O Idiota e o relatório de primeiras impressões

(Carlos Matos Gomes, in Facebook, 05/09/2022)

Na minha vida solicitaram-me várias vezes um FIR (First Impression Report), um relatório de primeiras impressões. O meu FIR (não o meu feeling) após ouvir a conferência do primeiro-ministro a anunciar medidas extraordinárias de apoio à crise que já vivemos e que se vai agravar foi lembrar-me de uma obra clássica da literatura russa (tinha de ser), «O Idiota», de Dostoievsky.

Não, o idiota não é António Costa. O Idiota é quem nos meteu nesta camisa-de-onze-varas de empobrecimento, miséria que necessita de uma esmola nacional e transeuropeia para ser suportável. De repente os europeus estão todos a esmolar, de Portugal à Polónia, à Hungria, aos países bálticos, todas de mão estendida para receber uma esmola maior ou menor.

E ninguém se questiona quem foi o Idiota que nos colocou nesta situação?

O enredo do romance de Dostoievski gira em torno do príncipe Míchkin, criado longe da Rússia devido a epilepsia que após longa permanência na Suíça decide regressar à aos seus domínios, sem a menor ideia do que o aguarda. O príncipe é atirado para situações sobre as quais pouco entende e nas quais as suas supostas qualidades, ou idiotia, causam mais tumulto do que solução. Em diversas passagens da história, a ingenuidade do príncipe roça a estupidez crassa e espanta o leitor, como quando escuta com paciência inacreditável as mentiras do velho general Ívolguin, que jura ter sido pajem de Napoleão; ou quando é acusado por um grupo de jovens liderado por um moribundo de dever metade de sua fortuna a um filho ilegítimo. As referências de Dostoievski para a construção do protagonista foram duas figuras que ultrapassam os limites do senso comum: Dom Quixote e Jesus Cristo.

O Idiota, neste caso, no caso que deu origem às nossas esmolas, é uma figura dúplice, como Janus: a NATO e a UE.

Devemos a estas duas entidades, que podiam ser o idiota do príncipe Míchkin, estarmos hoje a discutir a esmola dos governos. Mas ninguém na Europa, ao anunciar o estado de pedincha em que os cidadãos foram colocados, falou nos idiotas que nos colocaram nesta situação de indignidade.

Estamos tão idiotizados que discutimos os tostões da esmola e não quem nos colocou na condição de pedintes, se foram idiotas, ou traidores.


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8 pensamentos sobre “O Idiota e o relatório de primeiras impressões

    • Na forma é magnífico. No conteúdo é debatível. Se o idiota que nos mata lentamente com a sua idiotice são a NATO/UE (e acima de tudo o €uro), então é também muito idiota quem nos mantém lá, e se recusa sequer a debater, quanto mais a preparar, a saída.

      No entanto, o Carlos Matos Gomes coneçou logo por ir em auxílio preventivo ao seu idiota preferido: António Costa.
      É ele quem nos mantém na NATO, é ele quem nos mantém na UE, é ele que obedece aos EauA e dá milhões para financiar Nazis, é ele que está a fazer o maior corte real de poder de compra dos últimos 40 anos.

      Afinal quem é o idiota maior? O idiota que os mais atentos sabem que existe (NATO, UE, €uro), ou o idiota que obedece à idiotice.
      Quem analisa tudo aquilo a que Portugal se está a sujeitar, e começa logo por ilibar o idiota chefe em Lisboa, não está a ser totalmente intelectualmente honesto.
      É de gente assim que se faz uma “maioria” de 41%…

      Num outro texto, alguém dizia que a actual máquina de propaganda, manipulação, e Fake News, é de tal dimensão e capacidade no regime ocidental, que já não é possível um povo fazer uma revolução. Assim sendo, não é só um idiota (NATO, UE, €uro), nem o idiota maior que lhe obedece, mas sim milhões de idiotas.

      Já tinha visto este filme. Chama-se “Idiocracy”. Era uma comédia, mas pelos vistos a triste realidade Ocidental transformou-o em documentário!

  1. Estamos a viver numa época crucial, em que nada voltará a ser o mesmo. A história por vezes desdobra-se lentamente durante décadas, mas pode acelerar de repente. Farei um balanço de 6 meses.
    Estou certo de que mais tarde, dezenas ou centenas de livros serão publicados para analisar os momentos que estamos a viver, ao vivo, no Outono de 2022.

    Na história houve fracturas que provocaram imensas mudanças na nossa civilização ocidental: a do Império Romano, a da Igreja e no século XXI será a da civilização ocidental.

    A Rússia está muito mais armada do que a UE nesta crise, mesmo que tenha de sofrer, tem energia que pode vender a outros e, sobretudo, o que menos se fala são os metais preciosos que tem em quantidade. A Europa cometeu um erro ao destruir a sua indústria há 30 anos, e hoje continuamos a acreditar que somos o centro do mundo, o que já não é o caso.

    Seria interessante fazer um relatório sobre as decisões irresponsáveis e absurdas dos nossos líderes europeus desde o início deste conflito. No altar de uma russofobia sem sentido e no calor da altura, os líderes europeus tomaram decisões absurdas que estão a destruir a sua própria economia e o seu povo..

    Um fecho das relações Rússia-Europa seria uma perda para a Europa e para a Rússia, e a Rússia não quer isso. Por outro lado, os EUA beneficiariam enormemente desta ruptura, que é uma das principais razões pelas quais a Rússia não quer que isso aconteça. O problema é a fidelidade de alguns líderes europeus aos EUA ou, pelo menos, às grandes empresas controladas por alguns indivíduos ou grupos nos EUA.

    Penso que este é um ponto crucial e penso que os EUA estão prontos para destruir a Europa ou melhor, para pressionar a Europa a destruir-se a si própria, a fim de manter o controlo. E infelizmente, alguns líderes europeus demonstraram, e por vezes confirmaram verbalmente, que a sua lealdade não é para com o seu povo. . Os nossos líderes estão prontos a destruir os nossos países para agradar a alguns grandes grupos. Acrescente-se a isto o facto de os meios de comunicação social europeus (e os meios de comunicação social ocidentais em geral) serem propriedade de um punhado de grupos, e a única questão que realmente se coloca é se uma revolução ainda é possível. Pessoalmente, penso que não é, e mesmo que fosse, as revoluções muitas vezes colocam pessoas extremamente perigosas no poder.

    Há uma coisa que o Ocidente perde sempre de vista sobre a Rússia, e que é que, ao contrário do Ocidente, os russos não têm estado habituados a privilégios sociais artificiais adquiridos através da pilhagem de países estrangeiros. Os russos sabem como fazer com o que têm. Os líderes ocidentais habituaram durante demasiado tempo o seu povo a privilégios sociais artificiais. Agora que os países cuja pilhagem permitiu à Europa adquirir estes privilégios estão a acordar com o apoio de novas potências como a Rússia e a China, o Ocidente está em colapso e a dar-se conta de que sempre foi um gigante com pés de barro. Vejam Portugal agarrado desesperadamente a Moçambique e a outros países africanos que há muito saqueou e que agora já não o querem.

    O objectivo da Rússia não é absolutamente a Europa, mas sim os EUA. Assim, concentrar uma análise nas estúpidas sanções da UE é realmente perder os BRICS e a guerra contra o dólar que a Rússia está a acelerar com os seus aliados… se a China é a fábrica do mundo, não devemos ignorar que a Rússia é o fornecedor de material do mundo! A dependência da Rússia não se limita apenas ao petróleo ou ao gás, mas também aos metais preciosos… algumas pessoas pensam que podem mesmo privá-la de microprocessadores, esquecendo que a sua gravação é feita por néon, uma matéria prima proveniente principalmente da Rússia… em suma, a Europa se auto-preparou para uma guerra, nem sequer é o alvo!

    Todos os países da NATO têm vindo a trabalhar arduamente contra a Rússia há mais de 10 anos. Mesmo no desporto, nos Jogos Olímpicos, etc., etc. V.Putin teve uma paciência que muitas pessoas, inclusive nos EUA, não compreenderam.
    Foi a alma russa, a paciência, a diplomacia em primeiro lugar, até ao ponto do excesso, que fez com que a Rússia parecesse um bando de brincalhões que poderiam ser esmagados. Mas quando a Rússia começa, é impossível impedi-la, e ninguém conseguirá impedi-la, está-se nas tintas para a UE e a Máfia dos EUA, tem o seu plano e irá em frente com ele, aconteça o que acontecer.

    O fim da URSS marca a mão dos oligarcas sobre a riqueza da Rússia, que é imensa e os mesmos oligarcas privatizaram empresas estatais na Rússia e saquearam a enorme riqueza do país em perfil do Ocidente…..Os acordos de gás de baixo custo que permitiram à Alemanha e à Europa alcançar um enorme crescimento nos anos que se seguiram à queda da URSS e, sobretudo, sem o baixo preço da energia russa fornecida à Europa, será que a Europa teria conseguido esse crescimento? Certamente que não, porque a economia é sobre energia transformada.

    O Ocidente, especialmente a Europa, tem muito mais a perder neste conflito. Putin tem clientes potenciais para os seus recursos naturais, especialmente na Ásia, África e certos países europeus.
    Não esqueçamos que a Rússia é um país muito grande que tem uma grande autonomia a todos os níveis.
    A Europa perderá o curso da história de um mundo multipolar ao aceitar ser um fantoche dos EUA.

    As sanções contra a Rússia não funcionaram e o Presidente Putin ainda não começou a sancionar a sério a UE – até agora pediu ao Ocidente que pagasse as suas contas por rublos.

    Como português, estou profundamente chocado com a falta de antecipação por parte do nosso governo, bem como por parte da UE.
    Governar é prever.
    Não compreendo como se pode estar tanto ao serviço de uma ideologia que é prejudicial para o interesse comum do povo.

    Há um lado positivo nisto, é que a Rússia está a permitir à Europa compreender o que significa ter uma descida súbita de energia, o que de qualquer modo é inexorável com a secagem dos combustíveis fósseis.

    Putin está apenas a aplicar as estratégias de um dos maiores economistas russos e que é sem dúvida um dos 10 melhores economistas do mundo .. No entanto, toda a estratégia de Putin está lá e o objectivo actual dos russos não é apenas o Dombass, mas criar uma nova potência monetária internacional ..

    Um aspecto esquecido mas não anedótico: a Alemanha tinha deixado a gestão de uma grande parte das suas reservas estratégicas de gás à Gasprom (sim, parece irreal, mas é verdade). Gasprom começou a esvaziar estes stocks em meados de 2021, sob o pretexto de algo, e assim o preço do gás já tinha subido significativamente na Europa no Outono de 2021.
    É apenas um pequeno passo até ver isto como um “plano” executado ao longo de anos. A questão é: porque é que os políticos europeus não previram isto?
    Quando se é lituano e representa alguns por cento da economia europeia, é possível obter gás 100% russo, sabendo que o encontrará noutro lugar só por precaução (e especialmente que construiu um terminal de gás liquefeito em Klaipeda só por precaução). Quando se é a Alemanha e se representa 1/3 da economia, e não se tem um plano B, só se pode suspeitar que vai correr mal…
    Incompetência? Corrupção? Ambos?

    A Rússia já exporta – sem os vender – os seus hidrocarbonetos e metais para países terceiros (A.S., Índia, etc.) que são depois reexportados disfarçados, para a Europa, com uma sobretaxa para os intermediários.

    Os EUA são os vencedores desta charada: as indústrias dos países europeus estão em colapso (ou irão entrar em colapso) face aos custos adicionais de produção de energia, abrindo assim uma avenida comercial aos americanos & consorts, o que, ironicamente, irá também reforçar ainda mais a competitividade chinesa no mercado europeu.

    A Rússia pode ter virado as costas à Europa Ocidental – e mesmo isto não é certo: a Hungria, por exemplo, mantém relações amigáveis com a indústria do gás – mas está a reforçar consideravelmente o seu papel no seio dos BRICS, e mais geralmente a sua imagem como um país “livre” entre os 2/3 da população da Terra que vê a bandeira estrelada com um olhar muito negativo.

    Agora com um excedente alimentar, uma riqueza de energia e metais, para não mencionar os seus batalhões de engenheiros e trabalhadores qualificados, as suas indústrias aeroespacial e militar: a Rússia pode facilmente seguir o seu caminho sem o Ocidente. E, tal como a RPC, estão em curso grandes esforços para recuperar o atraso no domínio dos semicondutores.

    Abster-me-ei de tirar quaisquer conclusões… o meu presidente e o meu ministro das finanças são deuses gregos.

  2. Bom texto do Coronel Matos Gomes.

    O que eu gostava de compreender acerca destas esmolas que agora anda tudo a mendigar é algo que se prende com a seguinte notícia.

    https://pt.euronews.com/my-europe/2022/09/02/bruxelas-admite-fixar-um-teto-para-o-preco-do-gas-russo

    Então, agora, depois da grande asneirada que foram as sanções auto-infligidas para manterem a sua supremacia nos mercados liberais e num mundo globalizado, querem meter uma rolha, ou melhor, querem aplicar uma medida de teor socialista para controlar a escalada de preços da energia e contornar, assim, todos os preceitos capitalistas e de economia liberal de que se vangloriam a toda a hora para justificar a rapacidade a que sujeitam populações quando há tempos de “vaca gorda”, ou, por outra, tempos de “abundância”.

    Agora, como há falta, venha o Socialismo!

    Capitalismo de mercado quando dominamos o palco, e Socialismo quando suicidamos as nossas economias.

    Esta faz lembrar aquela do “capitalismo para os pobres e socialismo para os ricos”.

    Faz-se a política de acordo com o que é conveniente e não de acordo com o que é inteligente.

    No entanto, aquilo que mais aturde é o seguinte: de maneira a que as empresas de eletricidade, como resultado da escalada de preços do gás natural (a matéria principal, e a “unidade marginal mais cara” do momento), não possam reclamar lucros exorbitantes à custa do povinho que tanto ignoram quando se lembram de fazer uma qualquer asneira geopolítica, vai ser fixado um teto para o preço de eletricidade que será possível cobrar pelo fornecimento desta.

    Ora, isto, em si, não tem nenhum problema.
    Até devia ser a norma.

    O problema é então quando estou eu a ler o artigo todo lampeiro e a pensar cá comigo “vá lá, terão ganho juízo ?”.

    Pois sim!

    «A chefe do executivo europeu também quer pôr fim aos lucros exorbitantes das empresas fornecedoras de eletricidade. A ideia é impor um teto máximo para o preço da energia produzida nas empresas que não recorrem ao gás, mas a fontes renováveis, tais como a hidráulica, solar ou a nuclear.»

    Talvez que alguma coisa me escape ao entendimento.

    Mas então, numa altura em que, havendo uma escalada vertiginosa de preços de eletricidade como resultado das sanções impostas à importação do bem material do qual estamos mais dependentes para a produção da mesma, vamos impor um teto máximo às empresas que não se servem desse mesmo gás natural para a produção de eletricidade ?

    Caramba, estarei a raciocinar mal ?

    É que, segundo me parece, as empresas de gás vão registar na mesma lucros exorbitantes (já para não mencionar as empresas que se servem de outros combustíveis fósseis e ainda o nuclear – porque o preço do gás aumenta e afeta estas à mesma), sendo que estas últimas vão registar lucros enormíssimos à custa do preço do gás natural, não esquecendo que estas empresas que dependem de combustíveis fósseis são muito mais predominantes no mercado da eletricidade do que as energias renováveis (ver abaixo relatório sobre consumo de eletricidade da Comissão Europeia), sem que haja ninguém que vá cair em cima destas empresas – que representam mais de 60% do mercado de produção e geração de eletricidade!

    https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Electricity_production,_consumption_and_market_overview#Electricity_generation

    Então, vamos a ver se percebi.

    Vamos impor um teto máximo ao preço de eletricidade para impedir que as empresas registem lucros extras pela venda dessa, e vamos direccionar os nossos esforços para aqueles que registam os “maiores lucros” (as empresas de energias renováveis), já que eram esses que vendiam eletricidade ao menor preço e agora registam uma subida inusitada.

    Mas não vamos tocar naquelas que vão registar na mesma lucros excessivos e que representam o monopólio da produção de eletricidade baseada nos recursos materiais que utilizam para a produzir – porque esses são e têm sido os mais fiáveis para o funcionamento da indústria.

    É que atacar os lucros de empresas que representam algo como 32%, em 2020, e 37%, em 2021, do mercado, em contraste com os lucros (mesmo que sejam inferiores – o que duvido seriamente) de empresas que representam 62% do mercado em 2021 é pouquíssimo!

    Veja-se a quantidade de energia produzida na UE em 2021 aqui abaixo!

    https://www.statista.com/statistics/800217/eu-power-production-by-fuel/

    Portanto, isto será o mesmo que encorajar as empresas de combustíveis fósseis a continuarem as suas costumadas negociatas (inclusivamente ao nível de reavivar a utilização de carvão e abertura de fábricas já encerradas – uma vez que ninguém toca nos seus lucros, logo, não há desencorajamento para não investir nisto em face de uma crise energética que tem de ser combatida), e depois ainda vamos servir-nos dos lucros dos que representam uma porção reduzida do mercado de produção elétrica para pagarmos os aumentos do custo de vida, que resultam duma crise de combustíveis fósseis e respetivas empresas (e que vão continuar a ver as margens de lucro a aumentar e, muito provavelmente, vão pagar grandes bónus aos seus acionistas), em vez de se direcionaram esses lucros dessas empresas monopolistas para compensar o aumento da inflação causada pela disrupção das cadeias de distribuição e da energia, enquanto se encorajavam as empresas de renováveis a investir em mais renováveis!

    Estarei louco ?

    E tudo isto será defendido em nome da eficiência, da solidariedade social, do combate à corrupção, ao monopólio das empresas privadas, e, ao mesmo tempo, permitirá a existência de “competitividade da iniciativa privada” das empresas que vão estar mais “limitadas” pela “falta de gás” – enquanto isso o carvão e o petróleo vão continuar a ser usados como se não houvesse fim.

    Por outro lado, aquela de encorajar no fundo do artigo a diminuição do consumo de energia é verdadeiramente incrível.

    É de uma cobardia descarada dizer algo deste género com seriedade e sem admitir as verdadeiras causas que conduziram a esta situação.

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