Russo.»

    Genial. E tão factual.

    É por isso que há uns tempos vi um vídeo de propaganda do Ocidente em que uma idiota de geração mais nova e com esse tipo de vocabulário e simplificação ad absurdum, obviamente com o objetivo de manipular os mais novos, explicava que as celebrações na Rússia do Dia da Vitória de 1945 a 9 de Maio, e o uso da fita de São Jorge com riscas pretas e laranjas, não passam de propaganda fascista do regime.

    E depois isto dá para atacara AO MESMO TEMPO de ambos os lados: os manipulados de Esquerda, chamam “Hitler” ao Putin, e os manipulados de Direita chamam-lhe “Stalin”.
    Toda a gente vê isto (ou se calhar não, por causa das bolhas e dos algoritmos em que alguns se deixam fechar), e mesmo assim não lhes provoca a mínima desconfiança de que poderá ser propaganda mentirosa.

    Ahah, mas também isso se resolve. Para os “moderados”, há a 3ª via desta propaganda, que é fazer equivaler o Nazismo aos Stalinismo, como se opressor e oprimido, genocida e libertador, fossem a mesma coisa.
    E quem fez isto, quem foi? O Parlamento Europeu, com grande influência dos deputados maluquinhos da Polónia e dos Bálticos, e o aproveitamento dos “moderados”.

    Mas nem mesmo com a maior máquina de propaganda de sempre será possível continuar a mentir sobre tudo e a toda a gente. Mais tarde ou mais cedo, isto vai ceder por algum lado. E a crise económica e política ainda nem começou a sério. Por isso acabo com uma nota que, apesar de parecer negativa no curto prazo, é extremamente positiva para o nosso longo prazo: estes regimes autoritários e aldrabões que nos impõem a União Europeia e a NATO já estão no princípio do seu fim.

    A Turquia já fala na SCO (à qual só poderá aderir a 100% se sair da NATO), a propaganda já chama “protestos pró-Democracia” aos mesmo Curdos a que a Turquia (e Suécia, e Finlândia) chamam “terroristas” (porque agora se manifestam no Irão em vez de se manifestarem na Turquia), a Hungria já coloca em causa a sua permanência na UE que lhe tenta diktar costumes, a Polónia já pede indemnizações à Alemanha, e há um número crescente de protestos contra a NATO, contra as sanções, e contra as atuais elites.

    Convinha era que por uma vez na vida desses ouvidos a Putin, que nos avisou que esta onda de desespero e insatisfação pode fazer crescer a Extrema-Direita na Europa. Convinha portanto que a Esquerda se unisse e fosse para a rua o quanto antes. Ou seja, o exemplo contrário do que a “esquerda” (ex-SPD) do Die Linke está a fazer ao resto do partido, que já pede abertura do NordStream 2, o fim das sanções, e mais umas quantas propostas certíssimas (que vão na direção oposta à da suicida oligarquia de Davos/Bilderberg).

  2. O Valdai Discussion Club é um think tank e fórum de discussão com sede em Moscou que está intimamente associado ao presidente Vladimir Putin e que foi descrito por comentaristas ocidentais como parte do esforço de propaganda russo. Quer explicar-nos porque participou neste Grupo e porque a sua posição é desalinhada de outros militares ? E ´que replica bem as teses de pu Tin….e não estou a dizer que esteja a copiá-lo….

  3. «Mobilizado para a guerra? “Vou resolver isto a outro nível”, diz filho do porta-voz do Kremlin.»…já por aqui é só carneirada, que ainda assim falam muito mas não se mobilizam para darem o seu contributo à guer…ahn…operação militar especial. Palhaços!

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