(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 07/09/2022)

Após o bombardeamento do Serviço Nacional de Saúde, com cessar-fogo após a demissão da ministra, numa aberta no dilúvio sobre a Ucrânia, a opinião pública portuguesa foi convocada nos últimos dias para dois acontecimentos significativos do estado em que vivemos: a substituição do primeiro-ministro do Reino Unido e a celebração dos 200 anos do Brasil.
Um cidadão de mediana cultura e interesse pelo que se passa à sua volta perguntaria, com razão, porque diabo me enchem o telejornal com as peripécias da mudança de inquilino da casa do chefe de governo inglês e da celebração dos 200 anos da independência da antiga colónia do Brasil? À primeira vista nada. A Inglaterra é hoje um anexo dos Estados Unidos, o estado vassalo por excelência na Europa; e o Brasil é hoje um enorme Estado com contradições internas — étnicas e sociais — que o inibem de ser uma potência dominante no grande espaço do Atlântico Sul. Esta redução a cinzas dos dois impérios que ampararam Portugal determina o seu (nosso) presente. Pela primeira vez na história Portugal está sem um anteparo, sem um tutor. A União Europeia esvaiu-se e dela restam cinzas.
Contudo, de facto, não é possível entender a história de Portugal sem perceber a importância da relação com a Inglaterra e com o Brasil. Portugal apenas existe pelo interesse do Reino Unido em dispor de um estado vassalo na fachada atlântica, que apoiasse as suas navegações para o Mediterrâneo e os outros oceanos. O Brasil só regressou à soberania portuguesa após a restauração de 1640 por interesse dos ingleses no acesso livre (e grátis) aos portos brasileiros e às matérias-primas. O preço que Portugal pagou aos ingleses pelo regresso dos Braganças ao trono, e pela resistência às invasões napoleónicas ditou a independência do Brasil, promovida pela elite liberal portuguesa, anglófila. O liberalismo português, é inglês.
Este é o passado. Foi em nome desse passado que nos despejaram horas de diretos de uma senhora que parece não ter uma ideia, ou ter as ideias que são as que mais lhe convêm para satisfazer vaidades (tão ressabiada socialmente como Tatcher a rosnar que os lordes iam ter de se vergar à filha do merceeiro); e da ida do coração mergulhado em formol de um rei que declarou a independência de uma colónia, acompanhado pelo presidente da República.
Estivemos a ser benzidos pelo passado, sem nos explicarem o essencial: trata-se de uma anestesia para aceitarmos sem grande dor o domínio que já sofremos e que se vai aprofundar, com mais pobreza.
Convém dizer que os manipuladores de opinião nos estão a apresentar como um passado de grandeza — a aliança britânica e o império do Brasil — aquilo que é uma modesta sobrevivência, em estado de dependência, o que não é nada de vergonhoso.
As loas aos dois impérios a que prestamos as convenientes honras lembraram-me um livro lido há uns anos — As cidades invisíveis — de Italo Calvino. O império britânico e o do Brasil já não existem, mas há relatos deles. O livro relata as descrições de Marco Polo ao imperador tártaro Kublai Kan, em Pequim. Marco Polo descreveu as cidades classificando-as em cidades de memória, do céu, dos mortos…Marco Polo, ou Italo Calvino podiam ter escrito sobre o passado dos impérios a que Portugal esteve ligado e que tão acriticamente celebra:
Eis um excerto do relato de Marco Polo fez ao imperador tártaro:
“ — As suas cidades não existem. Talvez nunca tenham existido. — Responde Kublai Kan: — Sei que o meu império apodrece como um cadáver num pântano, que contagia tanto os corvos que o bicam, quanto os bambus. — Diz Marco Polo: — Sim, o império está doente. O propósito das minhas explorações foi perscrutar os vestígios de felicidade que ainda se entreveem, para medir o grau de penúria… “
Os impérios que apodrecem têm-nos sido apresentados “como jardins dos palácios iluminados por lanternas nos cedros”, perante os quais Marco Polo teve a sensatez que falta hoje aos imperadores e aos seus secretários e propagandistas de refletir: “Recolho as cinzas das outras cidades possíveis que desapareceram para ceder-lhe o lugar e que agora não poderão ser nem reconstruídas, nem recordadas.”
Se ao império britânico, ao império do Brasil juntarmos o império americano como aqueles que fizeram a nossa história, talvez tenhamos motivos de reflexão perante as suas cinzas.
Esta visão dos portugueses, subserviente e basbaques, é alimentada todos os minutos por uma máquina extensa e bem oleada cuja sede nem sequer está em Portugal, mas que conforta imenso os muitos migueis de vasconcelos que pululam por aí.
Pelo menos duas datas devem ser referidas como marcos na nossa triste história moderna: 25.04.1974 e 25.11.1975. Dois momentos de servidão: a entrada para a cee e a corrida para o euro.
Sou apolítico há muito tempo, mas ainda espero que todos os povos sejam bem sucedidos ..
Intelectualmente em Portugal, estamos a baixa velocidade, com um certo contentamento, como se ninguém tivesse tomado consciência da profunda mediocridade do sujeito e da ausência de reflexão sobre as origens dos fenómenos descritos (evolução dos media, autoritarismo, guerra, ditadura, etc.).
A abstenção se deve a uma falta de interesse pela política ou pela democracia. No entanto, o actual sistema eleitoral Português (que é demasiadas vezes inútil), devido aos defeitos do sistema eleitoral, que impede em grande medida a expressão do povo – e um cidadão português cuja expressão se limita a “votar útil” ou “votar contra” de cinco em cinco,ou quatro em quatro anos, e cujos representantes eleitos não são obrigados a alinhar as suas acções com as suas promessas, pode legitimamente perguntar-se se vivem numa democracia.
O problema das democracias como Portugal, é que são defeituosas devido à corrupção. As verdadeiras democracias são exemplares no sentido de que os malfeitores são punidos, ou o exemplo é dado pelos líderes. O povo está assim mais inclinado a participar na actividade democrática.
Antes de mais, gostaria de salientar que não sou só eu que digo que a democracia Portuguesa não existe..
A democracia perfeita não existe. Como todos os conceitos políticos, é uma utopia (ou melhor, um desânimo, se a palavra existe). Na prática, só podemos tentar chegar o mais perto possível.
Então e a democracia? A definição é dada por Aristóteles na Política, mas o termo tem sido tão utilizado desde então que vou dar a minha interpretação do que está errado em Portugal hoje em dia e do que poderia ser feito.
Em teoria, todos têm o direito de se envolverem na política e tentarem melhorar as coisas. Na prática, não vos estou a dizer nada de novo, a maioria dos nossos concidadãos, mesmo quando querem, não têm tempo, dinheiro e/ou educação para levar a cabo um projecto político. Numa “melhor democracia”, o nosso tempo de trabalho (no sentido da actividade que nos permite alimentar e abrigar-nos) poderia ser reduzido para termos tempo para fazer política… As assembleias locais de debate, falando em geral, deveriam ser muito mais extensas e organizadas do que são actualmente.
Muitos passos abaixo é o nosso sistema actual: em vez de dar aos cidadãos o poder de participar directamente na vida pública, decidimos que eles delegarão o seu poder a representantes eleitos. Isto já é um afastamento do princípio democrático (Aristóteles diria que é mais como uma aristocracia electiva), mas avancemos. Para que esta delegação de poder seja aceitável, o cidadão deve poder expressar-se, e a eleição deve resultar da sua expressão. E é aqui que o nosso sistema de votação coloca um problema: ao permitir apenas ao cidadão votar “contra”, o mandato que o representante eleito obtém é esvaziado do seu significado, o cidadão já não se sente representado, e por isso já não está ligado ao sistema político em vigor. É portanto perfeitamente normal e politicamente justo que o cidadão acabe por já não reconhecer a legitimidade das referidas eleições e se abstenha. Numa “melhor aristocracia eleitoral”, o sistema de votação seria a pedra angular do sistema e a atenção prestada ao significado do voto dos eleitores no momento das eleições seria máxima. Actualmente, o conservadorismo do sistema first-past-the-post e a falta de esforço para compreender as razões da abstenção estão a levar-nos cada vez mais longe da democracia.
Recusar-se a participar num processo eleitoral imperfeito poderia muito bem ser um sinal de uma genuína exigência democrática, um apelo a repensar o funcionamento das nossas instituições, cuja inércia e incapacidade de se questionarem são, na minha opinião, as verdadeiras causas da natureza da nossa “chamada” democracia.
O declínio do Ocidente revela que ele é uma suposição bem oleada da ideologia dominante, nada mais.
Só existe democracia para os ricos que podem escolher o seu potro entre os diferentes estábulos da classe capitalista, para o prolo é um voto quase indiferente, quer seja o defensor do capitalismo vermelho, verde, castanho ou azul, será sempre exploração e miséria.Todos os sistemas são opressivos,uns mais do que outros.. Portanto, viver juntos numa sociedade baseada na classe… É uma pena quando se está curioso e tem tempo livre para não estar interessado na única análise verdadeiramente relevante que existe, a de Karl Marx.
Estamos a assistir a um empobrecimento crescente e a desigualdades crescentes…por isso tudo isto tem um impacto na população e na juventude…o que limita o tempo e as oportunidades puramente intelectuais. O autoritarismo está a cair sobre as exigências. As inacções políticas e sociais e ecológicas geram um pesado pessimismo…tudo isto é a realidade quotidiana.
A democracia não deve ser confundida com uma república com uma vocação democrática. Nenhum país jamais foi democrático, e provavelmente nunca será. Uma democracia, dito de forma simples, é “por todos e para todos, em todos os assuntos”.
Para que isto aconteça, precisaríamos primeiro de um instrumento de tomada de decisão universal, reactivo (e portanto informatizado) que seja inviolável e utilizado por todos. Primeiro problema.
Em segundo lugar, as pessoas teriam de ser mentalmente sãs e intelectualmente capazes de compreender os meandros de cada problema e situação. Seria portanto necessário ter uma população instruída por um lado, e sobretudo que esta população fosse objectivamente informada, para que todos possam fazer a si próprios as perguntas certas e tirar as suas próprias conclusões.
E este é o maior problema. Num mundo capitalista e hierárquico em que algumas pessoas herdam propriedades, colocam nas escolas de prestígio (por exemplo, os ultra ricos ), estas pessoas não têm qualquer interesse em educar e informar aqueles que não beneficiam destes privilégios, a fim de os guardarem para si próprios, bem pelo contrário.
Diria mesmo que se todos estivessem dispostos e concordassem em tentar, ainda não seria possível, sendo cada um de nós limitado pelo tempo que podemos dedicar à nossa aprendizagem, não podemos ser especialistas em todos os campos, e portanto, a opinião de um (o educado sobre o assunto), vale mais do que a opinião do outro.
Também se deve dizer que nem todos partilham os mesmos ideais sobre democracia. Em alguns países do Médio Oriente e África, algumas pessoas são mais a favor de uma ditadura iluminada como Gamal Abdel Nasser ou Thomas Sankara do que da democracia.
O modelo democrático em si não é mau, mas a forma como o Ocidente, e particularmente os EUA, tentou aplicá-lo noutras partes do mundo (com consequências desastrosas) não ajudou à apreciação deste modelo, que é infelizmente visto como “um instrumento do imperialismo ocidental”.
Por excelência, também os Estados Unidos e a UE adquiriram o papel de “país democrático por excelência” quando, infelizmente, é um regime híbrido que pouco tem a ver com democracia.
“A participação e a responsabilidade de todos”, precisamente !!!
Mas quando aqueles que detêm o poder real praticam o exílio fiscal e a evasão às responsabilidades sociais e ecológicas, será saudável e relevante pedir à maioria desfavorecida que haja como se as instituições trabalhassem por si próprias para criar uma sociedade unida, desde que fossem dóceis?
A República tem grandes princípios etéreos, mas ao recusar-se a torná-los tangíveis, ao tolerar os direitos, apenas demonstra ao seu povo a sua hipocrisia, mesmo a sua vacuidade.
Mas na realidade, concordamos que os EUA são maioritariamente governados em massa por elites económicas, que o país é muito corrupto (tanto quanto hipócrita) e muito atrás da Suiça em termos de proximidade entre o povo e a elite. O resto, Alemanha, França, Itália, Portugal etc., são “democracias”, ou seja, países onde o povo “escolhe” as elites e tem de se apegar a elas durante os próximos 4 ou 5 anos, até às próximas eleições. Mas onde estão os referendos, convidando os cidadãos a darem a sua opinião sobre a construção da nação etc.? Nada. É “vote, é isso, obrigado, agora cale-se”.
E depois há as “democracias” da Europa Oriental , incluindo a Ucrânia (ou Sérvia, Eslováquia, Kosovo, etc.). Assim, na aparência, poder-se-ia pensar em democracias, mas na realidade: “paletes” de corrupção, governos muito poderosos, completamente desligado das realidades do povo, alta insegurança, censura, autoritarismo, eleições manipuladas, até mesmo jogadas de antemão (basta olhar para a taxa de abstenção, as pessoas já nem sequer acreditam nelas), etc. Em suma, aos meus olhos, em qualquer caso, a Ucrânia sempre foi um país autocrático que se disfarçou de democracia quando quis.
A implantação da democracia pela força é tal e qual o terrorismo ou uma ditadura interna.
O que a Rússia está a fazer na Ucrânia é muito mais parecido com o que os Estados Unidos estão a fazer, e além disso uma medida para se proteger do seu modelo invasor. Mesmo que invadir um país soberano seja uma violação e qualquer guerra monstruosa, ver a Rússia como única responsável é ser cego.
Na terapia, diz-se que tentar ajudar alguém que não quer é uma forma de violência, nem mais nem menos.
Na realidade, os Estados Unidos nunca quiseram impor uma democracia, ocultaram interesses geopolíticos ou de pilhagem de recursos..
Também é um erro considerar a Islândia uma verdadeira democracia.
As ligações dos políticos islandeses com multinacionais e, em geral, com representantes dos grandes interesses empresariais são notórias e levam a que o país seja gerido não só de uma forma altamente liberal mas também em detrimento dos interesses do cidadão médio.
O problema está geralmente ao nível da definição do conceito porque, para alguns, o que não é ocidental não pode ser democrático, por outras palavras, ser democrático é ser um discípulo submisso do Ocidente se não ocidental.
Quando 65% da população não vota, levanta questões sobre a legitimidade dos representantes cessantes. Como são representativos? A raiz da palavra democracia é o grego demos=people e cratos=power. Ou seja, poder para o povo. Será que as pessoas têm realmente poder quando 72% delas consideram (e certamente com razão) que a sua opinião não é tida em conta?
As chamadas democracias , se tomarmos os seus sistemas como estão, só podem funcionar com políticos determinados a defender o bem comum e os interesses do maior número. Nos sistemas democráticos onde os funcionários eleitos não são controlados e onde é muito difícil torná-los responsáveis…