A Falácia dos 2% para a Defesa

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 05/06/2022)

Quando um dirigente político apresenta a necessidade de aumentar as despesas militares para os 2% do PIB está a considerar-nos implicitamente 98% estúpidos por acreditarmos neles.

Os Estados Unidos, o secretário-geral da NATO e os ministros da Defesa da NATO têm estado a apresentar como necessidade essencial de defesa dos países da NATO contra a ameaça russa um valor mínimo de 2% do PIB de cada estado para despesas ditas com a defesa.

É uma falácia — O termo falácia deriva do verbo latino fallere, que significa enganar. Designa-se por falácia um raciocínio errado com aparência de verdadeiro. Na lógica e na retórica, uma falácia é um argumento logicamente incoerente, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que alega.

É uma falácia assente em pressupostos falsos a vários títulos. A invasão da Ucrânia pela Rússia demonstrou que as Forças Armadas Russas têm tido grandes dificuldades em atingir os seus objetivos na Ucrânia, sejam esses objetivos a ocupação do país, a derrota das forças armadas ucranianas, ou até a ocupação de uma faixa de 20% do território (Donbass e margens do mares de Azov e Negro).

O potencial relativo de combate (grosso modo) entre a Rússia e a Ucrânia consta do Quadro 1.

Apesar de as forças armadas ucranianas terem sido organizadas e treinadas pelos Estados Unidos e outros países da NATO como uma força de ordem interna de suporte a um regime favorável (a oligarquia que gerou Zelenski) e, no limite das suas capacidades, como força de provocação à Rússia no Donbass, apesar da organização do terreno no Donbass e nas periferias de aglomerados populacionais e sobre os eixos principais ser de média resistência (trincheiras escavadas e campos de minas), apesar da não existência de grandes obstáculos naturais (o terreno é plano), o facto é que as forças russas têm tido grande dificuldade em ocupar e vencer umas forças com os meios das ucranianas, sendo estas apoiadas pela NATO com as suas capacidades de Comando, Controlo e Informação. As forças russas, no seu avanço de leste para ocidente, não chegaram sequer ao rio Dniepre!

Os países da NATO conseguiram meios para deter a Rússia utilizando as forças ucranianas, sem empenharem em combate nenhuma das suas unidades terrestres, aéreas ou navais. A NATO tem à retaguarda da Ucrânia todo o seu potencial intacto — um potencial significativo e superior ao russo, mesmo sem contar com os Estados Unidos e o Canadá! Quadro 2

O aparelho militar dos países europeus da NATO tem custado aos contribuintes cerca de 1,5 do PIB e tem sido suficiente. Quadro 3

Assim: se 1,5% do PIB empregue em despesas com armamento têm sido suficientes para deter a “ameaça russa” no leste da Ucrânia, numa faixa de 120 quilómetros de largura, que necessidade existe de gastar mais meio por cento para obter o mesmo resultado?

Alguém em Bruxelas, seja na sede da NATO, seja na sede da UE, um daqueles milhares de funcionários, já se deu ao trabalho de analisar a relação de custo-eficácia das despesas militares? Se a intenção do aumento das despesas com armamento for derrotar a Rússia no seu território, então os 2% de aumentam não chegam, como se conclui da invasão da Ucrânia, onde a Rússia não consegue avança e instalar-se. Quanto às tentativas de a Europa Ocidental invadir a Rússia, existem na história duas más experiencias: a de Napoleão e a de Hitler. Os 2% do PIB europeu são suficientes para ensaiar uma nova aventura de ir até Moscovo?

A proposta de aumento das despesas militares para os 2% não é necessária para defender a Europa da Rússia e é insuficiente para a Europa derrotar a Rússia. Os políticos europeus estão a ludibriar os cidadãos. Os únicos que lucrarão com o aumento serão os fabricantes de armamento, em particular os do complexo militar norte-americano.

Os cidadãos europeus deviam perguntar aos políticos como justificam o aumento de despesas militares! É que o dinheiro “pode” fazer falta para necessidades reais, para ameaças reais resultantes de desastres ambientais, de pandemias, de envelhecimento da população, de empobrecimento, de migrações, de fome…

Quando um dirigente político apresenta a necessidade de aumentar as despesas militares dos europeus para os 2% do PIB está a considerar-nos (aos europeus) implicitamente que 98% estúpidos porque apenas com esse grau de lerdice se acredita neles.

Estes dados são públicos e retirados da Revista The Military Balance 2021 — do The International Institute for Strategic Studies, do Reino Unido, que os dirigentes políticos deviam conhecer, assim como os artistas civis convidados para animarem as sessões de espiritismo sobre a guerra na Ucrânia promovidas pelas televisões.

O link onde pode ser encontrar toda a informação é: https://hostnezt.com/cssfiles/currentaffairs/The%20Military%20Balance%202021.pdf


Quadro 3

Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

3 pensamentos sobre “A Falácia dos 2% para a Defesa

  1. Os “2% do PIB” são contas feitas pelos americanos e apresentados aos governos europeus membros da NATO. Não me consta que algum governante europeu exija aos americanos que apresente a calculação. Não serão “98% estúpidos por acreditarmos neles”, mas a percentagem é de facto muito alta. A margem porcentual que não acredita neles tem as mãos atadas, faz o que pode muito democraticamente.

    A “ameaça russa” é uma fantasmagoria, um mantra, se se quiser uma “falácia” da NATO para abafar a esquerda na Europa, justificar a ocupação da Europa pelos EUA, defender os interesses americanos na Europa e alimentar o complexo militar-industrial dos EUA. Lord Hastings Lionel Ismay, primeiro secretário-geral da NATO: A NATO foi criada “para manter a União Soviética de fora, os americanos dentro e os alemães em baixo”.

    As “dificuldades” das Forças Armadas russas na Ucrânia têm várias razões e nem são de carácter militar. Os russos consideram os ucranianos um povo irmão e procuram tanto quanto possível evitar a destruição total como fazem os americanos e a NATO nas suas guerras. É conhecido como os nazis ucranianos e mesmo as forças militares regulares se protegem atrás da população civil para atacar os russos.

    A operação militar russa visa a “desnazificação” e qualquer pessoa sabe por experiência que é mais fácil destruir um bloco de betão do que tirar uma ideia-feita ou um preconceito da cabeça de muitas pessoas.

    Desmilitarizar: Alguém já apontou num comentário no Estátua de Sal que a Ucrânia deve ficar por muitas décadas imune à NATO e aos militaristas estadunidenses. Basta que a Ucrânia se declare como país militarmente neutral. Para os EUA um país neutral é como água benta para o diabo. E então a Ucrânia, na fronteira da Rússia, a quatro minutos de Moscovo com um míssil!
    A Rússia não visa a ocupação da Ucrânia. As regiões sob controle russo deverão ficar capazes de se defender e se organizar por si mesmas. Isto exige tempo, muito tempo.

    O Ocidente quer na Rússia o “regime change”. Gorbatchov e Ieltsin puseram o Estado Profundo americano com sonhos húmidos. A Rússia continua poluída com lixo neoliberal. O que é um “regime change” americano conhecemos bem da Líbia, da Síria e das tentativas na Venezuela e noutras paragens. Na Rússia parece que não abundam os Navalnys. Os oligarcas dentro do país estão debaixo de olho, diz-se. A ideia simplória de afastar o Putin não significa que não venha um muito pior. O Exército russo tem um prestígio imenso. Quando nos EUA e na Europa se fala da Rússia, se não é ignorância, é bazófia. As mais das vezes ambas, unidas como duas nádegas. Tentam atirar o barro à parede a ver se cola. A russofobia dos fiéis ocidentais também precisa da sua dose diária para se manter de pé.

    CMG tem um desejo: „Os cidadãos europeus deviam perguntar aos políticos como justificam o aumento de despesas militares!“ Sejamos modestos, comecemos por perguntar ao sr. Costa como justifica os 250 milhões que entregou ao palhaço alucinado Selensky.

  2. O objetivo dos 2% do PIB para gastos militares não tem tanto a ver com a utilização ou não da cangalhada na Ucrânia. Uma guerra merece sempre o interesse comercial da indústria de armamento e sectores próximos; é muito larga a panóplia de gastos a absorver pelas FA mesmo em tempo sem guerra. Recordemos, por exemplo a compra dos submarinos alemães no tempo do Portas

    A questão é essencialmente económica, como expressámos recentemente em http://grazia-tanta.blogspot.com/2022/05/um-sobrevoo-do-bidenato.html

    As cinco maiores empresas de armamento, segundo o SIPRI (Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo), em 2020 e, em mil milhões, são: Lockheed Martin – $58.2; Raytheon – $36.7; Boeing – $32.1; Northrup Grumman – $30.4; General Dynamics – $26.0, todas sediadas nos EUA. Acrescente-se que naquele ano, aos EUA pertenciam 54% das cem maiores empresas de armamento, com vendas num total de $285 mil milhões. Em 2020, os EUA representavam apenas 4.2% da população global e, o grande rival, a China, 18.1% daquele total, com uma faturação de $66.8 mil milhões de armamento, correspondente a 13% do valor global.

    Essas poderosas empresas, com a sua produção e venda amparam-se no poder político para manter os seus negócios. Note-se que as importações dos EUA correspondem a € 2937 milhões contra € 1754 milhões de importações e isso exige a utilização das esferas políticas para o escoamento de armamento. Anos atrás, o famoso Trump deslocou-se a Riade para vender armamento ao sultão e avançou – sem que houvesse guerra na Europa – com a insistente proposta de os países NATO destinarem 2% do seu PIB em gastos militares. E agora com a entrada da Suécia e da Finlândia, a harmonização do equipamento NATO vai gerar alegria no complexo militar-industrial dos EUA. Mais discreta é a intervenção do Africom onde se mescla a venda de armas com o contrato de mercenários.

  3. Por outro lado, o país quer tanto dedicar 2% do PIB à “Defesa” que o armamento que poderíamos adquirir até nos foge pela calada da noite: um canhão do tempo de D. João V!!

    Sejamos honestos: todos os pedaços de bronze aproveitam-se!

    E, naquele tempo, apesar de um rei megalómano, as coisas eram bem fabricadas (mesmo que com um excesso de ornamentação barroca).

    Mas agora que fugiu há que considerar a possibilidade de restaurar a Nau de São Gabriel e voltar a admiti-la na Marinha! Finalmente, vai concretizar-se o Quinto Império!

    Venham os bons velhos tempos!!

Leave a Reply to Um CidadãoCancel reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.