Ucrânia — A última fronteira dos EUA

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 01/09/2022)

(E a nossa — mas não nos pediram nenhuma opinião).


A Última Fronteira é um título apelativo para transmitir a ideia de objetivo final de um longo processo de conquista. O título foi usado, por exemplo, num western de 1940, realizado por William Wyler, a propósito da conquista do Oeste pelos europeus; foi o título de um drama romântico realizado por Sean Penn (2016), de relações sentimentais e de limites de consciência, num ambiente africano; foi o título de um conjunto de produtos multimédia da Twentieth Century Fox Film Corporation — Planeta dos Macacos: A Última Fronteira — uma aventura sobre conquista, traição e sobrevivência. Quando os destinos de uma tribo de macacos e um grupo de sobreviventes humanos se cruzam, os seus mundos colidem e as suas vidas são postas em risco. Estão publicados inúmeros livros com o mesmo título, sempre remetendo para um ponto final numa grande ação.

A Ucrânia cabe na definição de Última Fronteira para a estratégia dos EUA após o final da URSS, conduzida por Gorbatchev, que morreu há dias. Essa estratégia foi e é clara: Fazer avançar a fronteira dos EUA (através de NATO) até à fronteira Oeste da Rússia.

Foi conseguida numa primeira fase com a adesão dos países do ex-Pacto de Varsóvia à UE e à NATO, um papel de recrutamento atribuído ao Reino Unido e que culminou com o avanço de mil quilómetros da fronteira dos EUA até às fronteiras Leste dos Estados Bálticos, da Polónia, República Checa e Eslováquia, Hungria e Roménia.

Em simultâneo os EUA ocupavam, ou no mínimo provocavam a desestabilização do Médio Oriente, conflitos no Líbano, na Palestina, no Iraque, na Síria, tendo como objetivo final o ataque ao Irão. A operação secundária conduzida pelos EUA no Médio Oriente tem os resultados conhecidos, de neutralização através do caos. Mas o Irão mantem as suas capacidades e ameaças de se tornar uma potência nuclear.

Perante a meia derrota, ou vitória “inconseguida” (como agora se diz) no Médio Oriente, restava aos EUA a opção do ataque ao objetivo principal — a Rússia — e a captura de uma componente que poderia escapar ao controlo e reforçar o inimigo: a UE.

A guerra por procuração na Ucrânia é a última fronteira dos EUA na “península euroasiática”, o espaço da Ásia que se estende dos Urais ao Atlântico. A manutenção da hegemonia dos EUA, do dólar que representa o poder absoluto e é garantido pelo complexo militar-industrial e pela indústria da manipulação da opinião pública (propaganda) exige uma vitória na Ucrânia. Esta vitória pode significar a destruição daquele Estado, numa lógica de ”o que não é meu não será teu” (muito presente nos dramas passionais), e a dúvida será se essa destruição será feita com o confronto direto Rússia-EUA(NATO) ou se manterá a feição atual, se esse conflito chegará à utilização de novas armas, ou se será contido na atual panóplia.

Em qualquer caso a Ucrânia deixará de ser um Estado viável. Zelenski terá o destino que tiveram os bonifrates aliados dos EUA no Vietname, no Iraque, na Pérsia, no Afeganistão, na Venezuela. O futuro kleenex.

A Última Fronteia dos EUA na Europa/Ásia, antes de eles deslocarem o seu ponto principal de esforço para o Pacífico, determinará uma divisão radical do Mundo (um novo Muro de Berlim, uma nova Muralha da China, uma nova muralha de Adriano), com uma parte das populações a viver sujeita ao dólar e ao poderio militar dos EUA, sujeita à sua tecnologia — e outra parte, simétrica, sujeita a uma moeda criada pela Rússia, China e Índia. Dois mundos de tecnologias deliberadamente incompatíveis, fechados sobre si, com duríssimas condições de contacto (como já se antevê com as medidas de restrição de vistos a russos).

Os Estados, todos os Estados serão estados vassalos, satélites e os povos perderão liberdade e direitos, como sempre perdem em situações de conflitos e guerras decididas pelos senhores das guerras.

Acresce que os Estados Unidos têm um problema sério com a Europa: Necessitam dela para enfrentar a Rússia, mas a UE, a Europa do colonialismo, é um mau parceiro para os EUA tentarem cativar os Estados que resultaram de antigas colónias europeias. Esses estados têm históricos laços com a Rússia e a China…

É este o futuro que nos está a ser cozinhado na Ucrânia para nos ser servido depois de um inverno de frio e um futuro de inflação, recessão e repressão.

É este futuro que nos está a ser preparado na Ucrânia sem que nós, cidadãos europeus que se julgam a viver em regimes democráticos tenhamos direito à palavra, à expressão da nossa vontade.

Um cartoon inglês legendava uma imagem de um turista deitado na praia, ao Sol: Aproveite, foi o seu último Verão de férias!


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4 pensamentos sobre “Ucrânia — A última fronteira dos EUA

  1. Matos Gomes faz uma boa análise até meio do texto, mas depois acho que está a ver o filme errado, não se trata de A Última Fronteira, um título mais adequado será A Grande Ilusão, ou melhor o fim da grande ilusão que foi o Ocidente dos últimos 30 anos, e que Gorbatchov tenha morrido agora é só mais um dos sinais com que a realidade nos brinda a toda a hora, é só estarmos atentos…

    A verdade é que depois de três décadas de chantagem, pilhagem e mortandade, o Natostão chocou de frente com uma nação que não só não se deixou intimidar como mostrou que tinha superioridade militar incontestável, auto-suficiência económica e dirigentes que têm aquilo que falta aos comediantes da Europa-América – preparação, inteligência, planificação, determinação… e o resultado foi que cairam num grande buraco e, sem plano B, continuam a escavar para sair dele!

    Acresce que o NATOstão não tem recursos naturais suficientes, sem a energia russa os europeus não são nada e nunca serão nada, a independência energética e a energia verde são outras ilusões e portanto só resta à Europa humilhar-se, ligar o Nordstream 2, usar a propaganda para vender isso como uma vitória e afastar-se discretamente dos EUA… até porque não há alternativa e os burocratas de Bruxelas irão engolir agora a TINA que tanto adoram, e se não o fizerem teremos aqui o que se viu há pouco no Sri Lanka, imagens que tiraram o sono a muitos neoliberais…

    Quanto aos EUA, que há um ano bateram em retirada desastrosamente do Afeganistão, esses já estão habituados a humilhações e os maiores problemas deles estão agora dentro da própria América. E quando um país minúsculo como as Ilhas Salomão lhes faz frente e os manda para casa, como aconteceu há poucos dias, já ninguém tem dúvidas que o mundo mudou mesmo e que o destino do império da propaganda é tornar-se irrelevante, pode não ser para já mas nada o poderá evitar.

    E a Ucrânia, ou o que restar dela, lá ficará num «plaino abandonado», o menino da NATO que «jaz morto e arrefece» como no poema de Pessoa, e servirá de lembrete a todos os que decidem entregar o destino dos seus países a corruptos e pantomineiros. O fim da Grande Ilusão, portanto.

  2. É bom ver estes senhores tomar o escrito por desejado.Gosto de os ver deslizar nos mantos diafanos da fantasia.Mas os tresloucados abundam e aí estão a fazer prova de vida
    Até que os mansos os parem.

    • Sorte a nossa que os mansos são como tu. E por isso “estes senhores” vão ficar confortavelmente à espera, bem sentados, que tu e o teu rebanho de mansos venham proibi-los de ter e exprimir as opiniões de que não gostas! Pará-los e proibi-los, mas tudo muito democraticamente, claro! Talvez arrancando umas unhas pelo caminho, mas enfim, ninguém é perfeito.

      Slava borreguini! Mééééé!

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