Onde é que tu estavas no 25 de Abril?

(Carmo Afonso, in Público, 23/05/2022)

Convido-vos a ler, ou a reler, o último artigo do António Guerreiro no Público, e partilhado aqui. Eu podia ter começado por aí.


Quem a fazia era o Armando Baptista-Bastos, mas quem a imortalizou foi o Herman José: onde é que estavas no 25 de abril? Assistir às entrevistas originais dá mais piada, e sentido, aos sketches do Herman. Para quem não assistiu: o Baptista-Bastos situava cada conversa, e cada entrevistado, relativamente ao 25 de Abril. Interessava-o com indisfarçável curiosidade se determinado acontecimento tinha sido antes ou depois da revolução e, claro, como se tinha o seu interlocutor posicionado no grande evento.

Nessas entrevistas, era possível observar um rodeio que iria sempre eclodir na célebre pergunta e lá ficávamos a saber que papel tinha assumido aquela pessoa, nem sempre eram pessoas muito conhecidas, no 25 de Abril. O processo era genial e genial foi também o Herman em ter reparado nele e em tê-lo recriado.

Neste processo do Armando​ Baptista-Bastos, que aparentemente é uma simples obsessão esquerdista, está a metáfora, em que muitos se reverão, de politizar a vida e de refletir sobre ela subsumindo-a à política. É um processo grato. Tudo é politizável; o amor, o sexo, a amizade, a guerra e a própria religião.

Assine já

Há autores que fizeram o processo inverso e que, em ideias e conceitos políticos, viram a religião. Muitos estabeleceram um paralelismo entre o socialismo e o cristianismo. A associação não é difícil. Schmitt escreveu: “O socialismo pretende dar vida a uma nova religião que, para os homens dos séculos XIX e XX, teve o mesmo significado que o cristianismo para os homens dois mil anos antes.” É uma ideia conhecida.

O socialismo, que não quer nada com a religião, é ele próprio muito parecido com uma. Esta afirmação consegue apoquentar cristãos e socialistas. Todos deveriam pensar melhor isto: está em ambos a ideia de igualdade, de distribuição da riqueza, da crítica aos que dominam e exploram (os ricos). É no socialismo e no cristianismo que encontramos uma ideia de indivíduo onde este poderia ser chamado de semente de alfarroba.

O que distingue uma semente de alfarroba? A pergunta arranca mal formulada. Deveria ser: o que é igual nas sementes de alfarroba? Resposta: o mais importante, o peso. São todas iguais. Independentemente da alfarroba e da alfarrobeira onde nasceram, todas as sementes de alfarroba têm o mesmo peso.

Discute-se o rigor destas afirmações, mas é certo que esta característica das sementes de alfarroba determinou que, durante séculos, tenham sido usadas como unidade de peso. Eram sobretudo usadas para pesar ouro e pedras preciosas. Foram de fundamental importância. Ainda são em alguns mercados. Um quilate tem o peso de uma semente de alfarroba.

Mas de volta aos autores que viram religião onde só parece estar política: Walter Benjamin disse que o capitalismo é uma religião e que é a mais perigosa de todas porque não admite expiação. Para Benjamim, os grandes autores da modernidade – Nietzsche, Marx e Freud – eram no fundo solidários com o que ele chamava de religião do desespero. Nenhum dos três teria apreciado a reflexão.

Eu não sei onde estava o António Guerreiro no 25 de Abril. Eu própria estava ainda na cápsula da inconsciência. Mas o que lhe quero dizer é que, dos autores que cita no seu artigo de sexta-feira, há dois que li e de que gosto. Não tiveram foi o poder de erradicar a ideia, que tenho, de que em tudo o que nos move está presente a luta de classes.

E quero dar um exemplo. Chama-se A Criada Zerlina e é um extraordinário texto de Hermann Broch. Aparentemente uma história de amor. São duas horas de um dos mais bonitos monólogos a que tive oportunidade de assistir. Concluí que o amor de Zerlina pelo casto marido da sua patroa e a hesitação que sentiu entre amá-lo ou ao amante da sua patroa e o decurso intenso, mas invisível, da sua vida à sombra da sua patroa – é pura política. Não é nada um relato de amor; é a história de uma mulher de sentimentos profundos a quem foi negada a possibilidade de ter uma vida, como acontecia a todas as criadas, e que inventou uma. É uma história de classes. Uma história feita de direita e de esquerda.

Na Ucrânia continuam a combater duas direitas. A da Ucrânia – que condiciona a atividade dos partidos de esquerda e que faz regredir os direitos dos trabalhadores, retirando-lhes a fundamental proteção face ao patronato, ao ter passado a considerar que, a estas relações, se aplica a equivalência entre as partes do Direito Civil – e a da Rússia; outro etno-nacionalismo com capitalismo de Estado e criptomoedas. Também parece que lá anda o Diabo. Deus terá adormecido. Diz-se que está em toda a parte. Eu digo que a política é que está.

Convido-vos a ler, ou a reler, o último artigo do António Guerreiro no Público, e partilhado aqui. Eu podia ter começado por aí.

A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

7 pensamentos sobre “Onde é que tu estavas no 25 de Abril?

  1. “Diplomata russo na ONU demite-se: “Nunca tive tanta vergonha do meu país como em 24 de Fevereiro”
    Boris Bondarev critica na carta de demissão a “guerra agressiva desencadeada” na Ucrânia pelo Presidente russo. “Não posso simplesmente continuar a participar nesta ignomínia sangrenta, idiota e absolutamente inútil”.
    “Em 20 anos de carreira diplomática, vi diferentes reviravoltas na nossa política externa, mas nunca tive tanta vergonha do meu país como em 24 de Fevereiro deste ano”, escreveu, referindo-se à data da invasão da Ucrânia pela Rússia. “O Ministério tornou-se a minha casa e a minha família. Mas não posso simplesmente continuar a participar nesta ignomínia sangrenta, idiota e absolutamente inútil”.
    A demissão constitui uma rara – se não inédita – admissão pública do descontentamento entre o corpo diplomático russo pela guerra da Rússia na Ucrânia, numa altura em que Vladimir Putin tem tentado reprimir dissidências e opiniões contrárias à do Kremlin (presidência russa) relativamente à “operação militar especial” – como é oficialmente conhecida na Rússia a guerra na Ucrânia.”

    • As fakenews ocidentais andam a bater forte. Qualquer dia entrevistam uma mulher a dias Russa em Paris, que diz o que tem a dizer para evitar ser perseguida pela ditadura ocidental, e dizem que é mais uma “diplomata russa fala mal do mauzão Putin e concorda a 100% connosco que não há histôrua antes de 2022-Fevereiro-24”

      Olha (tu e todos os outros), vai ler os relatórios da OSCE, que mostram os milhares de bombardeamentos diários, feitos por NeoNazis ucranianos armados pela NATO em violação dos acordos de PAZ de Minsk, contra zonas civis do Donbass, durante a semana ANTES da Rússia decidir ajudar esse povo, e já agora as ZERO referências a isso na “inpremsa livre” ocidental, e depois diz-me o que seria do povo do Donbass se a Rússia não tivesse ido em seu auxílio.

      Aliás, nem precisas de ler os relatórios, basta pesquisar “OSCE Donbas explosions 2022 February” e, pelo menos no independente motor de bisca DuckDuckGo é logo dado nos primeiros 2 resultados de imagens a realidade que está a ser escondida dos Ocidentais. O mapa da vergonha ucraniana/NATO e que é por si só justificação mais que suficiente para uma intervenção militar.

      Numa das imagens está também o link para o MoonOfAlabama, que tem um artigo de leitura essencial:
      https://www.moonofalabama.org/2022/05/ukraine-putin-on-why-the-war-started-failed-attempts-on-snake-island-other-issues-.html?cid=6a00d8341c640e53ef0282e154a23a200b

      Eu agradeço à Rússia por finalmente (ao fim de 8 anos da paciência à espera do bom senso ocidental/ucraniano, e de preparação para o caso dele não aparecer) ter ido finalmente salvar aquele povo. Tudo o resto são detalhes ou é propaganda.
      Uma invasão onde morrem +3 mil civis de forma a impedir que morram outros +13 mil (ou mais) no Donbass às mãos de NeoNazis? JUSTIFICADÍSSIMA

      A esse propósito, hoje no Polígrafo (prostitutas da NATO que manipulam tanto ou mais que a FoXNews/CNN) sob a máscara de “fact checking”, analisaram imagem da visita do Primeiro Ministro Português onde aparece um ucraniani com uma caveira normal no equipamento, para a partir daí comparar essa caveira com o Totenkopf Nazi e dizer que é uma falsidade e que as acusações de Nazismo são só uma “narrativa pró-Kremlin”. Eles até estão certos na análise a esta imagem em particular, mas tudo o resto neste artigo de putedo “jornalístico” é manipulação.

      De facto, o que não falta são NeoNazis ucranianos a usarem símbolos nazis como o wolfsangel, o sol negro, tatuagens de suásticas, e o totenkopf. Aliás, no dia da mulher, a NATO publicou imagem de uma militar ucraniana com o sol negro no equipamento, e no Dia da Vitória o Zelensky publicou uka imagem de um soldado ucraniano com a tal caveira (totenkopf) nazi. Ambos os posts foram apagados pouco depois, mas a internet não perdoa: uma vez publicado, não pode ser apagado. Basta pesquisar, e está para sempre nos arquivos.

      Conclusão: a Ucrânia é um regime criminoso genocida com um poder de facto Nazi e uma grande parte de militares recrutados com base nessa ideologia (acima de tudo os Azov, Aidar, C14, Svoboda, Sector Direito, galicianos do SBU).
      E quem está do lado deles, está ao lado de NeoNazi/Banderistas, entre outros fascistas e supremacistas brancos.
      Perceber, como eu faço, que o povo do Donbass estava em risco de desaparecer da face da terra, e que alguém tinha de os ajudar militarmente, não é um apoio ao regime de Putin. É ser suficientemente decente para ser contra NeoNazis e contra quem viola acordos de PAZ e torna a guerra inevitável.

      Eu sei que a posição da EstátuaDeSal é outra (é 100% pela paz e continua a condenar a invasão), tal como a posição do PCP e de outros. E eu tenho todo o respeito por essa posição, mas tenho também de dizer que esta minha posição (cada vez mais a favor desta invasão) é a única conclusão lógica (no sentido de não contraditória) para quem conhece todo o contexto que nos trouxe até aqui (e aqui agradeço à Estátua por tudo o que publicou e me ajudou a formar opinião).

      Por isso termino com a pergunta: olhando ao tal mapa da OSCE (que mostra milhares de bombardeamentos feitos contra zonas civis do Donbass na semana ANTES da Rússia intervir), qual era a vossa solução?
      1) deixar morrer mais 13 mil no Donbass antes de se assinarem os acordos Minsk 3 que seriam novamente, mais tarde ou mais cedo, violados?
      2) deixar os NeoNazis ucranianos à solta até a limpeza étnica estar completa e Zelensky alastrar, como ameaçou, a guerra também para a Crimeia e, a partir daí partir para a Terceira Guerra Mundial, termonuclear, entre Rússia e NATO?

      É que, muito sinceramente, não estou a ver mais nenhuma hipótese caso a Rússia não colocasse travão nesta loucura Banderista/Pentagonal…

    • https://m.youtube.com/watch?v=vBwZjBMbsK0

      https://www.thecitizen.co.tz/tanzania/news/international/how-many-lives-has-the-war-in-donbass-taken–3724098

      Boa tarde.
      Para quem quiser ficar com a referência, ficam dois links: o primeiro para um vídeo de um canal de YouTube gerido por um Iraquiano que viveu a guerra Criminosa dos EUA e que fala de desertores.

      De facto, como explicado no vídeo (infelizmente, não há legendas em português…), ser desertor é lucrativo.
      Contudo, como ressalvado pelo autor do vídeo, tal não significa que não haja instâncias em que situações de deserção não sejam justificadas.

      Mas, no fundo, a deserção é mais uma forma de propaganda utilizada para alimentar narrativas que pretendem denegrir os países que têm sistemas políticos diferentes do que se considera como o adequado para o favorecimento de interesses políticos e militares geo-estratégicos.

      Efetivamente, no vídeo explora-se a forma como uma rapariga que saiu da Coreia do Norte (Yeonmi Park), tem um discurso cheio de inconsistências, enquanto é uma estrela de Reality Shows e faz uma tour de entrevistas e programas televisivos no Ocidente – para os quais ela é abundantemente remunerada pela contribuição. (Provas são fornecidas ao longo do vídeo)

      Esta rapariga, Yeonmi Park, vem de uma família rica, cuja mãe andava com malas Channel e usava roupas importadas do Japão, mas assume-se como uma vítima do despotismo Norte-Coreamo ao mesmo tempo que estava alinhada para ir estudar medicina.

      No vídeo, são mencionados Andrei Lankov (estudioso da Coreia do Norte) e Michael Bassett (analista para o exército dos EUA), ambos duvidando das atrocidades por ela mencionadas, apesar de serem críticos do regime Coreano.
      De facto, o pai desta rapariga foi acusado de vender propriedade estatal ilegalmente e investigado durante um ano. No entanto, afirma coisas impressionantes que nada coincidem com os factos reais. (Torturas, prisão durante 10 anos numa entrevista e 17 anos noutra, e coisas afins).

      No final do vídeo, referem-se ainda situações de “imigração” (que o autor caracteriza ironicamente de deserção) de mulheres e negros dos EUA para a URSS, mas que nunca receberam a devida atenção mediática porque não são convenientes.

      A propaganda funciona nos dois lados.

      Isto para dizer o seguinte: Boris Bondarev foi convidado (ou propuseram isso) para discursar em Davos. Com a quantia que lhe oferecerem para dizer tudo e mais alguma coisa sobre a Rússia, ele vende a família.

      Por último: porque é que só nos manifestámos contra a violência no momento da ” invasão” russa, depois de vermos na nossa televisão e redes sociais o Will Smith a dar um estalo num homem e toda aquela conversa da violência que não resolve nada e nunca resolverá, mas quando Kurt Volker, Representante dos Estados Unidos para a Ucrânia, disse que os EUA não colaborariam com a Rússia, quando esta sugeriu enviar o Corpo de Paz da ONU para a zona do conflito, sob o pretexto de ir desestabilizar ainda mais a zona, não nos manifestámos de todo ?

      Só para considerar…

      O segundo link direciona para um artigo (também em inglês, mas este deverá ser possível traduzir) que explica muito bem (embora, quem não queira, não seja preciso ler tudo, basta uma vista de olhos rápida) a situação vivida no Donbass desde 2015, desde o número de mortes civis, à vida nas Repúblicas e 3000 instâncias de envio de Processos por Crimes de Guerra cometidos pelo Governo de Kiev ao Tribunal Penal Internacional de Haia e ainda a forma como armamento fornecido pela NATO arranjou o seu caminho para corpos desta gente e que deixava ferimentos únicos, como explicado no artigo.

      Cumprimentos!

  2. Olhem eu tinha 6 anos,nem me lembro.

    Qualquer sociedade baseada na propriedade privada é uma heresia.
    A quem pertence o terreno? Com que direito é concedido?
    O único direito que uma tal sociedade aplica é o direito dos mais fortes. Nada disto é um comportamento democrático.
    A democracia é que as suas acções são em benefício de muitos, será julgado com base nisso e só nisso.
    Estamos longe, muito longe disso porque aqueles que dirigem o nosso sistema impõem-nos a sua visão .

    A democracia não tem nada a ver com eleições (não confundam votos e eleição)! A eleição é a república. A república não é uma democracia, como os seus fundadores deixaram claro! A república é a oligarquia!

    É um embuste fazer as pessoas acreditarem que eleições = democracia. Basta olhar para as muitas eleições nos países totalitários. As eleições são apenas uma forma de legitimar uma tomada de poder. Se uma eleição fosse realmente democrática, não nos apressaríamos a organizá-la sempre que interviéssemos num país para mudar o regime. Uma vez que normalmente o fazemos para colocar “amigos”.

    Temos de ser realistas. Os poderes que não estão particularmente preocupados. Está a olhar para os pobres por um lado, enquanto por outro continua a empurrar os seus peões como se nada tivesse acontecido, Não vejo os sinais à minha volta. Aqueles que não compreenderam nada pensarão que restauraram a situação, pensarão que ganharam, erradamente, é claro. Há uma tomada de consciência entre a população. A mudança virá mais cedo ou mais tarde. De que forma? Não sei!

    É necessário repensar tudo, estamos num sistema em que respondemos aos desejos de cada pessoa que está inconsciente, enquanto o inconsciente não for tornado consciente, estamos condenados ao fracasso, à violência e ao terror, porque os desejos só trazem sofrimento, se o homem não compreender isso, terá de repensar qualquer sistema, não resolverá nada à violência, não mais estado, a violência existe, menos estado “Brasil”, a violência existe, comunista, capitalista, o problema é o Homem no seu interior forte, ele é um animal e enquanto ele não elevar a sua inconsciência consciente, o homem estará perdido.

    Os homens estão enganados por acreditarem que são livres, e esta opinião consiste apenas em que estão conscientes das suas acções, e ignoram as causas que os determinam”.
    Baruch Spinoza

    • Karl Marx dizia que idealmente a Democracia devia ser um Parlamento com representantes de quem trabalha, eleitos muito frequentemente (a cada 2 anos) e com possibilidade do próprio povo terminar os mandatos mais cedo caso o eleito não cumprisse o seu dever. Cada vez concordo mais. Principalmente agora que vejo o meu país nas mão de um poder absoluto que durará 4 anos e só representará alguns interesses e nada mais, depois de ter obtido “maioria” de 41% de votos, de 21% dos eleitores…

      Eu gosto da tal ideia de Marx. Mas vou ainda mais longe, adaptando aos novos tempos e à minha forma particular de ver as coisas: numa Democracia ideal, o salário dos eleitos é igual ao salário médio, e os eleitos não são escolhidos por partidos (que na realidade se transformam em filtros das elites financiados pelos oligarcas de cada economia, ou em clubes de idiotas úteis 100% obedientes ao aparelho do partido), mas sim oriundos de um sorteio 100% aleatório feito a partir da base de dados dos contribuíntes com as contas em dia e sem qualquer propriedade em offshore.

      Com um limite de idades entre os 18 e um valor dinâmico que é o da esperança média de vida subtraído da duração do mandato.
      Sem qualquer restrição do ponto de vista da formação académica (para mim vale tanto um analfabeto quanto um doutor).

      E cim distribuição quase mas não proporcional do território, dando um pouco mais de representantes a áreas menos populadas, de forma a contrariar o efeito-bola de neve que atualmente se verifica na desertificação, seguida de menos importância eleitoral, seguida de mais desertificação, e assim sucessivamente.

      Os sorteados vão a eleições em campanha de duas semanas (sem qualquer pré-campanha) sem cartazes, com cobertura 100% financiada pelo orçamento de Estado (em total igualdade entre candidatoa) e cobertura 100% isenta dos média e sem qualquer diferença nos tempos dados a cada um. Explicam as suas ideias em cada área essencial sem andar a perder tempo em polémicas do passado (nem em perguntas supérfluas de mau entrevistador), e as pessoas votam no seu cidadão preferido em cada círculo eleitoral.

      Após os primeiros 6 meses, os eleitores têm eletronicamente a possibilidade de despedir o representante caso o voto de censura cidadão ultrapasse os 50% do respectivo círculo eleitoral. Mas se ele resistir, governa 1 ano. E a cada ano faz-se nova eleição com base em candidatos aleatórios. O eleito/incumbente só pode concorrer à re-eleição uma vez.

      Aproveitando também o bom exemplo da Suíça, caso um tema seja fracturante ou não ideológico, e uma base suficientemente grande de pessoas assim o pedir por abaixo assinado, há a realização de referendos vinculativos (caso maioria seja clara e participação elevada) ou indicativos (com obrigatoriedade de discussão e votação posterior no parlamento).
      Idealmente, 2 a 3 referendos por ano devem ser feitos. Os temas a votação nunca devem colocar em causa direitos fundamentais inscritos na Constituição, como por exemplo direitos de minorias.

      A acompanhar o cartão de cidadão (indicador único de cada pessoa), há uma chave de acesso a um portal de sondagens públicas. As pessoas devem ser incentivadas positivamente a participar nessas sondagens em massa, de forma a remover a arbitrariedade e manipulação das actuais sondagens de empresas privadas com base em apenas 600 ou 1000 pessoas escolhidas a dedo e com perguntas feitas de forma a dar os reaultados pretendidos por quem encomendou as sondagens.
      Apesar do acesso ser feito via CC, o voto na sondagem deve ser 100% anónimo.

      Nenhuma alteração à Constituição pode ser feita com menos de 80% de acordo parlamentar e tem de ser aprovada assim por duas legislaturas diferentes.
      Os tratados internacionais que afectem a constituição ou a soberania devem ir todos a referendo. Inclusive tratados passados que nunca passaram pelo crivo democrático, como a escolha entre ter Euro/austeridade/estagnação ou moeda própria, ou a escolha entre estar no clube terrorista dos EUA (aka NATO) ou ser um país protegido pela neitralidade (tipi Suíça ou Turcomenistão).

      Na TV, a liberdade dever ser total, desde que se observem estas regras: não podem existir comentadores residentes em programas confundíveis com missas sem contraditório (tipo Marques Mendes, ou Francisco Louçã), e em programas de debate político devem estar sempre presentes pelo menos 4 sensibilidades bem distintas entre si, e sempre com paridade de género, convidados de forma aleatória a partir da tal base de dados, onde os dados são 100% privados, mas o algoritmo (código fonte do sorteio) é 100% visível para o público.

      Porque para mim, um regime onde são sempre os mesmos a falar e a tentar fazer a opinião dos outros, com base nas cunhas e nos interesses que representam, é o oposto de liberdade de imprensa.

      Além disso, se a TV não é livre quando controlada pelo Estado, então também não é livre quando controlada pelo Capital. Há que encontrar um modelo muitíssimo melhor que a podridão actual, em que a voz é dada a quem defende os interesses dos accionistas, ou a quem daz melhor propaganda ao regime.
      Sinceramente não tenho ideias fechadas sobre este assunto. Só sei que o que temos agora é ao mesmo tempo muito melhor que o tempo da ditadura, mas não deixa de horrível à sua nova maneira.

      E um regime onde chegam a estar no parlamento pessoas cujo único “mérito” na vida são os contactos dentro de uma máquina partidária, e depois votam no parlamento em manada (sem qualquer representação territorial, a não ser o grupinho do PSD-Madeira), e chegam a votar de forma OPOSTA à vontade popular (ex: 90% do parlamento atual é a favor dos offshore, mas 90% da população é contra) é o oposto de democracia.

      Mal posso esperar pela onda de revoluções que colocará fim à oligarquia corrupta e autoritària de Davos auto-nomeada de “democracia liberal”…
      O problema de deixar chegar a podridão ao ponto da revolução, é que normalmente acaba em violência e as alterações no regime podem não ser oara melhor. É aqui que o meu eu Social-Democrata colide com o meu Marxismo: por um lado era ideal que a Democracia evoluísse de forma progressiva, votação após votação, reforma após reforma; por outro lado o sistema actual está tão falido que dificilmente alguma coisa muda para melhor e em representação dos interesses do povo.

      As próximas legislativas em França, onde o partido do Presidente que só tem 27% de apoio pode ficar novamente com +60% do parlamento, enquanto que a grande coligação das Esquerdas lidera as sondagens mas pode ficar só com 20% dos eleitos, num momento em que o povo sofre ainda mais do que na origem dos Coletes Amarelos, mas o regime da Davocracia está ainda mais autista do que antes e a imprensa está mais mentirosa do que nunca, poderá ser a última farsa que o povo tolerará a este regime. A ver vamos.

      Mais alguém tem assim ideias completamente disruptivas (odeio esta palavra mas tive de a usar) sobre como acham que deverá ser o próximo modelo de representação eleitoral?

  3. O socialismo, o cristianismo, a religião…. Tudo abstracto, genérico, superficial, leviano. E depois a citação de Carl Schmitt, sim, sim, o teórico do nazismo. Sente-se uma dor muito pessoana, uma dor vazia, uma dor desesperada que nos afasta do conhecimento, uma dor que não convida a que nos debrucemos sobre a nossa própria ignorância.

    As religiões só se puderam implantar no coração da Humanidade porque traduzem e reflectem os seus sonhos milenares. O socialismo utópico tem também aqui a sua origem. É na escuridão mais profunda que os homens sonham mais intensamente com a luz. É na escravidão mais desumana que os homens sonham com a liberdade. Mas como dar pés aos sonhos? O movimento dialéctico de Hegel que Marx depurou e transportou para a realidade social, Nietzche encheu da fúria e da vontade de poder (Der Wille zur Macht) e Freud aplicou à vida psíquica, foi o instrumento mais poderoso posto à disposição dos homens que queiram realizar sonhos milenares. É pelo estudo, pelo conhecimento e pelo trabalho que lá chegamos e não com mitos, mantras e frases ocas.

    Carmen Afonso vê que “em tudo o que nos move está presente a luta de classes“. Hegel teria sorrido, Marx teria aplaudido. Aquele „tudo“, a forma verbal „move“, o conflito expresso na „luta“. O todo, o movimento, a contradicção, os ingredientes fundamentais da dialéctica da vida, assim, como quem não quer a coisa, numa frase simples de artigo de jornal. Superada a necessidade, abre-se a porta da liberdade e nela qualquer possibilidade. As condições materiais para o socialismo criou-as o capitalismo, a classe trabalhadora e explorada precisa só de „der Wille zur Macht“, tomar consciência da sua força e assumir o poder. Simples? Sem dúvida. Já B. Brecht reconheceu que o simples é o mais difícil de fazer.

    • “Carmen Afonso vê que “em tudo o que nos move está presente a luta de classes“. Hegel teria sorrido, Marx teria aplaudido.”

      Seria lindo se a Carmo tivesse escrito isso com com honestidade. Mas eu sei que não o fez. E acho que só o escreveu para agradar/iludir os seus fans da Esquerda distraída do twitter.

      Afinal de contas, ela é a opinion maker que andou meses a criticar a Esquerda pela “intransigência” de recusar aprovar mais um orçamento do P”S” sem que os ataques da troika/Passos contra os trabalhadores fossem revertidos para pelo menos voltar a existir a lei laboral que o próprio P”S” defendeu até 2012.

      Uma pessoa que disse não perceber esta posiçãi da Esquerda, obviamente que NÃO vê luta de classes em tudo o que nos move. Ou então até vê, mas é a partir do ponto de vista de uma classe privilegiada, que não percebe o problema dos bancos de horas ou das horas extra pagas pela metade, ou da falta de contratação coletiva, ou das +40h de trabalho semanal com cada vez menos salário (mesmo comparando com a evolução da tal produtividade).

      Depois do que li da Carmo nos últimos meses de 2021, a mim ela não me volta a enganar. Num país nórdico, ela não seria considerada de Esquerda. É que as “intransigências” da Esquerda (PCP e BE) que ela não percebe, são coisas/direitos absolutamente normais nesses países. Quando lhes digo que em Portugal se trabalham nestas condições (falta de direitos) e com estes salários, e que há uma “esquerda” (rosa) que defende o que defende (ataque ao sindicalismo, precariedade, etc), eles ficam escandalizados.

      Já essa “esquerda” (rosa) nacional, é a primeira a juntar-se à Direita bafienta para chamar desde “intransigente” até “estalinista”, passando por “sectária” e “extremista”, às posições super moderadas do PCP e BE, que na maior parte do tempo defendem coisas que estão na Constituição (na teoria, mas não na prática rosa/laranja) ou já existem nos países Nórdicos ou são defendidas pelos pertidos de governo e até vistas com naturalidade pelos liberais (que em pouco ou NADA se confundem com os azul ciano do Cotrim) e centro-direita (quem em pouco se confundem com os laranjas, muito menos com os Passistas).

      Por isso é que costumo dizer que, apesar dos militares terem acabado com o regime fascista, o fascimo ficou entranhado em Portugal. De que outra maneira explicam que um Ministro da “Cultura” de uma Partido “Socialista” olhe para os profissionais (os que ficam atrás das câmaras e.dos palcos) que quase passaram fome durante a pandemia, e diga que “a precariedade não é necesariamente uma coisa má”?

      Uma alarvidade destas faz-me lembrar as palavras atribuídas à delfina francesa, Maria Antonieta, de que perante a fome e falta de pão, os plebeus deviam então comer brioches…
      Lembro só que a seguir vieram as guilhotinas!

Leave a Reply to Um CidadãoCancel reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.