Fahrenheit 451 na Feira do Livro de Lisboa

(Manuel Augusto Araújo, in AbrilAbril, 29/08/2022)

Lucio Massari (Bolonha, 1569-1633), «São Paulo, em Éfeso, exorta a queimar os livros heréticos», c. 1612. Óleo sobre tela, 193 x 277,5 cm. A obra integrou a colecção da Casa dos Príncipes de Liechtenstein de 1811 a 2008, quando foi leiloada pela Christie’s. Desde 2008 na Galeria Fondantico, de Tiziana Sassòli, em BolonhaCréditos/ Finnestre sull’arte

A miserável queima de cem milhões de livros na Ucrânia emparceira com outras fogueiras célebres. É isso que, queiram ou não os seus promotores, o pavilhão da Ucrânia na Feira de Lisboa acaba por celebrar.


A estranheza desta edição da Feira do Livro de Lisboa é a de celebração de Fahrenheit 451, a temperatura do fogo a que ardem os livros, a temperatura com que foram incinerados cem milhões de livros sacrificados pelo actual governo ucraniano numa pira purificadora cujas chamas iluminam e continuarão a iluminar o teleponto onde diariamente o seu presidente, fazendo uso dos seus dotes histriónicos, quer fazer convencer os milhões de espectadores, que em todo o mundo são submetidos à audição dessas conversas em família, de uma realidade que a realidade vai desmentindo, sem que os jornalistas e editorialistas que as divulgam e que se deveriam obrigar a um mínimo de sentido crítico as questionem, por mais ridículas e inverosímeis que sejam.

Nada de novo, a não ser a intensidade de uma propaganda que não tem comparação nem quaisquer precedentes em nenhuma outra época da história e até ridiculariza e torna rudimentar o número realizado por Colin Powell no Conselho de Segurança da ONU a exibir provas factuais das fábricas de armas de destruição maciça que não existiam no Iraque de Saddam Hussein.

O efeito pretendido pelo comediante presidente, ao diariamente simbolicamente se vitimizar como se fosse a incarnação da Ucrânia, enquanto apresenta vitórias significativas sobre o seu bárbaro invasor capaz de atrocidades e brutalidades inomináveis sobre os virtuosos e indefesos ucranianos, tem-lhe rendido os dividendos de um apoio militar, económico e moral praticamente ilimitado que lhe entra pelas portas que os EUA/NATO e a Europa lhe escancararam e que continua a alimentar a corrupção endémica da Ucrânia, como se vai percebendo por um contrabando de armas que já não é possível ocultar.

A máquina de propaganda contínua é tão activa e eficaz que nenhum detalhe é desdenhado, como é bem exemplificado pela reportagem fotográfica da Vogue, em que o casal Zelensky assegura um futuro no mundo dos famosos e do mercado de luxo, qualquer que seja o desfecho da guerra da Ucrânia, o que também terá efeitos positivos em volume que certamente será ocultado nas contas em paraísos fiscais que o presidente já possuía antes da guerra eclodir ou outras que venha a abrir.

A guerra, com o seu rol de crueldades e barbaridades, sempre reprováveis qualquer que seja o ângulo porque seja analisada e cujo desencadear é inapelavelmente condenável, por mais complexo que seja o contexto histórico em que se desamarra, acaba por se tornar um trunfo de raro quilate para alguns, com Zelensky na linha da frente.

O fulgor das chamas em que se queimaram cem milhões de livros ilumina o terror instalado, os crimes e violações dos direitos humanos sem que isso arranhe os chamados valores civilizacionais do ocidente que a ele fica cego, surdo e mudo. Ilumina as proibições de todos os partidos políticos, alguns bem próximos de outros partidos até no poder em países apoiantes da Ucrânia, reduzindo a cinzas qualquer resquício de solidariedade com os militantes desses partidos, como os portugueses tiveram a oportunidade de ver na pessoa do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, que, sem querer saber mesmo dos que com ele comungam dos mesmos princípios, reafirmou o «apoio humanitário, económico, político e financeiro» de Portugal à Ucrânia, assegurando que se vai manter «esta ligação» sem esclarecer mas fazendo temer que Portugal acrescente mais uns milhões aos 250 milhões doados, que além de bem falta fazerem aos portugueses e aos serviços públicos coloca, se calculado em percentagem do PIB, o nosso país como um dos principais doadores, o que foi aplaudido pelo PS, PSD, IL, Chega e Livre, registe-se para memória futura.

Nada como engraxar com graxa da melhor qualidade os sapatos de Biden e Blinken, embora ninguém perceba que resultados positivos daí possam advir além de uma inflação galopante e uma crise económica anunciada. Esfarrapada e bem esfarrapada está a bandeira da miséria moral em que se queiram embrulhar.

Iluminada por essas chamas está também a total supressão da liberdade de opinião e de expressão da opinião, a suspeição generalizada, a sucessão de purgas de pessoas tidas como fiéis servidoras do país, desencadeando uma caça às bruxas com a obsessiva suspeição de colaboracionismo com as forças pró-russas que os Serviços de Segurança da Ucrânia (SBU), bem conhecidos pelos seus métodos discricionários e brutais, que até antes da guerra foram objecto de crítica nos EUA e países ocidentais, perseguem sem um segundo de pausa.

Iluminado pelas chamas em que se queimaram cem milhões de livros está agora o pavilhão da Ucrânia, que à cultura diz nada mas é convidada especial da Feira do Livro de Lisboa que se entrincheira na solidariedade com o povo ucraniano a qual, se parece uma atitude justa, acaba por ser, neste caso, um hino ao cinismo e à hipocrisia.

Num evento como a Feira do Livro, os irracionais e brutos atentados à cultura que todos os dias se perpetuam na Ucrânia não podem ser atirados para debaixo das cinzas de cem milhões de livros nem para a destruição de esculturas celebrando escritores russos e soviéticos, alguns destes nascidos na Ucrânia. A justa condenação da invasão e da guerra não pode nem deve abrir a porta do esquecimento para a destruição da cultura, para a cada vez maior aculturação com o desabrido culto da personalidade do Servo do Povo, para a enorme corrupção que campeia pelo país, nem para políticas discricionárias que têm por objectivo final suprir qualquer dissidência, espalhar o terror e o medo para submeter a mente das pessoas.

A miserável queima de livros na Ucrânia emparceira com outras fogueiras célebres em que livros foram consumidos como no incêndio da Biblioteca de Alexandria pelos romanos em 48 a.C.; a de livros islâmicos ordenada pelo cardeal Cisneros em Granada, em 1501; dos manuscritos aztecas em 1560, pelos invasores espanhóis; pelos nazis em várias cidades alemãs, em 1933; dos livros marxistas na década de 50 por McCarthy; pela queima de livros considerados subversivos por Pinochet, em 1973; os livros ímpios que o Estado Islâmico descobriu em 2015 na Biblioteca de Mossul. A lista podia ser mais longa, mas é a bastante e suficiente para colocar Zelensky em lugar destacado entre essa estirpe de gente que odeia a cultura. É isso que, mal ou bem, o pavilhão da Ucrânia na Feira de Lisboa, queiram ou não queiram os seus promotores, acaba por celebrar.

Lá estarão bem altas as chamas da queima dos milhões de livros para iluminar no pavilhão da convidada Ucrânia, o narcisismo de Zelensky a vitimizar-se para fazer pagar ainda mais cara a sua futura participação numa Vogue qualquer.

Pobre povo ucraniano cercado pelo terror da guerra que a Rússia há seis meses impôs e pelo terror de Estado que desde 2014 se vem agravando com o beneplácito do Ocidente.


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5 pensamentos sobre “Fahrenheit 451 na Feira do Livro de Lisboa

  1. Dão valor à liberdade? A maioria das pessoas dão valor a ela. Querem ter a liberdade de divergir de opinião em coisas tais como a política, a economia e a religião, naturalmente, dentro dos limites da lei e da ordem. Por outro lado, a perseguição movida a alguém pela sua opinião faz lembrar a Inquisição da Idade Média.

    A fim de impedir a “invasão repugnante e impetuosa de livros infectados” —  Em 1542, a Inquisição Romana foi instituída. Seu primeiro ato público foi, pelo que parece, elaborar um edito contra a imprensa livre no âmbito religioso. Quando o ex-inquisidor-mor Gian Pietro Carafa tornou-se o Papa Paulo IV em 1555, ele imediatamente organizou um comitê para criar uma lista de livros proibidos. O primeiro abrangente Índice dos Livros Proibidos foi impresso em 1559.

    Essa terrível arma de terror, a Inquisição, foi primeiro forjada nos princípios do século treze. A Sua finalidade: buscar e punir os hereges e descrentes. Começou a tomar forma definida quando, em 1232, o Papa Gregório IX designou juízes permanentes, que vieram a ser conhecidos mais tarde como “inquisidores”. Todos que viviam nas chamadas terras “cristãs” deviam ser coagidos à lealdade à única Igreja. Não se devia permitir nenhuma discordância, nenhum exercício de seu próprio critério, nenhuma interrogação das doutrinas da Igreja.

    A Igreja falava que as suas investigações, incluindo a tortura, eram feitas por amor às vítimas. E quanto à responsabilidade de queimar incontáveis pessoas na estaca, declaravam que tais execuções eram realizadas, não pela Igreja, mas pela autoridade secular.

    É de arrepiar saber até que ponto esses inquisidores supostamente cristãos chegaram a fim de extrair confissões ou evidência incriminatória de suas vítimas. Com freqüência eram monges escolhidos das fileiras da Ordem Dominicana, homens cuja vida desnatural e sem família e cujo fanatismo os endureceram ao ponto de não se condoerem do sofrimento e não hesitarem em infligir as mais excruciantes torturas.

    Só durante o período colonial relatou-se que foram queimadas na estaca milhares de pessoas. As acusações incluíam blasfêmia, bruxaria, bigamia, a posse de uma Bíblia na língua comum do povo, apostasia, professar uma fé não católica. Até mesmo membros de posição elevada dentre o clero não foram isentos. Em 13 de abril de 1578, o Frei Francisco de la Cruz foi queimado na estaca por ensinar que a Igreja era culpada da prática de comprar e vender posições oficiais na Igreja; que se devia abolir a confissão auricular; que os monges e os clérigos se deviam casar, e que as Escrituras Sagradas deviam estar disponíveis na língua comum.
    Em 29 de outubro de 1581, o pirata inglês, Capitão John Oxnem e dois membros de sua tripulação foram queimados vivos, não, não por pirataria nos altos mares, mas por serem luteranos. Em 17 de novembro de 1595, o português Juan Fernando de las Heras e três de seus compatriotas foram queimados vivos, tendo sido acusados de “judeus judaizantes”.O clero e os cidadãos proeminentes procuravam os lugares da “primeira fileira”, os melhores para contemplar os condenados nos seus últimos momentos de agonia no fogo. Os brados e aplausos da turba fanática com freqüência abafavam os gritos das vítimas.

    Galileu escreveu o livro Diálogo sobre os Máximos Sistemas do Mundo. Embora o papa tivesse ordenado que Galileu fosse neutro, o livro deu a impressão de favorecer as conclusões de Copérnico. Em pouco tempo, os inimigos de Galileu começaram a afirmar que o livro ridicularizava o papa. Acusado de heresia e ameaçado de tortura, Galileu foi forçado a negar os ensinos de Copérnico. Em 1633, a Inquisição o sentenciou à prisão domiciliar perpétua e proibiu suas obras. Galileu morreu em sua casa em Arcetri, perto de Florença, no dia 8 de janeiro de 1642.
    Por centenas de anos, algumas das obras de Galileu permaneceram na lista de livros proibidos pela Igreja Católica. Mas, em 1979, a Igreja reconsiderou a ação tomada pela Inquisição 300 anos antes. Por fim, em 1992, o Papa João Paulo II reconheceu que a Igreja Católica tinha errado ao condenar Galileu.

    A Igreja Católica usou a infame Inquisição para extirpar os chamados “hereges” por meio de torturas hediondas e por queimá-los em estacas. Somente no século dezesseis, a Inquisição católica queimou assim mais de 30.000 “hereges”.

    A Enciclopédia Delta Universal declara: “De 1484 a 1782, segundo alguns historiadores, a Igreja condenou à morte cerca de 300 mil mulheres acusadas de bruxaria.”

    A desumanidade do homem para com o homem” é um tema horrível e repetitório da História. Os antigos assírios empalavam seus prisioneiros de guerra em estacas que atravessavam o abdômen, até o tórax. Os romanos tinham sua própria maneira de usar a estaca. Suas vítimas eram primeiramente açoitadas tão severamente que muitas vezes eram esfoladas até os ossos. Depois, eram amarradas ou pregadas em estacas eretas e largadas para morrer — vagarosa e agonizantemente.
    Insensibilidade e crueldade chocantes foram muitas vezes demonstradas por sacerdotes. Os astecas do México faziam sacrifícios humanos a seu deus Huitzilopochtli, por arrancar o coração de suas vítimas vivas. No século 16, Fernando Cortés, da Espanha, conquistou os astecas. Era sua religião melhor? Naqueles dias a Inquisição espanhola usava câmaras de tortura e matavam “heréticos” na fogueira. Havia uma forma comum de tortura que esticava os membros da vítima até que estes se deslocassem das juntas. Outros métodos eram ainda mais terríveis.

    Mas isto é coisa do passado’, alguns pensam. ‘Hoje, as pessoas são mais humanas e civilizadas.’ Isto é verdade?
    A tortura de modo algum tornou-se obsoleta. É verdade que as horríveis fogueiras públicas, que certa vez regalavam as multidões e os clérigos sádicos e insensíveis, são coisa do passado. Mas, no sigilo das celas de prisão, a tortura ainda é praticada regular e freqüentemente — muitas vezes com métodos sofisticados que nem mesmo deixam traços.
    Certa reportagem afirmou que muitos países são “notórios pela tortura e pela morte de prisioneiros políticos”. A reportagem prossegue: “Pessoas têm também ‘desaparecido’ depois de presas — para nunca mais serem novamente vistas.” A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas colocou na lista negra, como “vilões da opressão e da tirania”, mais de cem estados membros da ONU.
    Massacres têm sido freqüentes no decorrer deste século 20. Em 1915-16, um exército invasor foi usado para deportar à força a maioria da população armênia, operação em que possivelmente um milhão de armênios foram mortos. Calcula-se que, em conseqüência da revolução na Rússia, 14 milhões de civis morreram entre 1914 e 1926. Na China, de 1949 a 1958, entre 15 e 30 milhões de pessoas pereceram nas “campanhas de exterminação política”. Massacres dos judeus têm sido freqüentes durante muitos séculos; mas nenhum foi tão cruel ou extensivo como a matança de mais de seis milhões de judeus que houve sob o regime de Hitler.

    Quase 8 milhões de crianças menores de 5 anos em 15 países atingidos pela crise correm o risco de morte por desnutrição aguda grave,diz a ONU.

    Da Espanha e de Portugal, a Inquisição espalhou-se para as colônias destas duas monarquias católicas, na América Central e do Sul, e para outras partes. Só acabou quando Napoleão invadiu a Espanha, no começo do século 19. Foi temporariamente restaurada depois da queda de Napoleão, mas foi suprimida em 1834, há apenas um século e meio.

    Em 1441 — uns 60 anos antes da descoberta oficial do Brasil — o navegador português Antão Gonçalves capturou e levou para Portugal o primeiro contingente de membros de tribos africanas. Poucos na sociedade medieval questionavam a moralidade de escravizar prisioneiros de guerra, em especial aqueles que a Igreja classificava de “infiéis”. Nas duas décadas seguintes, porém, o lucrativo comércio de escravos em tempos de paz passou a exigir uma justificativa. Havia quem afirmasse que escravizar africanos seria “salvar almas perdidas”, pois se estaria resgatando esses alienígenas de sua vida pagã.

    Assim, com a bênção clerical, e a inquisição a importação de escravos africanos crescia num ritmo constante. O Brasil passou a depender muito do tráfico de escravos no Atlântico. Em 1768 a fazenda Santa Cruz, de propriedade dos jesuítas, tinha 1.205 escravos. Os beneditinos e os carmelitas também adquiriram propriedades e muitos escravos. “Os mosteiros encheram-se de escravos!”, disse o abolicionista brasileiro Joaquim Nabuco, do século 19.

    As principais nações européias diretamente envolvidas no tráfico negreiro eram a Dinamarca, Espanha, França, Grã-Bretanha, Holanda e Portugal.

    “Poucas nações muçulmanas . . . são modelos de tolerância. Mas, serão as únicas? A Inquisição e as guerras religiosas cobriram a cristandade de sangue, e as pessoas devotadas que fundaram os Estados Unidos consideravam os índios e os negros como algo um pouco inferior a seres humanos”. — André Fontaine, editor francês, escrevendo no jornal Le Monde.

  2. Antigamente tínhamos que sintonizar a radio em onda curta para se saber as noticias dadas pelo outro lado. Agora estamos a ser totalmente censurados e se quiserem até nos identificam em casa sem grande problema.
    Essa dos livros queimados desconhecia . E até o Poligrafo diz que é mentira porque parece que Zelensky não foi o que assinou, mas não nega a queima de livros ( mais um truque da propaganda e controlo).
    E depois dizem que estamos em democracia.
    Já não estamos
    O que não está controlado pelos oligarcas da comunicação está pelo Estado. E , quase uma ironia, é através dos comentários de alguns militares ( não todos) que com todo o cuidado e algumas buchas no discurso para não serem carimbados, lá vamos tendo alguma noção do que se está a passar.

  3. A dúvida vã e excêntrica, se os participantes ucranianos na Feira do Livro de Lisboa representam o povo ucraniano ou a clique neonazi de Kiev. Zelensky, o comediante corrupto na capital ucraniana, que só conhece os seus interesses, os da sua clique e os da NATO, nunca permitiria que a cultura do seu povo estivesse representada numa Feira do Livro. Daí, na Feira do Livro de Lisboa de 2022, Zelensky é o celebrado, mais a queima de cem milhões de livros da cultura ucraniana. Um momento histórico bizarro.

    Não existe nenhuma cultura ucraniana sem a cultura russa. Ambas as culturas estão umbilicalmente ligadas, uma vive da outra. Negar uma é mutilar a outra. Existe uma cultura nazi? Existe. Existe como anti-cultura, como negação da vida humana e de todos os seus símbolos e valores. A Ucrânia de Zelensky está na Feira do Livro de Lisboa de 2022 para afirmar essa anti-cultura, a destruição dos laços humanos subjacentes à cultura.

    O livro é o símbolo por excelência da cultura e do conhecimento. No livro afirma-se o carácter social da humanidade. No livro é transmitido conhecimento, revelando-se assim os laços sublimes que nos unem. Somos quem somos porque outros nos prepararam o caminho. O livro é o testemunho do passado para o futuro. A marca do outro em nós.

    Na Kiev zelenskiana queima-se todos os dias a memória de um povo, destruindo os laços que o une ao povo vizinho, seu irmão. A presença aberta ou camuflada do neonazismo de Kiev na Feira do Livro de Lisboa de 2022 talvez sirva para nos abrir os olhos, nos tornar mais presente a importância da cultura, do conhecimento, das origens da nossa Humanidade.

    Para além desta presença bizarra de queimadores de livros numa festa do livro, fica a curiosidade mórbida e macabra de saber se há lembranças folclóricas do majestoso gesto crematório. Um porta-chaves com um livro em chamas, uma urnazinha com cinzas dos livros queimados, um relicário com os restos tristes de uma folha queimada do “Guerra e Paz” de Tolstoi ou de “Os Demónios” de Dostoievski, um vaporizador a encher o ambiente festivo com as fragâncias iníquas de civilização queimada. Uma ideia de negócio que talvez enchesse de felicidade os apologetas do mártir Zelensky e lhes murchasse as ganas perversas ao ouvir falar de cultura.

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